Canais de Luis Correia

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Menopausa e Doença Cardiovascular: a queda de um paradigma?



Um pensamento coletivo bem consolidado é o da menopausa como fator de risco para doenças cardiovasculares. Teoricamente, as mulheres passam a apresentar maior risco cardiovascular após a menopausa, pois perdem o efeito protetor do estrógeno. Seria neste momento que o risco das mulheres se aproxima do risco dos homens.


Na semama passada, foi publicado no British Medical Journal um sofisticado estudo, que traz forte questionamento à idéia corrente a respeito do assunto. Mas antes de discutir esta nova evidência, vamos revisar quais evidências prévias sugerem que o status pós-menopáusico representa um fator de risco cardiovascular.


A idéia faz sentido e todos nós aprendemos desta forma. No entanto, devemos reconhecer que este conceito é embasado em um raciocínio fisiopatológico, sem comprovação epidemiológica. Pelo contrário: desde a década de 60, estudos compararam mortalidade por doença cardiovascular entre diferentes populações separadas por faixa etária e demonstraram que quanto maior a idade da população, maior o risco cardiovascular. Porém, na idade típica da menopausa (50 anos), não se observou um aumento adicional no risco além da influência do "envelhecimento". Ou seja, os estudos não demonstravam um ponto de inflexão que indicasse algo mudar no momento da menopausa.



No entanto, estes estudos eram limitados por seu desenho. Eram estudos transversais, realizados em diferentes amostras de pacientes, de faixas etárias diferentes. Estas amostras de faixas etárias diferentes eram comparadas, mostrando maior mortalidade por doença cardiovascular nas amostras de idade mais avançada. Porém o ideal seria acompanhar prospectivamente os mesmos pacientes, demonstrando o efeito do tempo na ocorrências dos desfechos. Isto ainda não havia sido publicado, até a semana passada.


Desta forma, no último número do British Medical Journal, foi publicado o trabalho Ageing, menopause, and ischaemic heart disease mortality in England, Wales, and the United States, pelo grupo da Universidade de Johns Hopkins. Estas análises foram realizadas em bases de dados censitárias destes países, as quais acompanham a mesma população ao longo do tempo.  Utilizando estes dados, a mortalidade por doença isquêmica do coração foi registrada ao longo do tempo, na mesma população. De fato, esta mortalidade vai aumentando com o progredir do tempo, ou seja, com o envelhecimento da população. Porém não houve nenhum incremento desta mortalidade na faixa etária típica da menopausa. Ou seja, o aumento de risco ao longo do tempo é constante, aparentemente o efeito é apenas da idade. Não há ponto de inflexão.


Isto é importante, pois a principal diferença entre mulheres menopausadas e não menopausadas é exatamente a idade. Desta forma, as primeiras podem ter risco cardiovascular aumentado somente (ou principalmente) por isso, sem grande influência dos hormônios propriamente ditos. Neste caso, idade seria uma variável de confusão na associação entre menopausa e risco.


Faz sentido, não?

Em contraste, quando mortalidade por câncer de mama foi analisada, observou-se uma queda específica do risco após a menopausa. Ou seja, no caso do câncer de mama, o estudo detectou o efeito de fatores além da idade, provavelmente fatores hormonais. 

Mas se não há associação entre menopausa e risco, por que o risco da mulher tende a se igualar ao do homem em torno deste momento? O estudo também responde isto. Enquanto a mulher cresce de forma uniforme o risco de infarto com o passar da idade, o homem tem uma aceleração inicial e na quinta década há uma certa desaceleração no crescimento de seu risco, o que os aproxima das mulheres.

Esta evidência vai ao encontro dos ensaios clínicos que mostram que terapia de reposição hormonal não reduz risco cardiovascular. Dentre os critérios de causalidade, este seria um dos principais: reversibilidade. Ou seja, ao retirar (ou tratar) o fator,  a consequência desaparece. Por exemplo, ao tratar colesterol, infarto reduz sua incidência. Ao tratar  hipertensão, AVC reduz. Por outro lado, ao tratar a queda de hormônio típica da menopausa, o risco não diminui. Por que? Provavelmente porque não é a menopausa que aumenta o risco da paciente. É a sua idade e os fatores de risco clássicos que acompanham o envelhecimento. Agora fica melhor explicado porque terapia de reposição hormonal não tem benefício cardiovascular.

A idéia aqui discutida parece nova, mas na verdade não é. Em 1997, em artigo de revisão publicado no Circulation (Sex Differences in Coronary Heart Disease), Elizabeth Barrett-Connor afirmava “the universal excess risk of CHD in men noted above, coupled with the apparent loss of the female advantage in women who had an early menopause, led to the hypothesis that endogenous estrogen is cardioprotective. Proof of this hypothesis has been surprisingly elusive.”
Dizem que paradigmas ou verdades científicas mudam a toda hora. Penso diferente. Mudam aquelas idéias que na realidade nunca foram paradigmas, pois eram só idéias sem comprovação científica.

Quando vejo estas idéias sendo derrubadas, lembro-me da história dos Três Porquinhos. O porquinho que construía rapidamente sua casa, de forma precipitada, sem muita base (casa de palha), sempre se dava mal. Nossos argumentos, nossas idéias, nossas verdades devem se construir com base em fortes alicerces, ou seja, evidências de alta qualidade. Senão, algum dia, mais cedo ou mais tarde, o sopro do lobo será capaz de derrubar o idéia, que nunca foi um paradigma verdadeiro.

7 comentários:

  1. A comparação com os três porquinhos se encaixou perfeitamente

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  2. Um dos problemas ao se interpretar a literatura científica é justamente o que erroneamente se toma como verdade ou paradigma. É onde o leitor precisa ser mais crítico e raciocinar à luz das evidências.

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  3. Interessante estudo e mais ainda seus comentários Luis Claudio, parabéns. Mais uma vez você nos mostra brilhantemente a importância de nos aproximarmos dos fundamentos da MBE, principalmente do conceito de VERACIDADE da informação científica, antes de assumi-la como uma VERDADE INCONTESTÁVEL.

    Márcia Cristina - Recife

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  4. Excelente contribuição! Parabéns!
    RD

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  5. Luís,

    Você certamente se deleitaria em ler um artigo do Lancet de 1998 de Tunstall-Pedoe sobre o mito da menopausa e a doença coronariana. Segue a referência:
    Lancet 1998; 351: 1425-27

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