Canais de Luis Correia

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A Relação Médico - Indústria Farmacêutica

Não há dúvida da importância da indústria farmacêutica do desenvolvimento, avaliação e disponibilização de novos medicamentos. Parte da evolução médica e do financiamento de pesquisa em centros universitários se deve à indústria farmacêutica; devemos reconhecer este inestimável valor. Por outro lado, não parece saudável o tipo de relação que a indústria estabelece com os médicos. Neste ponto, a indústria exerce um papel que vai de encontro ao paradigma da medicina baseada em evidências.

A maioria dos médicos recebe presentes/vantagens da indústria, o que direta ou indiretamente influencia na prescrição médica. Artigo publicado no New England Journal of Medicine em 2007 mostra que 94% dos médicos americanos recebem algum tipo de incentivo da indústria, sendo cardiologia uma das especialidades em que este tipo de troca de favores está mais presente. Em segundo lugar, é patente que os argumentos da indústria a favor de seus medicamentos são enviesados e fogem em grande parte das vezes a uma análise científica correta. Porém há um certo tipo de ingenuidade ou conflito de interesse dos médicos, o que faz com que boa parte aceite alguns argumentos questionáveis da indústria. Por fim, existem os “formadores de opinião”, pagos pela indústria para emitir sua impressão a respeitos de condutas médicas. Em relação a esta questão, recomendo a leitura do artigo “Key opinion leaders: independent experts or drug representatives in disguise?” Há evidências de que a relação com a indústria enviesa a opinião do médico. Em 2009 foi publicado no American Heart Journal um trabalho mostrando que 35% dos médicos que tinham relação com indústria de stents apresentaram opinião crítica em relação ao estudo Courage (que foi desfavorável à angioplastia), comparado a apenas 15% de médicos clínicos sem relação com a indústria.

Hoje conheci um interessante Blog intitulado Campanha Alerta, cuja missão é discutir de forma crítica a influência negativa da indústria farmacêutica na comunidade médica. Recomendo a leitura do artigo que mostra o fundamento da missão daquele Blog, que é encabeçado por Dr. Guilherme Brauner Barcellos, diretor do Sindicato dos Médicos do RS. Parabéns pela iniciativa e qualidade das postagens.

Muitos justificam o íntimo vínculo da indústria farmacêutica pela necessidade de financiamento dos eventos de educação continuada. Em parte isso é uma justificativa. Porém vale salientar que há alternativas. Por exemplo, o I Congresso de Medicina Hospitalar, coordenado por Guilherme, foi um sucesso e não obteve financiamento da indústria farmacêutica ou de equipamentos. Com certeza, dá mais de trabalho, mas vale pela imparcialidade.

Acredito que a postura da indústria poderia ser melhor, porém isso em parte é justificado pela realidade do capitalismo. Por outro lado, não se justifica que os médicos permitam que seus pensamentos sejam manipulados pela indústria, cabendo a nós dar tom adequado à relação com a indústria. Ou seja, este tom deve ser gerido pelo paradigma da medicina baseada em evidências e sem conflitos de interesse. Nós é que temos de dominar a forma de relação.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Lecionei alguns anos ética e bioética e sempre abordei a promiscuidade da relação médicos/indústria farmacêutica. É bom saber que não estou sozinha!

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  2. Sou um profissional de uma industria farmaceutica multinacional há 17 anos e, particularmente, me orgulho disso, pois o que tenho assistido em todos esses anos, em nada fere os principios da ética profissional, ao contrario do que aqui se discute de forma generalizada (com relaçao a questão dos stents), de modo algum reflete a realidade da pesquisa/comercializaçao de medicamentos que literalmente salvam vidas e, isso sim, pode ser visto de forma abrangente.
    Infelizmente a maioria dos medicos não pode ter acesso a informação cientifica de qualidade (ex: congressos nacionais e/ou internacionais) pois é barrado por questões financeiras (o custo para atualização em nosso país é muito alto em contrapartida ao que o médico deixa de receber pelos dias parados na oportunidade de participar de tais eventos).Assim é o "propagandista" o profissional tecnico que executa essa missão.
    Enfim, todos os artigos que levo diariamente aos medicos, zelam pelas recomendações atuais da etica e evidencia (são estudos clinicos com metodologia adequada - randomizados, prospectivos, duplo-cegos ou não, publicados em revistas indexadas - que passam, portanto, pelo crivo das respectivas sociedade médicas antes da publicação). Temos sido vitimas de diversos ataques na imprensa escrita, televisiva, etc, sem possibilidade de defesa prévia. Por favor, para que se formule uma convicção correta é, no mínimo, adequado e ético, ouvir-se todas as partes envolvidas.
    Infelizmente o Estado não quer ou nao pode assumir esse papel, ela não dá aos pacientes (e eu me incluo entre eles) a proteção adequada em momentos de saude debilitada, enfim, precisamos da industria farmaceutica, dos propagandistas, dos medicos, enfermeiras (os)e demais colaboradoras da saude publica.
    Enfim, a decisão final sobre o que prescrever sempre é do medico, baseada em sua experiencia, conhecimento e em evidencias adequadas.
    Atenciosamente,
    Marco Aurélio

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  3. Parabéns pela iniciativa, sou totalmente contrário ao argumento colocado pelo colega acima da industria farmacêutica!! Atualmente temos inúmeras formas de atualização com baixo custo: revistas e artigos gratuitos, sites de guidelines internacionais, sociedades médicas que disponibilizam revistas científicas, centro de estudos de hospitais e clínicas, site do ministerio da saude do Brasil e de outros países. A atualização médica não é dependente da relação com a indústria farmacêutica, receber convites para jantar, viajens, etc.. Este tipo de relação é imoral e as dificuldades financeiras que alguns médicos passam não é justificativa para tal conduta. Vejamos outro exemplo: O ministro de determinada pasta federal, aceita carona em jatinho particular de uma empresa privado> está correto? É ético? A empresa não irá querer nada em troca??

    Reflitam!! Abraços

    Ronaldo Soares

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