Canais de Luis Correia

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Cirurgia Bariátrica: Qual o Nível de Evidência?



Publicado no último número do Journal of American Medical Association o primeiro ensaio clínico randomizado avaliando benefício da cirurgia de obesidade em adolescentes. Trata-se de um pequeno estudo, no qual 50 pacientes entre 14 - 18 anos e IMC médio de 42 kg/m2 foram randomizados para cirurgia endoscópica de bandagem gástrica ou mudança de hábitos de vida. Após dois anos, houve significativo benefício no desfecho primário, pré-definido como perda de peso: o grupo cirúrgico apresentou redução média de peso de 35 Kg, comparado a apenas 3 Kg no grupo controle. Diferença enorme.

O estudo não mostrou diferença entre os grupos quanto a redução de pressão arterial, parâmetros metabólicos, ou mesmo qualidade de vida. Porém estes eram objetivos secundários, sem tamanho amostral adequado para testar estas hipóteses.

Um resultado secundário que merece destaque é o fato de 33% dos pacientes cirúrgicos terem necessitado de nova cirurgia. Este dado gera dúvida em relação ao benefício líquido do procedimento.

Em resumo, a cirurgia reduz mais peso do que o tratamento convencional. Ponto. Peso é um desfecho substituto, não garante que há benefício em desfechos maiores, como incidência de eventos cardiovasculares ou morte. Porém já é um começo. É bom perceber que começam a surgir resultados de ensaios clínicos a respeito de cirurgia bariátrica, pois esta é uma lacuna da literatura médica.

Em adultos ou adolescentes, os ensaios clínicos se limitam a demonstrar perda de peso e benefício metabólico, mas não se sabe sobre impacto em desfechos mais definitivos.

Na prática clínica, todos nós conhecemos pacientes que experimentaram significativa perda de peso com a cirurgia bariátrica e ganho impressionante em qualidade de vida. Por outro lado, acho que todos nós lembramos de pelo menos um caso de paciente com obesidade mórbida que experimentou complicação grave no pós-operatório da cirurgia. Sobrevivendo o período de complicações, existe plausibilidade para redução de mortalidade, pois muitas das conseqüências negativas da obesidade revertem com a perda de peso. Por outro lado, ficamos imaginando as conseqüências nutricionais de longo prazo da cirurgia.

Por tudo isso, só ensaios clínicos randomizados e adequados para testar desfechos clínicos maiores serão capazes de definir a questão.

Por outro lado, ensaios clínicos já comprovam melhora da qualidade de vida de adultos. Essa é uma justificativa razoável para a indicação do procedimento na prática clínica, antes mesmo de demonstrado benefício em desfechos maiores. Justificativa razoável desde que o paciente tenha consciência de que o benefício que desfrutará em qualidade de vida pode estar associado a benefício clínico ou a malefício clínico. Não se sabe. A escolha deve levar em conta esta incerteza.

2 comentários:

  1. Outro post bastante interessante! Parabens!

    Sobre esse assunto lembro de ter discutido há algum tempo com uma endócrino e professora de bioestatística sobre um follow-up dos primeiros paciente a realizarem cirurgia bariátrica. Dessa discussão, uma coisa ficou gravada: embora a incidência de DM e doenças cardiovasculares tenha diminuido, aumentou-se a taxa de suicídio e acidentes de trânsito.
    Ou seja, em alguns casos não era a obesidade o centro da má qualidade de vida e, após a cirurgia bariátrica e a sub-sequente perda de peso, a pessoa pode se deparar com essa irrefutavel questão...
    Particularmente, vejo com cautela o alarde e a supervalorização dos benefícios metabólicos da cirurgia bariátrica, esquecendo-se do quão amplo é o conceito se "saúde" e que esses pacientes deve ter todas essas facetas de sua saúde abordadas antes de se submeter a tais procedimentos...

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  2. Diante das falta de ECRs , acredito que essas intervenções devem ser norteadas pelo princípio dá gravidade extrema. Infelizmente hoje se vê médicos recomendando a cirurgia para quem tem apenas graus médios e leves de sobrepeso.

    Dr, recomendo a leitura desse artigo (opinião) que saiu no NY Times ano passado.

    https://mobile.nytimes.com/2016/09/11/opinion/sunday/before-you-spend-26000-on-weight-loss-surgery-do-this.html

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