Canais de Luis Correia

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O Colesterol Politicamente Correto



* Artigo publicado hoje no Jornal A Tarde, por Luis Correia

Está virando politicamente correto criticar o uso de estatina (drogas redutoras de colesterol). Alguns chegam a defender a intrigante ideia de que colesterol elevado não é importante causa de infarto. Um exemplo disto é o superpopular artigo de Dráuzio Varella, “A Agonia do Colesterol”, publicado na Folha de São Paulo, neste 30 de novembro.

Penso que questionar paradigmas vigentes é sempre estimulante, nós evoluímos ao repensar ideias: colesterol elevado como causa de infarto e estatina como protetor contra infarto são mitos? São falsas ideias criadas por razões comerciais (estatinas são as drogas mais vendidas no mundo)? Esta última questão faz com que este questionamento ganhe o tom do politicamente correto. Além disso, o uso de remédios é visto como algo anti-natural; e o natural é sempre politicamente correto.

Já critiquei neste espaço o uso indiscriminado de estatina em pessoas com colesterol normal. Porém agora nos referimos a pessoas com colesterol elevado. O que propõe a medicina baseada em evidências é evitar ideias fantasiosas e adotar condutas de utilidade comprovada. Como ciência diferencia mito de realidade, faremos aqui uma revisão das evidências científicas.

A comprovação da associação epidemiológica entre colesterol e infarto data da década de 50, quando o Estudo Framigham identificou os marcadores de risco para infarto. Estes estudo utilizou metodologia científica de boa qualidade e o melhor modelo epidemológico, o desenho de coorte prospectiva. Além disso, estudos subsequentes mostraram resultados semelhantes, completando o critério de consistência entre trabalhos na confirmação de uma ideia científica. Inclusive, foi o próprio Estudo Framingham que primeiro confirmou a associação de tabagismo, hipertensão arterial e diabetes com infarto. Ao não aceitar as evidências da associação entre colesterol e infarto, estaríamos também questionando estes outros fatores de risco.

Porém, nem toda associação é causal, de fato muitas delas são casuais ou mediadas por fatores de confusão. Sendo assim, a confirmação final de que uma variável associada ao desfecho é de fato um fator causador deste desfecho está em estudos que demonstram redução na incidência do problema (infarto) quando reduzimos a causa (colesterol). Esta confirmação veio 40 anos depois, com o advento das estatinas. Ao demonstrar que a redução do colesterol com estatina (comparada a placebo) reduz a incidência de infarto, essa ligação causal ficou estabelecida por ensaios clínicos de boa qualidade metodológica, com milhares de pacientes e de resultados reprodutíveis. Sendo assim, o colesterol como fator de risco cardiovascular é um bom exemplo de um processo correto de validação científica de uma ideia. Inclusive, como a proposta do colesterol como fator de risco surgiu décadas antes do advento das estatinas, a teoria da conspiração de que o mito do colesterol foi criado para vender estatinas não ganha nem respaldo cronológico.

Ao analisar criticamente evidências, confesso que mantenho um viés de desconfiança da indústria farmacêutica, pois esta frequentemente propõe condutas lucrativas, porém não suficientemente embasadas. No entanto, precisamos reconhecer propostas que, embora lucrativas, sejam clinicamente benéficas. Estatinas reduzem risco de infarto em pessoas com colesterol elevado.

Voltando ao sedutor texto de Dráuzio, a “agonia do colesterol” é um pensamento anti-científico. Devemos usar a ciência para combater condutas fantasiosas (existem muitas por aí) e reconhecer condutas benéficas. Separar o joio do trigo requer uma análise criteriosa das evidências científcas, o que procurei fazer neste artigo, com uma liguagem coloquial.


Dráuzio fala em pensamento mágico. O que ele se esquece é que a diferenciação entre pensamento mágico e realidade é feita por ciência de boa qualidade. Não podemos priorizar o politicamente correto, em detrimento da medicina baseada em evidências. Nem sempre o politicamente correto é correto.