Canais de Luis Correia

quarta-feira, 24 de março de 2010

Estudos de Não Inferioridade (por Júlio Braga)

Um estudo de não inferioridade é aquele que tenta demonstrar que, em relação a um desfecho específico, uma intervenção não é pior que outra já estabelecida. Para dizermos que não é pior, temos de determinar qual o limite de tolerância, até o qual podemos dizer que a intervenção é não inferior. Por exemplo, uma incidência de desfechos até 10 % maior que no grupo controle pode ser considerada não inferior: 11% vs 10% de reinfarto.

O limite desta tolerância não é constante entre os diferentes estudos, pois depende do tipo de desfecho avaliado e do que os autores consideram como aceitável. Podemos definir como “aceitável” 1% a mais de reinfarto mas não 1% a mais de óbitos. Este limite é determinado com um nível de significância estatística (valor de P) que estima se repetindo o estudo haveria 95% de chance da nova intervenção ser ser melhor ou até 1% pior. Esta tolerância com a possibilidade da nova intervenção ser ligeiramente pior se justifica quando há vantagens na utilização da nova intervenção: menos efeitos colaterais, maior facilidade na aplicação, menor custo, etc.

Porém, devemos ter uma visão crítica em relação à definição dos autores do que eles consideram não inferior. Por exemplo, no final do ano passado foi publicado o estudo Dabigatran versus Warfarin in the Treatment of Acute Venous Thromboembolism no New England Journal of Medicine. Este estudo pré-definiu o dabigatran (150mg de 12/12h) como não inferior à warfarin se a recorrência de tromboembolismo venoso e óbito associado fosse até 275% maior do que com warfarin. Ou seja, se a incidência de eventos com warfarin for de 2%, a incidência com dabigatran poderia ser de até 5,6% que seria considerado como não inferior.

A incidência foi desfechos combinados foi de 2,4% com dabigatran vs 2,1% com warfarin. O valor de P foi inferior a 0,001. Porém este valor de P foi calculado de acordo com os pressupostos acima. Se o pressuposto fosse de uma diferença menor, este valor de P seria menor. O intervalo de confiança a 95% da diferença absoluta na incidência de eventos entre os dois grupos foi de -0.8% a 1.5%. Ou seja, mesmo se a incidência de desfechos fosse de 3,6% com dabigatran vs 2,1% com warfarina, a primeira nova droga seria considerada não inferior. Essa diferença não seria muito grande?

Podemos considerar o dabigatran não-inferior? De acordo com os pressupostos para não inferioridade estabelecidos pelos autores, e estranhamente aceitos pelas comissões de ética em pesquisa, creio que não.
Texto escrito por Dr. Júlio Braga.

Um comentário:

  1. Só para esclarecer a ultima frase. Creio que não podemos aceitar a não inferioridade pelo fato do parametro predeterminado ser "inaceitável". E não se recomenda a mudança de parâmetros para reanalise de "não-inferioridade". Análise de superioridade pode até ser realizada mas, neste caso, teríamos um risco relativo de 1,1 (IC95% 0,66-1,85): estimativa risco pontual 10% maior com dabigatran porem com IC amplo, não permitindo conclusões quanto a superioridade.

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