Canais de Luis Correia

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Feitiço do Tempo na Pandemia: a inversão do ônus da prova



Lembro-me de um filme da década de 90, estrelado por Bill Murray. Um filme simples e filosófico,  cujo personagem acordava todo dia no mesmo dia:  Feitiço do Tempo. Sinto-me assim, parece que o tempo não passa, os problemas não passam, as controvérsias não passam. 

Controvérsias não passam quando os argumentos de ambos os lados carecem de princípios de pensamento adequados. Atualmente, argumentos ditos científicos violam a (1) noção do ônus da prova e (2) desconsideram o pensamento científico bayesiano.

Já me nego a pronunciar ou digitar o nome da dita medicação, sinto vergonha de discutir esse assunto. Não quero mais contribuir para a pandêmica discussão enfeitiçada pelo tempo. Há exatos dois meses, no dia em que a droga começou a ser propagada, escrevi neste Blog. Pensava que minha postagem ficaria obsoleta em algumas semanas, eu apenas queria usar como gancho para discutir princípios cognitivos do processo de decisão médica. Mas o post “viralizou”, hoje com 130.000 acessos. 

De tão absurda que a história parecia, achei que se dissiparia como qualquer fofoca. Cunhei o termo “fofoca científica” para certos tipos de estudo, ou “anti-estudos”. A história ficaria na memória, serviria para minhas aulas de medicina, assim como serviu a história da outra droga proposta para o tratamentos de “cânceres em geral”.

Diferente de minha expectativa, a discussão em torno do tratamento fantasioso para COVID-19 se fortaleceu com o passar do tempo. Semelhante a epidemias virais em populações não imunizadas, o assunto ganhou um novo pico de contágio, estando hoje mais forte do que nunca. É o feitiço do tempo, a controvérsia não passa. Como em epidemias virais, se a população não está suficientemente imunizada, haverá recorrência de surtos. Não estamos imunizados quando à irracionalidade das polarizações.

O fenômeno da utilização de condutas médicas sem base empírica não foi criado durante a atual epidemia, é antigo e prevalente. Nada de novo, apenas ganhou um novo nome, amanhã será outro nome. Portanto, não há motivo de perplexidade. Não precisamos de “líderes” promovendo terapias para que médicos e pacientes “acreditem” em condutas fantasiosas. Desde sempre acreditamos. 

A relevância de minha discussão não está na droga em si, nem mesmo na crença de médicos e pacientes. Refiro-me à falta de clareza do que se trata a racionalidade clínico-científica.

Perdemos o foco principal da discussão ao citar os recentes estudos negativos sobre o dito tratamento, publicados em revistas de prestígio de forma crescente. Assim como fugimos do tema quando falamos dos potenciais efeitos adversos da hoje tão popular droga. Estes não são argumentos que explicam a racionalidade científica. São argumentos quase tão fracos quanto os argumentos a favor do tratamento. 

Precisamos de esclarecer a filosofia científica. E nos afastarmos de discussões “menores”.


A Inversão do Ônus da Prova


A inversão do ônus da prova se concretiza quando procurarmos evidências contra uma conduta médica. O verdadeiro ônus da prova está no argumento a favor da conduta médica. 

O ônus da prova se aplica à escolha da conduta; não se aplica à não escolha da conduta.
O ônus da prova está na comprovação de eficácia; não está na comprovação de ineficácia.

Ateísmo é saber que não existe; agnosticismo é não saber se existe.
O paradigma ateísta é crente em sua ideia; já o paradigma científico é agnóstico. 

Em ciência, é impossível demonstrar que um fenômeno não existe. Em ciência, apenas podemos demonstrar se algo existe. 

Não podemos demonstrar que disco voador não existe, pois haverá sempre alguém argumentando que a observação foi insuficiente no tempo ou no espaço para que um ovini fosse visualmente capturado.

Da mesma forma, não podemos demonstrar que um tratamento não funciona, pois sempre haverá crítica em relação ao desenho do estudo. Nunca saberemos o resultado de outra dose, administrada de outra forma, feita em outro momento da doença (mais precoce) ou em um tipo de paciente mais adequado. A pesquisa nunca se esgotaria. Impossível concluir. 

Assim, partimos da inexistência como estado basal do pensamento (hipótese nula). E mudamos quando for demonstrada existência. O ônus da prova está na existência, a ser comprovada por evidências empíricas ou por leis naturais que tornam alguns fenômenos de extrema probabilidade (paradigma do paraquedas). 

Assim, não cabe à ciência demonstrar que o tratamento não funciona. Os estudos são desenhados para demonstrar que funciona. E na medida em que os estudos falham, prevalece o desconhecimento a respeito do benefício.  

Não temos motivo para prescrever a popular droga. Não precisamos de um motivo para desprescrever. 

A equivocada tentativa de argumentar contra a prescrição fabrica um equilíbrio na discussão, causando a interminável polarização. Ambos os lados terão argumentos pífios a favor de sua ideia. 

E devemos lembrar que um estudo negativo não é o que prova ausência, é o que não consegue provar presença. Não precisamos provar ausência.


O Risco da Droga


Na ausência de benefício, usar como argumento o risco de tratamento viola a racionalidade do pensamento clínico.

Em primeiro lugar, segurança não é argumento para a prescrição. O argumento primário é eficácia.  Ser seguro não justifica o tratamento. Assim como risco não é argumento para não prescrever, pois prescrevemos adequadamente muitas terapias de alto risco (desde que haja um benefício justificável).

Segundo, no caso da droga que protagoniza debates nacionais, não temos evidências concretas quanto ao risco (incidência, probabilidade) de desfechos indesejados. Nem percebo as argumentações sobre risco virem acompanhadas da descrição quantitativa e qualitativa de arritmias. As coortes publicadas não citam arritmias, exceto o registro hoje publicado no Lancet (fui despertado com uma enxurrada de mensagens), que descreve 5% de incidência de arritmias ventriculares, mas sem mencionar a importância clínica. Esses dados se invalidam pelo caráter observacional e não cego dos estudos: o uso da droga é acompanhada de monitoramento para arritmias, levando a maior registro de arritmias, que poderia estar presente na mesma frequência no grupo de não usuários da droga. Além disso, indivíduos que usam são mais graves. Evidências precisariam ser proveniente de ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos. Ainda não temos nenhum com amostra suficiente para descrever este risco. Portanto, sem evidências, não podemos falar em risco.

Terceiro, falar do risco de efeito clínico adverso é minimizar o paradigma das “consequências não intencionais”, alicerçado na multiplicidade e imprevisibilidade: tudo tem custo, que é de diversas ordens. Diversas probabilidades independentes, não condicionais, que se somam. Assim, a probabilidade de uma das múltiplas e desconhecidas consequências negativas ocorrer é sempre maior do que a única consequência positiva que apostamos ao prescrever a droga (amenizar a doença).

Neste paradigma, a probabilidade do desconhecido supera a probabilidade do conhecido. Falar de arritmia é infantilizar a discussão científica. 

Esta inversão do ônus da prova (risco no lugar de benefício) em parte decorre do princípio bioético primum non nocere (primeiro, não prejudicar; first, do no harm), cuja forma de pensamento é conceitual, refere-se a princípios. O raciocínio clínico é pragmático, refere-se a tomada de decisão: decidimos agir com base no benefício da ação. Em seguida, esse processo passa pelo crivo da segurança. 

Portanto, o raciocínio de segurança necessita da presença da ação: algo inseguro é algo que seria feito se fosse seguro. Não há sentido em definir como inseguro uma ação que não seria realizada.


Probabilidade a priori


Um importante alicerce para o princípio da hipótese nula é o pensamento científico bayesiano: antes de falar da evidência per si, precisamos estimar a probabilidade a priori da hipótese ser verdadeira. E o principal conceito nesta discussão é a diferença entre plausibilidade e probabilidade. 

A falta de percepção de uma baixa probabilidade pré-teste promove o “mito da descoberta”, caracterizado pela hipervalorização das novas evidências, compartilhadas de forma epidêmica nas redes sociais: “evidenciomania”. A adequada percepção da baixa probabilidade pré-teste no caso do anti-malárico traria menos valor a evidências negativas (não mudam o status do pensamento) e às evidências positivas (estariam longe de confirmar o conceito) - e preveniria a hipercitação de evidências por ambos os polos da discussão, com se estivéssemos em um jogo para ver quem cita mais. 

Diferente do “mito da descoberta”, o conhecimento científico se constrói pelo acúmulo de informações. Não será o resultado de um estudo em meio a um vácuo probabilístico que vai resultar na descoberta. 

A grande quantidade de ensaios clínicos desenhados para testar a eficácia desta droga de baixa probabilidade pré-teste tem no “mito da descoberta” o combustível necessário para a corrida dos pretendentes a heróis científicos. É quando a ciência se perde em seu propósito, a pesquisa deixa de ser meio e passa a ser o fim. O resultado de um estudo toma o lugar da verdadeira compreensão da natureza como o objetivo da ciência. 

Preciso explicar porque esta hipótese tem probabilidade quase nula.

Ao nascerem, hipóteses são improváveis. Não notamos isso, pois nosso mundo perceptivo se constrói com base na falácia narrativa daqueles que convivem apenas com as hipóteses que vingaram como verdadeiras. No entanto, para cada hipótese que se confirmou verdadeira, houvera uma infinidade de hipóteses boas que não vingaram. Estas ficam esquecidas pela história, comprometendo o denominador, e gerando a impressão que a probabilidade a priori de uma hipótese é maior do que sua realidade. 

As hipótese que nascem são improváveis pois nascem com base em plausibilidade (mecanismos, estudos experimentais). Plausibilidade é diferente de probabilidade. Há inúmeras hipóteses plausíveis que não se confirmaram nas provas de conceito. O fenômeno de reversão médica decorre da crença exacerbada em plausibilidade, do viés de confiança por coerência. Probabilidade não é determinada por plausibilidade. 

Probabilidade é influenciada pelo resultado de estudos preliminares ou evidências indiretas, pertencentes ao campo de pesquisa. 

A hipótese de eficácia do antimalárico nasceu de um racional mecanicista, reforçado por citação de estudo in vitro: plausibilidade. 

Embora sempre baixa ao nascer, a probabilidade pré-teste de uma hipótese pode variar com evidências indiretas e comportamento do campo científico. No primeiro caso, estudos clínicos com a tal droga não comprovaram eficácia em outras doenças virais, como foi o caso do teste em pacientes com influenza. Em segundo lugar, em diferentes campos científicos, drogas de repropósito têm baixa probabilidade (anti-malárico usado como anti-viral). Portanto, este é o caso de uma hipótese cuja probabilidade a priori está nos mais baixos percentis.

Hipóteses que vingam nascem com uma probabilidade inicial, que aumenta progressivamente na medida em que estudos preliminares positivos aparecem em sequência. Estes estudos exploratórios aumentam a probabilidade até uma faixa intermediária, justificando o momento para o teste confirmatório: um estudo de fase III, que se positivo eleva a probabilidade de intermediária para alta. Desta forma, para ser confirmatório, um estudo requer duas condições: ser de alta qualidade científica e ser realizado em ambiente probabilístico intermediário. 

O cerne da discussão não poderia ser a droga em si, mas como o conhecimento científico deve ser construído: com base em probabilidade, que evolui a partir da condição a priori e com resultados de evidências sequenciais, que devem ser avaliadas em relação a sua acurácia científica. 

Se pensássemos assim, a ideia deste tratamento seria periférica, apenas mais um a passar pelo processamento normal do ecossistema científico, evitando o desvio de energia cognitiva e gasto de esforços científicos nesta questão. 


O Cerne da Questão


O cerne da questão não é o antimalarial, que representa apenas um exemplo da cultura médica permeada de irracionalidade. Em uma hierarquia de prejuízo ao paciente, o antimalarial é um caso relativamente benigno quando comparado a rastreamentos de certos cânceres, de doença coronária ou carotídea, quimioterapias fúteis e tantas outras medidas típicas da cultura médica. 

O maior problema não são fantasias que se parecem com fantasias, como fosfoetanolamina, ozonioterapia ou o antimalárico. O pior problema não é a caricatura da realidade, é a própria realidade: os meses coloridos que fazem propaganda de doenças, promovendo procedimentos fúteis, overdiagnósticos e overtratamentos. A pandemia da irracionalidade já nos contagiava antes do coronavírus. 

Não há culpados, somos apenas profissionais em estágio evolutivo ao longo do último século, quando se estruturou o paradigma epidemiológico. Um paradigma que se estruturou, porém ainda não se tornara habitual ao pensamento médico quando a epidemia nos surpreendeu.

A insistência na polarizada discussão sobre esta droga enfocar em um pequena árvore, esquecendo a perspectiva da floresta em que vivemos. Isso explica o feitiço do tempo. 


OBS: após concluído o texto, para quem não mora do planeta terra: a tal droga é “hidroxicloroquina”. 


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54 comentários:

  1. Ansiava por seu posicionamento amigo. Muito obrigado! Fernando Araújo

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  2. Dr. Luis, fico feliz de ter descoberto este site agora, ainda na minha graduação em medicina. Deixo aqui meu agradecimento por compartilhar conteúdo de tamanha qualidade! Seus posts definitivamente mudaram (e mudarão muito mais ainda) a forma como eu enxergo a prática clínica de excelência.
    Pedro

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  3. Excelência como o de costume! Obrigado!

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  4. Finalmente luz científica para fugir de discussões que ganharam mais cunho político que médico.

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  5. Que texto!!! Parabéns e obrigada!!!

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  6. Gostei especialmente da conclusão sobre o "Cerne da Questão". Ainda hoje comentava com um amigo como é frustrante perceber que, apesar de todo o avanço teórico no campo do pensamento científico aplicado às ciências da saúde, do ponto de vista pragmático, ainda há muito chão a percorrer em educação médica e educação científica da sociedade. Como bem colocou, estamos longe de estar imunizados para recorrências de irracionalidades como esta.

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  7. Bullshit, e vc sabe. 500 anos de antiviral e centenas de estudos pra voce vir racionalizar sua fraqueza.

    https://virologyj.biomedcentral.com/articles/10.1186/1743-422X-2-69

    Do antigo SARS. Sabe mais para que o "remédio" (que assombra sua mente) é usado? MERS, Dengue, Zika, Chikungunya.

    Seu rebuscamento cru só esconde a sua ignorancia sobre o assunto atrás de sofismo.

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    1. Prezado Anônimo, eficácia in vitro é muito diferente de eficácia in vivo. Apontar um artigo que mostra capacidade de inibir o vírus em cultura de células não comprova absolutamente nada.
      Discordar de um autor é lícito e salutar, mas sem arrogância.
      Não queira se mostrar dono da verdade em um território tão pouco conhecido.
      Para você refletir um pouco:

      A porta da verdade estava aberta
      mas só deixava passar
      meia pessoa de cada vez.
      Assim não era possível atingir toda a verdade,
      porque a meia pessoa que entrava
      só conseguia o perfil de meia verdade.
      E sua segunda metade
      voltava igualmente com meio perfil.
      E os meios perfis não coincidiam.
      Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
      Chegaram ao lugar luminoso
      onde a verdade esplendia os seus fogos.
      Era dividida em duas metades
      diferentes uma da outra.
      Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
      As duas eram totalmente belas.
      Mas era preciso optar. Cada um optou
      conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

      (Carlos Drummond de Andrade)

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    2. Harvey Hirsch, que entende um pouco de ciência, discorda frontalmente de vc. Leia, leiam.
      https://academic.oup.com/aje/advance-article/doi/10.1093/aje/kwaa093/5847586

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  8. Texto excelente e de leitura obrigatória nesses tempos de irracionalidade e polarização na medicina. Parabéns Dr. Luiz Cláudio! Suelene Suassuna

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  9. Ótimo texto! Obrigado!

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  10. Não vou elogiar pois estarei este texto chovendo no molhado. Apenas, agradeço muito por este e tantos outros textos.

    Aqui, relatarei a minha experiência neste período nebuloso:

    Estou aplicando - certamente de maneira calcada na intuição de quem teme à loucura mais que à morte - a lei de Pareto aos conteúdos relacionados ao vírus do momento. Na verdade, depois da primeira 'paretização' devo estar "paretizando", ao menos, mais 3 ou 4 vezes. Fato é que, o capital 'pecado' da preguiça talvez seja o motivo principal desta minha atitude. Que seja. Na dúvida, agradeço a
    à dona Preguiça e a imploro que não me abandone enquanto eu viver, pois assim, a probabilidade da loucura trazida pela enxurrada de 'informações' ficar distante é maior.

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  11. Uma leitura que pode ajudar na otimização do uso dos nossos recursos escassos mais valorosos - tempo e sanidade mental - recomendo a leitura de A Única Coisa - Gary KellerhKeller & Jay Papasan

    https://amzn.to/3ba0Wul

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  12. Excelente texto, dr. Luis Cláudio. Mostra, entre outras coisas, que infelizmente o debate sobre esta droga passa longe da ciência (nos dois lados). Em outras palavras, transformou-se um debate científico numa discussão política.

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  13. Excelente! Melhor colocação impossível sobre o tema!

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  14. Muito incomum ver tanta clareza e fundamentação de pensamento.
    Um texto de qualidade rara. Um deleite a leitura. Um aprendizado especializado p vida.

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  15. Elogiar seu texto como já disseram é chover no molhado.
    Contudo, mais uma vez, a lógica e a clareza do seu posicionamento reforçam a necessidade do alicerce das evidências científicas éticas e íntegras para guiar condutas médicas, mesmos em tempos de tempestade, onde o medo e a prepotência oferecem caminhos tão incertos como a própria tempestade.
    Adorei sua resposta a um outro comentário, usando o belíssimo poema de Drummond sobre a verdade.

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  16. Dando o crédito correto ao poema sobre a verdade, foi postado por um leitor anônimo e não por Luís .
    De qualquer forma, o poema é lindo e pertinente para esse momento.

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  17. Muito bom Luis, a pandemia e a substância milagrosa tem sido mais uma oportunidade que demonstra o "cerne da questão", sigamos no estágio evolutivo!

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  18. Muito bom Luiz! A pandemia e a substância milagrosa evidenciam mais uma vez onde está o "cerne da questão", sigamos em estágio evolutivo.

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  19. Caro colega e amigo Luis:

    Uma única palavra diante desse cenário complexo da COVID-19: “EXCELENTE”... assim, mesmo, com “maiúsculas”!

    Meus renovados parabéns ������


    Silvestre Sobrinho

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  20. Excelente, infelizmente boa parte da população ( incluo professores , médicos dentre outros ) são contrários ao isolamento social na quarentena e apontam os parcos e insuficientes estudos da tal droga como uma das formas de frear a replicação do vírus ! Gostaria de parabenizar vc por tão via leitura ( meio longa ) mas muito esclarecedora!

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  21. Bom dia Prof. Luis,

    Sou infectologista e entusiasta do seu blog e ia iniciar o curso MBE quando a pandemia nos atropelou. Lendo seu texto, entretanto, gostaria de colocar alguns contrapontos a trechos que me fez aparentemente discordar, não sei se pela forma colocados ou pelo conteúdo. Com o uso indiscriminado da droga em questão, há a necessidade de se demonstrar o racional contra a prescrição, de forma que a população e a classe médica possa entender, seguindo o paradigma de risco x beneficio.

    Então, quando coloca que “na medida em que os estudos falham (em provar que funciona), prevalece o desconhecimento a respeito do benefício” deve-se ressaltar que quando esses estudos falham, diminui a probabilidade do potencial benefício (previamente estimado, já baixa pelos dados anteriores como foi colocado no texto). Entendo a questão do problema de indução, mas me pareceu que esse trecho/parágrafo pode induzir que um resultado negativo de um estudo para avaliar eficácia teria pouco ou nenhum valor, mantendo a mesma probabilidade de beneficio. Mas penso que a cada novo estudo que é publicado e que não demonstra eficácia, ainda que não RCT duplo-cego, diminui cada vez mais a probabilidade de beneficio, diminuindo o motivo alegado para continuarem prescrevendo (no paradigma risco x beneficio). Acredito que concordamos nesse ponto, mas se não, gostaria de entender sua opinião.

    Agora o meu contraponto de maior discordância é em relação ao “risco da droga”. O texto começa “Na ausência de benefício, usar como argumento o risco de tratamento viola a racionalidade do pensamento clínico”. Mas, como colocado didaticamente no seu texto, não se pode falar em ausência de beneficio, porque é impossível provar essa ausência (ausência de benefício, portanto, seria platônico). Logo a questão do risco e da segurança da droga me parecem fundamentais já que, na minha vivência, o principal “racional” advogado para o uso é que “se não sabemos se funciona, mal não faz tentar e estamos vivendo uma situação em que é preciso tentar tudo”. Assim, se não é possível descartar completamente benefício dentro da plausibilidade, ser seguro me parece um dos pontos chave para justificar ou não uma conduta.

    Argumentando ao exagero: o alho possui propriedades antivirais in vitro, com baixíssima probabilidade pré-teste de ter ação contra o coronavirus (mas que não é zero). Ainda assim, se alguém ciente dessa baixa probabilidade, resolve comer um dente de alho por dia como profilaxia ou terapia potencial, se o custo não for um problema e considerando o risco desprezível e menor do que já baixa probabilidade de beneficio (alergia, engasgar com o dente), não haveria racional para condenar essa ação, no paradigma “risco x beneficio”.

    Por outro lado, ressalvando que não fiz revisão sistemática sobre “riscos da cloroquina”, já há estudos suficientes, prospectivos e retrospectivos, desse ano e de períodos anteriores, que servem de evidencia para dizer que há grande probabilidade da droga ter efeitos adversos, alguns potencialmente letais (quando digo grande probabilidade é do efeito colateral existir enquanto causa-efeito pela droga e não como probabilidade de incidir em um grupo de usuários). Pode não ser possível estimar a probabilidade/incidência pelo desenho dos estudos, mas não dá para dizer que dados de um estudo observacional ou não-cego são inválidos. Podem apresentar limitações, mas não inválidos. Entendo que talvez queira dizer que há exagero do polo anti-cloroquina no argumento dos efeitos adversos, fazendo afirmações que não tem evidencias para embasar, mas, de novo, o texto dá a entender que não é possível dizer que a droga apresente riscos. Ou pelo menos entendi assim.
    Saudações,

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    1. Muito bem colocado. Isso é ciência (feita de discussão) não há apenas um ponto de vista.

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  22. Aprendi muito com este texto. Meus cinquenta anos de exercício da arte médica me ensinaram a necessidade da filosofia da ciência a presidir a obtenção de conhecimento médico e os princípios éticos a gerenciar nossa prática. Sempre seremos premidos pela necessidade de dar assistência aos nossos pacientes ao mesmo tempo em que navegamos na fronteira do desconhecido. A coragem para agir e a humildade para questionar nos guiam nesta linda jornada. Obrigado.

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  23. Se a eficácia in vitro não fosse razão para uso, porque prescrevemos polimixina B sabendo de sua toxicidade baseados em antibiograma? Mesmo sabendo que muitas vezes, mesmo associada ao Meropenem, pode não ter efeito? Pelo mesmo motivo, dependendo do perfil da bactéria, não responde a nada.
    Interessante vê-los ignorando isso nesta discussão sem fim.
    Até que se prove o risco no uso de uma medicação, e já havendo indícios de efeito em laboratório, sendo uma doença que pode levar a morte, não havendo outra opção de tratamento e tendo vários estudos mostrando que não aumentou a mortalidade com seu uso, por que não usar? Além disso, todos os estudos testando o uso da medicação na fase inflamatória e não na fase de replicação viral, onde seria seu efeito.

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    1. O uso da cloroquina ou hcq não é o único exemplo disponivel da prescrição por parte dos médicos de medicacoes sem eficácia comprovada ou com baixíssimo nível de evidencia. O cerne da questão é refutar a hipotese nula, nesse caso relacionado primordialmente a eficácia. Covid- 19, de fato pode matar ou evoluir pra casos graves, mas 90 % dos casos resolvem-se espontaneamente, não é uma situação que envolve prognóstico negativo inexorável ou paradigma do para quedas , onde dispensariamos evidencias adequadas. E como já dito, efeito in vitro é uma coisa , efeito in vivo é outra. O estudo COPE já está tentando buscar a resposta para o efeito da hidroxicloroquina em fases precoces, até lá dizer que q droga funciona nesse estagio é mera especulação.

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    2. Antibiograma é um exame clínico in vitro, não é um estudo. O dado que o antibiograma gera é o MIC (concentração inibitória mínima) de uma bactéria semeada em um meio de cultura, procedente de uma amostra biológica. Se esse dado for fornecido isoladamente para o médico assistente, geralmente ele não saberá o que fazer.
      O dado que o médico assistente quer (e que é o relevante) é o de correlação clínica, ou seja, saber se a bactéria é S (sensível) ou R (resistente) para o antibiótico. Quem define isso são institutos internacionais (CLSI, EUCAST) que realizam correlação clínica (verificam infecções por bactérias de um determinado MIC respondem clinicamente, em uso em pessoas a um determinado antibiótico em um determinado sítio (MIC para streptococcus pneumoniae pode ser sensível para tratar pneumonia e resistente para meningite).

      Portanto, a comparação não é válida

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  24. Caro amigo, sua análise desnuda a necessidade de abordagem científica para as questões que envolvem a medicina. Eu afirmo que esta abordagem se aplica à ciência em geral. A verdade científica só se alcança quando seus resultados experimentais, realizados inúmeras vezes, apresentam resultados que convergem com elevada probabilidade de ocorrência. Gostei bastante de sua afirmação de que "hipóteses que vingam nascem com uma probabilidade inicial, que aumenta progressivamente na medida em que estudos preliminares positivos aparecem em sequência. Estes estudos exploratórios aumentam a probabilidade até uma faixa intermediária, justificando o momento para o teste confirmatório: um estudo de fase III, que se positivo eleva a probabilidade de intermediária para alta. Desta forma, para ser confirmatório, um estudo requer duas condições: ser de alta qualidade científica e ser realizado em ambiente probabilístico intermediário". Forte abraço.

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  25. Caro Luís,
    Seu texto é preciso .
    Polarizar nesse contexto é uma armadilha que devemos evitar . Racionalidade deve ser a tônica.
    Forte abs

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  26. Bom dia. Interessante artigo. Que vc opina do artigo do Ioannidis, Whys most published reaserches findings are false?
    Tenho interesse no seu curso. Grato. Andrés

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  27. Este comentário foi removido pelo autor.

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  28. ...acredito que o ponto de mais relevância no momento é a controvérsia em torno da HCQ. É sobre ela que a mídia divulga notícias de mais estudos científicos que não evidenciaram eficácia da droga. Vi opiniões de médicos experientes que com muita segurança falavam que o uso precoce e com doses convencionais (semelhantes às usadas para malária e lupus) tem potencial importante para melhora do prognostico sem efts colat importantes. Estudos in-vitro (não contestados até onde eu sei) mostraram a redução da carga viral com uso de HCQ (mais que com outras drogas). Os medicos não alegam evidência científica de eficácia, apenas a sua experiência como fundamento. Por outro lado, o grupo que é contra protocolos públicos de uso da droga contra COVID, não alega ter experiência clínica alguma com a droga, “soam mais científicos”, e alegam não haver evidência científica (robusta) a favor do uso, bem como um crescimento do risco de problemas colaterais, arritmias cardiacas importantes, etc. Têm enfatizado cautela no uso da droga ou contraindicam seu uso. Citam vários estudos científicos que não evidenciaram efeito positivo da droga e ocorrência de aumento de risco de problemas cardíacos importantes (e mortes). Ao buscar esses estudos, os últimos citando os anteriores, até onde eu vi, são TODOS em pacientes internados (em estágio mais avançado da doença) e com dosagens de HCQ bem superiores (ate 5 x mais) àquelas preconizadas nos protocolos de uso precoce. A alegada ausência de evidência científica de eficácia tem sido apresentada e divulgada frequentemente de modo a parecer uma evidência científica da ausência de eficácia, o que me parece uma indução dos leitores e expectadores a erro. Mais e mais estudos vao sendo divulgados, com a impressão de serem mais robustos por abordarem um maior numero de estudos anteriores ou de pacientes. Sempre, até onde eu vi, FORA DO PROTOCOLO DE USO precoce recomendado. Alguns ressalvam que o estado inicial dos pacientes que receberam HCQ era pior, em média, do que os que não receberam. Amigos médicos que me dizem que o uso profilático e terapêutico da HCQ entre médicos, parentes e pacientes de colegas é corriqueiro. Realmente gostaria de entender isso melhor, já que o povo em geral não está tendo acesso... Quem tem usado e recomendado o protocolo de uso precoce não tem alegado possuir evidência metodologicamente cientifica da eficácia da droga. Então, pode-se simplesmente questionar que a droga não deve ser usada/recomendada pelos órgãos de saúde pública pela falta dessa evidência. Parece um argumento válido. Agora, tentar robustecer essa posição contrária dando um revestimento de fundamento científico a uma opinião, alegando e citando N estudos que (salvo engano) não testaram a posologia indicada no início dos sintomas, induz a uma falsa convicção de que a droga não é compensadora. Ressalvam que são necessários mais testes, o que soa estranho, quando se alega ter testado dezenas de milhares de pacientes sem nenhum resultado promissor e ainda o surgimento de efeitos negativos importantes (mortes). Cobrar de quem alega ter evidências científicas que apresente tais evidencias consistentes com a situação questionada (protocolo de uso precoce em doses moderadas) não me parece inverter ônus da prova, apenas exigir a prova de quem alega tê-la. Para concluir, eu faço duas perguntas a quem puder responder: 1) ao estudar a eficácia e feitos colaterais de um medicamento a dosagem e o estado de saúde (estágio da doença) são relevantes para as eventuais conclusões? 2) Alguém poderia, me apontar UM ou DOIS, apenas UM ou DOIS, estudos envolvendo o protocolo precoce preconizado por quem defende o uso da droga (baixas doses, nos primeiros dias) que tenha tido alguma conclusão?Desde já, agradeço.

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    1. Excelentes colocações. Concordo totalmente. Diversos estudos observacionais já chegaram à conclusão de que há indícios concretos de que há benefícios. É preciso pesar o risco de receitar e causar um mal x o risco de estar causando um mal por deixar de receitar. Vou postar uma reflexão sobre isso mais abaixo.

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  29. Excelente. Gostaria de saber se houve um erro de digitação na frase:
    "O fenômeno da utilização de condutas médicas sem base empírica não foi criado durante a atual epidemia, é antigo e prevalente." Seria o correto "...médicas com base empírica..."
    Outra possível correção, na frase "... em uma árvore...".
    Forte abraço.

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    1. Empirismo como "doutrina segundo a qual todo conhecimento provém da evidência". É uma parte fundamental do método científico que todas as hipóteses e teorias devem ser testadas contra observações do mundo natural, em vez de descansar apenas em um raciocínio a priori, a intuição ou revelação.

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  30. Sendo leiga, rezo para nao contrair.

    No pragmatismo, nem sei se tomo um rivotril, consulto a benzedeira ou coloco no gato o nome cloro ki

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  31. Obrigada por sempre estimular nosso pensamento!

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  32. Conhecem o anidiarreico que todos tomavam há 6a anos? É não tinha efeitos colaterais! Era o ENTROVIOFÓRMIO,nada mata que a CLOROQUINA.

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  33. Eu num sei se é vdd, a mídia tem aumentado demais,?

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  34. Num mundo ideal, já contaríamos com estudos randomizados duplo-cego que demonstrariam se a hidroxicloroquina (HQN) é eficaz (ou não) contra a doença COVID-19 quando usada nos seus estágios iniciais. (O mesmo raciocínio vale para a ivermectina e outros remédios antivirais que estão sendo testados).
    Mas, no mundo real, estes estudos ainda não existem. Os médicos estão sendo forçados a tomar a decisão de aplicar ou não este tratamento em um ambiente de GRANDE INCERTEZA.
    Existem estudos observacionais que indicam que a HQN pode ter um efeito MUITO FAVORÁVEL na COVID-19, desde que seja aplicada nos estágios iniciais da doença (durante a replicação viral), antes de que apareçam os sintomas mais graves (pneumonia, falta de ar, etc). Neste estágio inicial a HQN não eliminaria a possibilidade de morte, mas a reduziria de forma muito importante.
    Por outro lado, estudos observacionais também indicam que a HQN não apresenta resultados significativos quando aplicada nos estágios mais avançados do COVID-19.
    O médico precisa pesar o dano que pode causar ao paciente ao aplicar um tratamento sem eficácia comprovada, versus o dano que pode estar causando ao DEIXAR de aplicar um tratamento que tem uma probabilidade maior que zero, porém ainda desconhecida, de ajudar ao paciente.
    A HQN é uma medicação que tem contraindicações importantes. Por outro lado, já é conhecida e utilizada há mais de 40 anos. Excetuando casos específicos, como arritmias graves, se sabe que a letalidade devida ao uso da HQN por períodos curtos (até 5 dias) é muito baixa. Os estudos observacionais já efetuados não detectaram nenhum aumento importante da letalidade no caso do uso em pacientes com COVID-19.
    Em resumo, o médico precisa decidir com base em suas estimativas para:
    A = probabilidade da COVID-19 em fase inicial evoluir para a fase mais grave (pneumonia, falta de ar)
    B = o grau de eficácia da hidroxicloroquina para evitar que a doença evolua da fase inicial para a fase mais grave
    C = probabilidade de morte ou sequelas graves no caso do COVID-19 evoluir para a fase mais grave
    D = probabilidade de um tratamento de 5 dias com Hidroxicloroquina com a dose que consta na bula causar a morte ou sequelas graves ao paciente
    Vejamos:
    Probabilidade de morte ou sequelas graves SEM a HQN = P(M SEM HQN) = A * C
    Probabilidade de morte ou sequelas COM a HQN = P(M COM HQN) = A * (1 - B) * C + D

    O médico deve então indicar (ou não) a hidroxicloroquina, segundo as probabilidades estimadas para aquele paciente em particular.
    Ainda não contamos com estudos randomizados duplo-cego para saber os valores reais, mas façamos uma simulação, considerando um paciente acima de 50 anos de idade, assumindo que a probabilidade da hidroxicloroquina ser eficaz é de 40%, e assumindo valores de 20% para A e para C e de 0,1% para D.
    A= 20% B=40% C=20% D=0,1%
    Neste caso:
    P(M SEM HQN) = 20% * 20% = 4%
    P(M COM HQN) = 20% * (100% - 40%) * 20% + 0,1% = 2,5%

    Repare que a probabilidade de morte ou sequelas é BEM MAIS BAIXA na alternativa COM hidroxicloroquina. Neste caso o uso da HQN estaria indicado!

    Calculemos a seguir qual seria o grau de mínimo de eficácia da HQN, abaixo do qual o tratamento com HQN DEIXA de ser recomendável:
    4% = 20% * (1-B) * 20% + 0,1%
    B = 2,5%
    Portanto o tratamento com HQN só deixará de ser recomendável se o seu grau de eficácia for inferior a 2,5%!!
    Os estudos observacionais já realizados parecem indicar que a eficácia da HQN poderia chegar a ser inclusive superior a 50%!
    Não sou médico, mas esta breve análise parece indicar que, dado o alto grau de incerteza atual, a Hidroxicloroquina DEVE ser administrada aos pacientes com sintomas leves de COVID-19 com idade acima de 50 anos.

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    1. Boa tarde Unknown, algumas considerações ao seu modelo:

      1) Uma droga em medicina com eficácia de 40% (variável B) é extremamente rara. Para demonstrar na prática, sugiro que tente encontrar pelo menos 5 tratamentos que supere esse valor e verá que não será tarefa simples.
      2) No caso da hidroxicloroquina no COVID, não há estudos observacionais com esse valor que está citando ("superior a 50%"). Na verdade não há nenhum estudo observacional publicado até o momento que demonstre qualquer benefício clínico revelante (menos internação, evolução para quadro grave ou morte, etc). Isso é "wishful thinking".
      3) Com as evidências até o momento o valor de B provavelmente é inferior a 2,5%. Há ainda a possibilidade do valor de B ser negativo (a droga interferir negativamente na evolução da infecção, além dos efeitos adversos descritos em D), o que aumentaria mortalidade do COVID-19. Isso sem contar as consequencias não-intencionais (falta de HCQ nas farmácias para quem precisa pelas indicações de bula por exemplo).

      Para entender o "B" negativo, leia os estudos de (hidroxi)cloroquina no HIV e Chikungunya, as discussões em torno do uso de antibióticos em bactérias causadores da síndrome hemolitco-uremica, "reação paradoxal" da tuberculose e síndrome inflamatória de reconstituição imune no HIV.

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  35. Em postagem anterior analisei a decisão de aplicar ou não o tratamento com Hidroxicloroquina a pacientes individuais com idade acima de 50 anos e sintomas leves de COVID-19.
    Aplicarei agora uma lógica parecida, mas considerando que nosso paciente é a população em geral.
    Estamos vivendo uma pandemia, em que muitos hospitais estão sobrecarregados, alguns inclusive saturados ou em risco de saturação. A falta de leitos aumenta a letalidade não apenas dos pacientes de COVID-19, mas também a dos pacientes das demais doenças e das vítimas de acidentes ou crimes violentos, devido à falta de atendimento adequado.
    Pensando em termos da população em geral, a falta de leitos de hospital disponíveis é uma “enfermidade” grave, que precisa ser combatida.
    Consideremos então que precisamos minimizar a probabilidade de que um paciente diagnosticado com sintomas leves de COVID-19 possa precisar ser internado por passar para a fase grave da doença (com pneumonia, falta de ar).
    Queremos avaliar qual o potencial do uso da Hidroxicloroquina para evitar que um paciente diagnosticado com sintomas leves de COVID-19 passe para a fase grave e precise ser internado.
    Em resumo, é preciso estimar:
    A = probabilidade de paciente diagnosticado na fase inicial da COVID-19 evoluir para a fase mais grave (pneumonia, falta de ar) e precisar ser internado
    B = o grau de eficácia da hidroxicloroquina para evitar que a doença evolua da fase inicial para a fase mais grave
    D = probabilidade de um tratamento de 5 dias com Hidroxicloroquina com a dose que consta na bula causar a morte ou sequelas graves ao paciente
    Vejamos:
    Probabilidade de Internamento SEM a HQN = P(I SEM HQN) = A
    Probabilidade de Internamento COM a HQN = P(I COM HQN) = A * (1 - B) + D
    Ainda não contamos com estudos randomizados duplo-cego para saber os valores reais, mas vamos tentar fazer uma estimativa conservadora.
    Segundo o site worldometers.com, até o dia 08/06/2020 foram confirmados no Brasil 691.962 casos, com 37.312 mortes por COVID-19 e 8.318 pacientes em situação séria ou crítica. Vamos assumir que todos os 691 mil casos tenham sido diagnosticados na fase inicial da COVID-19. Vamos assumir que os mortos e os pacientes que estão atualmente em estado sério ou crítico sejam os únicos pacientes que necessitaram internação, num total de 45.631.
    Neste caso:
    A = 45.631 / 691,962 = 6,6%
    (Esta estimativa é conservadora porque sabemos que diversos dos 691 mil casos foram diagnosticados já na etapa grave da doença. Mas, quanto mais reduzirmos este número, maior se torna o valor de A. Da mesma forma sabemos que há pacientes que necessitaram ser internados mas já tiveram alta. Quanto maior for o número total de internamentos, maior se torna o valor de A).
    Façamos uma simulação, assumindo que a probabilidade da hidroxicloroquina ser eficaz é de 40%, e assumindo o valor de 0,1% para D.
    A= 6,6% B=40% D=0,1%
    Neste caso:
    P(I SEM HQN) = 6,6%
    P(I COM HQN) = 6,6% * (100% - 40%) + 0,1% = 4%
    Portanto, do ponto de vista da população como um todo, seria benéfico aplicar o tratamento com HQN a todos os pacientes diagnosticados com sintomas leves de COVID-19, desde que não tenham características pessoais que contraindiquem o uso da HQN.
    Vejamos agora qual seria o valor mínimo de B para que ainda valha a pena aplicar o tratamento com HQN:
    6,6% = 6,6% * (100% - B) + 0,1%
    B = 1,5%
    Portanto o tratamento com HQN só deixará de ser recomendável se o seu grau de eficácia for inferior a 1,5%!!
    Os estudos observacionais já realizados parecem indicar que a eficácia da HQN poderia chegar a ser inclusive superior a 50%!
    Esta breve análise parece indicar que, dado o alto grau de incerteza atual, a Hidroxicloroquina DEVE ser administrada a TODOS os pacientes com sintomas leves de COVID-19 que não tenham contraindicação para o tratamento com HQN.

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    1. Quero destacar que o mesmo raciocínio também se aplica a outros remédios que tem se mostrado eficazes em provas clinicas, como a Ivermectina.

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  36. Victor Piana de Andrade14 de junho de 2020 às 10:24

    Caro Dr. Luis,

    obrigado pelo seu texto. Trouxe reflexões novas pra mim, além de reforçar outras. A duração desta polêmica após a publicação da atividade in vitro não para de me surpreender e mostra nossa incapacidade de focar no que realmente importa, a evidência científica, conforme seu texto. Um aspecto que pra mim ajuda a explicar é a característica particular da infecção do coronavirus: Uma doença que em 85% dos pacientes evolui favoravelmente e em 15% tem alguma gravidade, com 6% de obito. Fosse ela uma doença com mortalidade de 50% a polemica não existiria, mas os 85% de evolução favorável sustentam o argumento que a droga funciona. 2 copos de agua gelada também funcionam, dente de alho também funcionam, se o sistema imune funcionar junto. 85% de chance de ter bons resultados com qualquer candidato. Muitos veem as coisas por este prisma. Os refinamentos do discurso de que a droga deve ser usada nas fases I e II da doença, onde tem replicação viral e não na fase inflamatória, escondem o fundamental: pra quem precisa de alguma droga, esta não ajuda. Esta pandemia expôs que muitos não suportam o medo do imponderável e como se afastm da ciência com facilidade. Vi colegas médicos usando 2, até 3 mascaras simultaneamente, outros dirigindo ao trabalho já paramentados, uso de luvas para proteger do contato com as superficies mas levando as luvas no nariz. Nosso meio é menos científico do que parece. Seu curso pode ser bem útil no pós pandemia se quisermos otimizar os recursos e salvar nosso sistema de saude. Obrigado.

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