Canais de Luis Correia

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Ensaio sobre a Cegueira



Embora a visão seja um atributo essencial à percepção da realidade, a cegueira exerce importante função científica e clínica. Função científica, como parte da metodologia de trabalhos científicos. Função clínica, na medida em que o pensamento diagnóstico deve levar em conta certas variáveis, porém deve fazê-lo de forma cega em relação a outras variáveis confundidoras. Explicaremos nesta postagem o valor clínico da cegueira, o qual é em geral pouco compreendido.

Um dos mais influentes pensadores, Immanuel Kant (século XVIII), nos trouxe a perspectiva de que a imagem que construímos do mundo a nossa volta não se baseia apenas no que existe, mas também do que nós criamos mentalmente. Ou seja, nossa percepção da realidade resulta da interação entre visão e mente. E quando falo em visão, me refiro aos sentidos em geral.

Realidade = sentidos + mente.

A neurociência confirma a visão de Kant, demonstrando cientificamente que os sentidos não são suficientes para construir uma noção completa da realidade. Portanto, faz-se necessário que ações mentais completem as lacunas deixadas pelos sentidos. Este é um processo mental necessário, porém esta dependência da mente na construção da realidade torna subjetiva a percepção desta mesma realidade, nos sujeitando a armadilhas de nosso inconsciente. Estas armadilhas surgem quando interpretamos nossos sentidos com base em pré-conceitos da realidade.


O Raciocínio Clínico

Analisemos o raciocínio diagnóstico. Este é feito com base em um conjunto de informações que devem se somar, nos convencendo de que o paciente é portador de uma dada condição clínica. Neste caso, para que uma nova informação tenha valor incremental à informação prévia, estas duas devem ter caráter independente.

Por exemplo, eu posso desconfiar (suspeita diagnóstica) que um indivíduo está com um quadro de insuficiência cardíaca com base da história clínica (primeira informação). Em seguida, este paciente é examinado e ausculta-se uma terceira bulha (segunda informação). A informação da presença da terceira bulha deve incrementar nossa desconfiança de que o paciente tem insuficiência cardíaca. No entanto, percebam que a terceira bulha só vai incrementar a suspeita de insuficiência cardíaca, se esta segunda informação for obtida de forma independente da primeira. Do contrario, ela é redundante, não incrementa.

Informações obtidas de forma independente possuem caráter incremental muito mais forte do que informação obtidas de forma dependente. Se a ausculta da terceira bulha é realizada com o conhecimento de uma forte suspeita de insuficiência cardíaca, a dependência das duas informações fazem da terceira bulha um informação redundante à primeira. Ou seja, corremos o risco de não estar confirmando a suspeita, apenas repetindo o mesmo conceito prévio, de forma não incremental. 

Esta é a diferença entre informação redundante e informação incremental.

Faz sentido, não?

Mas por que auscultar o paciente sob conhecimento da suspeita de insuficiência cardíaca torna a terceira bulha redundante? A resposta está em nosso inconsciente. Observem que ausculta é algo muito subjetivo, mais ainda no paciente taquicárdico. Ao crer que um paciente tem insuficiência cardíaca, nossa percepção da presença da terceira bulha fica fortemente influenciada. E é impossível controlar a ação do inconsciente. 

O exemplo da terceira bulha é uma forma de mostrar a influência de uma informação prévia na leitura de uma nova informação. No entanto, na prática clínica é difícil dissociar a história do exame físico, pois ambas são feitas pela mesma pessoa. Nos resta fazer um esforço consciente para auscultar tentando não se impressionar pela história clínica.

Uma provocação reflexiva é se não deveríamos fazer o exame físico antes da história clínica (se isso for socialmente possível). Pois o exame provém dos nossos sentidos, enquanto a história é o relato do paciente. Portanto o exame físico é mais influenciado por nosso inconsciente do que a história clínica. 

Por outro lado, o que aqui discutimos tem bastante aplicação na leitura de exames complementares, pois estes são usualmente realizados por médico diferente do clínico do paciente, sendo possível que a leitura do exame seja cega. Quando o exame complementar é lido sem o preconceito gerado pela noção do quadro clínico, seu valor incremental se torna otimizado.


O Erro Histórico

A despeito da lógica apresentada no raciocínio acima, historicamente os médicos foram treinados a considerar o quadro clínico na leitura dos exames. É isso que chamo de erro histórico do treinamento médico, o qual provoca heurísticas na interpretação clínica, tornando-a menos acurada.

Erradamente, os médicos pensam que devem saber o quadro clínico do paciente antes de ler um exame de imagem, por exemplo. Pensam que isso aumenta a probabilidade de acerto. Mas o que aumenta é a probabilidade do exame concordar com a suspeita clínica, o tornando redundante. Assim, o exame fica mais como um algo confirmatório de uma suspeita, que pode estar certa ou errada.

Com isso não estou dizendo que a clínica não é importante, nem muito menos negando a tradicional frase “a clínica é soberana”. Mas a clínica deve ter uma função diferente da situação descrita acima. A falta desta percepção provoca o tal erro histórico. Vamos então esclarecer como a clínica deve ser utilizada.

Em primeiro lugar, o valor da clínica está em apresentar ao médico realizador do exame o conhecimento do motivo de sua realização. Ao ler uma tomografia de abdômen, é útil que o radiologista saiba que o objetivo do exame é pesquisar dor abdominal aguda, pois ele vai olhar o apêndice e vesícula de forma atenta, em meio a todas as estruturas abdominais. No entanto, ele não deve saber a probabilidade clínica de apendicite: baixa, média ou alta. Pois se ele souber que é uma alta probabilidade, tenderá a descrever como espessado apêndices que em outras circunstâncias nem chamariam a atenção.

Percebam a diferença entre saber o motivo do exame versus saber a probabilidade pré-teste do diagnóstico. Não podemos confundir os dois.

Um bom exemplo são os exames não invasivos de pesquisa de isquemia miocárdica. Digamos, cintilografia miocárdica. Ao receber um paciente para estudo da perfusão miocárdica, já está implícito o motivo do exame, claro que é pesquisa de doença coronária. Daí o médico não precisa saber mais nada, do contrário ele tenderá a ver isquemia nas subjetivas imagens cintilográficas de pacientes cuja suspeita é forte ou desconsiderar certos achados em pacientes com fraca suspeita. Percebam que neste caso o exame perde valor incremental, se aproximando de uma postura redundante em relação ao quadro clínico. No entanto, é comum que o médico, antes de interpretar a imagem, procure saber se o paciente tem dor típica e observe cuidadosamente o eletrocardiograma de esforço do paciente. Este equívoco mutila em grande parte o valor da imagem, cuja interpretação passa ser influenciada por informações de menor acurácia, como sintomas e teste ergométrico. Principalmente quando as imagens tem caráter intermediário, o que é muito comum.

Correto é o médico interpretar a imagem evitando informações prévias que gerem preconceito mental. Evitando a influência do inconsciente.

E onde fica o quadro clínico então, desprezado? De jeito nenhum, pois no raciocínio probabilístico (já muito comentado neste Blog), o médico do paciente fará o cálculo da probabilidade de doença, com base na probabilidade pré-teste e no resultado do teste. Isso é o raciocínio Bayesiano, o qual pressupõe que as duas informações tenham caráter independente.

Desta forma, a segunda utilidade do quadro clínico está no cálculo da probabilidade pré-teste, que cabe ao médico do paciente.  De fato, a clínica é muito importante.

Assim, há duas funções do quadro clínico. 

Em primeiro lugar, o médico operador deve saber o objetivo da solicitação, quando se trata de um exame que avalia múltiplas variáveis, como o ecocardiograma, por exemplo. Neste caso, a técnica correta é realizar o exame inicialmente cego e após ter criado sua imagem mental da realidade do paciente, procurar saber o motivo do exame. Isto para confirmar se ele deu devida atenção às valvas quando a suspeita for endocardite; ou se ele olhou direito o septo interventricular quando a suspeita for CIV. 

Em segundo lugar, o médico que receber o resultado do exame deve fazer o raciocínio probabilístico, o qual considera do quadro clínico (probabilidade pré-teste). 

Desta forma, fica clara a importância da clínica, a qual não deve ser confundida com permissividade da influência do inconsciente na leitura de uma informação. Para evitar a força do inconsciente, devemos utilizar da cegueira.


Por que Pensamos Errado ?

Devemos analisar os motivos que distanciam o pensamento médico do valor da cegueira. Estes motivos também residem em nosso inconsciente.

Como já comentado em nossa última postagem, nossa mente tem um tropismo especial por informações positivas. Nos sentimos melhores médicos quando damos um laudo positivo. Este tropismo ocorre em detrimento da importância de laudos negativos. Lembremos que um exame acurado deve ter duas propriedades, sensibilidade (encontrar os doentes) e especificidade (encontrar os saudáveis). Em nossa mente, prevalece o valor da sensibilidade sobre a especificidade. Não queremos que nenhum achado passe desapercebido por nossos experientes olhos, enquanto nos preocupamos menos com as consequências de uma falsa afirmação. Desta forma, o ecocardiografista quer saber se o paciente tem alta probabilidade clínica de TEP, pois assim seu exame será mais capaz de encontrar uma mínima dilatação do ventrículo direito (verdadeira?); o ecocardiografista quer saber se o paciente teve um infarto, para que nenhuma alteração segmentar deixe de ser descrita, mesmo hipocinesias discretas (verdadeiras?). Aqui uso exemplos de ecocardiografia, não por achar que esta especialidade é mais equivocada do que as demais, mas porque faço este exame em minha prática clínica, tornando mais fácil achar exemplos. Porém enfatizo que isso não é um fenômeno limitado à ecocardiografia. É geral.

Além do tropismo pelo positivo, quando o laudo de um exame concorda com a pensamento do clínico, ficamos todos de acordo e isto é agradável. A hipótese diagnóstica foi confirmada, parece que tudo faz sentido. O médico que realiza o exame fica como um ótimo médico aos olhos do clínico que suspeitou da doença, pois é agradável ter sua inteligente hipótese confirmada. Sinto nitidamente a decepção na expressão do intensivista quando digo que não há sinais de embolia pulmonar no ecocardiograma. 

É muito interessante e peculiar como o pensamento médico é influenciado por nossas emoções. Neste momento entra um novo fator, a paixão pelo diagnóstico.


A Paixão pela Hipótese Diagnóstica

Nós médicos, intrinsecamente vaidosos, nos apaixonamos por nossas hipóteses diagnósticas. Isto provoca o fenômeno de ancoragem, predispondo a mais heurísticas. 

Ocorre da seguinte forma: ao fazer uma hipótese diagnóstica, buscarei de forma apaixonada (paixão carece de razão) fatos que confirmem minha hipótese e inconscientemente darei menos importância a fatos que falem contra esta hipótese. Mais uma vez, a valorização do positivo em detrimento do negativo.

Vejam como acontece. De forma aparentemente perspicaz, faço a suspeita original de que a dispnéia é por embolia pulmonar. A partir daí vou procurar dados que confirmem minha ideia. Vejo uma subjetiva oligoemia no Rx de tórax. Embora este seja um dado de baixa acurácia, supervalorizo a informação, desconsidero os dados negativos e passo a considerar o caso como provável embolia pulmonar. Chamo o ecocardiografista e digo a ele o que estou pensando. Este não encontra hipertensão pulmonar, nem disfunção de ventrículo direito, mas fica na dúvida se este ventrículo está discretamente dilatado. Considerando minha forte suspeita, ele prefere relatar a leve dilatação, praticamente confirmando minha inteligente hipótese de embolia pulmonar. Fico feliz em estar no caminho certo e solicito uma angiotomografia, que vem negativa. O paciente idoso terminou em uso de contraste, desnecessário, pois caso todos os dados (positivos e negativos) fossem considerados (escore de Wells, por exemplo) veríamos que seria baixa a probabilidade de embolia. 

Observem que a falta de cegamento, nos fez encontrar certos dados (oligoemia, dilatação discreta do ventrículo direito) que provavelmente não seriam descritos na ausência de um pensamento preconceituoso. A paixão pelo diagnóstico nos torna tendenciosos, a cegueira nos torna isentos.

Repito assim a frase acima: é muito interessante e peculiar como o pensamento médico é influenciado por nossas emoções. 

Desta forma, o fenômeno de ancoragem ocorre quando nós procuramos dados para ancorar nossa crença diagnóstica. Isto é muito comum. Mesmo quando é impossível a cegueira completa, devemos tentar evitar esse fenômeno.



O Pensamento Estatístico

Estatisticamente, informações para serem complementares precisam ser independentes. Por este motivo, um escore diagnóstico ou prognóstico deve ser criado apenas por variáveis que tenham associação com o desfecho, independente das outras co-variáveis. Apenas os preditores independentes na análise multivariada devem fazer parte de um modelo probabilístico (escore), do contrário as variáveis do modelo serão redundantes e não incrementais. Percebam como a estatística nos ajuda a entender a importância da cegueira na avaliação de dados diagnósticos incrementais.

Erro Tipo I versus Erro Tipo II

O equívoco de priorizar sensibilidade ao invés de especificidade se torna mais claro quando percebemos que o erro de afirmar algo falso (“mentir”) tende a ser pior do que deixar de afirmar uma verdade (“omitir”). Ao afirmar algo falso, umas cascata de consequências toma parte da realidade; por outro lado, omitir uma verdade não gera grandes consequências, as condutas permanecem como estão. Salvo em situações de extrema gravidade onde a omissão é grave (nessas situações o quadro clínico é geralmente exuberante), na maioria das vezes o falso positivo é pior do que um falso negativo. Além disso, na presença de uma alta probabilidade pré-teste, um exame negativo não afastaria a doença, pois o médico de raciocínio Bayesiano pediria um segundo teste.

Estatisticamente, o parágrafo acima guarda relação com os erros aleatórios. Voltando à estatística, toleramos muito menos o erro tipo I, do que o erro tipo II. Em ciência, aceitamos um probabilidade de apenas 5% em afirmar uma falsa associação devido ao acaso (erro tipo I), enquanto aceitamos um probabilidade de 20% em não encontrar uma associação verdadeira pela falta de poder estatístico (erro tipo II). Essa diferença de tolerância reforça o quando mais grave é o falso positivo em relação ao falso negativo.


O Pensamento Médico

Esta apologia à cegueira pode causar estranheza a alguns. Isso decorre de omissões históricas na formação do médico, o qual não é treinado para evitar heurísticas e vieses em seu pensamento. Medicina parece ser interpretada como uma profissão cujo talento é suficiente, nos deixando a mercê de nossa intuição no aprendizado da maneira de pensar. Devemos discutir e aprimorar as técnicas de pensamento, isso vai muito além do talento. Dizem que um músico de técnica refinada e muitas horas de treinamento é melhor do que um músico talentoso com poucas horas de treinamento. Precisamos aprender e treinar a correta forma de pensamento médico.

O estudo do pensamento médico é parte essencial da medicina baseada em evidências, pois sem saber pensar é impossível aplicar corretamente as evidências científicas. Os exemplos clínicos discutidos nessa postagem devem ser norteados pelo pensamento diagnóstico Bayesiano, que requer evidências científicas de acurácia dos métodos, modelos de probabilidade pré-teste validados por artigos científicos e finalmente a noção de que as partes integrantes desse raciocínio devem ser adquiridas de forma independente. Sem o correto pensamento médico é impossível aplicar estas evidências científicas da forma certa, o que faria desaparecer a medicina baseada em evidências.

Portanto não basta interpretar criticamente evidências científicas de forma crítica. É necessário saber aplicar as evidências de qualidade, nessa hora entra o julgamento clínico. Porém o julgamento clínico deve ser feito de forma científica, correta, pensada. Por este motivo, o estudo do pensamento médico é parte integrante da medicina baseada em evidências.

A importância da cegueira tem sido negligenciada na prática clínica. Este é apenas um dos exemplos de necessidade de evolução do pensamento médico. A evolução da medicina no presente século não dependerá tanto de tecnologia, dependerá muito mais do aprimoramento da forma de pensar.

Saber olhar quando devemos ver ou desviar o olhar quando devemos nos cegar faz parte da vida cotidiana e deve ser parte integrante da técnica do pensar médico. O bom olho clínico é o que sabe se fechar ou se abrir nos momentos certos.

14 comentários:

  1. Gostei do post.
    "Somos cegos a nossa própria cegueira."
    -Daniel Kahneman

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  2. Já fazia algum tempo que não via seu blog mas me deparo novamente com conflitos contínuos na forma de pensar. Não discordo inteiramente de sua opinião mas não a vejo tão absoluta e determinista como coloca. Embora você discorra sobre a cegueira construtiva em relação ao diagnóstico, acredito que como o trabalho de um detetive, o médico deve juntar dados a favor de sua hipótese e o treino não se faz às cegas e sim com a correção contínua do olhar enviesado que é teoricamente diferente do que vc pontuou. Posso ver um dado favorável mas não posso me deixar influenciar ou “encantar com o que reluz”, isso mostra uma inexperiência e uma imaturidade profissional. Acredito sim que só médicos arrogantes se deixam levar pela vaidade de um diagnóstico fantástico. A construção de um raciocínio diagnóstico ou o treino como vc denomina deve levar sempre em conta a possibilidade do erro, da confusão e não apenas o estreitamento visual. A experiência pessoal do médico faz diferença também no seu exercício profissional. É difícil mensurar isso mas atenção tem sido dada a esse contexto, sem fantasias, sem querer ter uma visão”rosada” da medicina. Leia a respeito em N Engl J Med 2013; 368:1565-1567 e N Engl J Med 2007; 356:387-39

    “competence in medicine as “the habitual and judicious use of communication, knowledge, technical skills, clinical reasoning, emotions, values, and reflection in daily practice for the benefit of the individuals and communities being served.” N Engl J Med 2007
    “Experts are able to make rapid, context based judgments in ambiguous real-life situations and have sufficient awareness of their own cognitive processes to articulate and explain how they recognize situations in which deliberation is essential.” N Engl J Med 2007
    Além do mais, o ideal seria um músico talentoso com treinamento assíduo, não vamos considerar apenas por baixo, não são excludentes. O conhecimento e o aprimoramento são construções de uma vida. O talento só não basta, o treinamento nem sempre substitui o talento, num espectro de avaliação devemos ser pragmáticos em treinar indivíduos para ser médicos mas as habilidades pessoais não devem ser menosprezadas... O paciente não “pertence” ao médico assistente. O diagnóstico muitas vezes é realizado com várias cabeças pensantes, multidisciplinar, então...
    Quanto à aceitação frequente do falso-negativo, o que me diz de um falso-negativo para câncer? Será tão facilmente perdoado ou melhor do que um falso positivo? E olha que nem sempre a clínica é soberana e o retardo de um diagnóstico muda radicalmente o prognóstico! E o falso-positivo no mesmo caso, será emocionalmente tão bem resolvido? Perguntas difíceis de responder pelo método Bayesiano.
    A paixão é cega e nem por isso é sensata...

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    1. Ja vi muito falso positivo pra câncer matar paciente no pos operatório de cirurgia desnecessária...

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  3. Colega, obrigado pelos bons comentário. Os deixarei como contraponto.

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  4. Parabéns Luís, muito bom o post.
    Aguinaldo

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  5. Caro Luís, agradeço mais uma vez a generosidade de partilhar connosco o seu interessante pensamento.

    Gostava de ouvir o seu comentário sobre a diferença entre os estudos científicos e o ato médico diagnóstico: o facto de aceitarmos o erro tipo 2 com uma probabilidade de 20% de forma uniforme em todos os estudos científicos quando em medicina, dependendo do contexto clínico, esse valor é inaceitável (oncologia por exemplo).
    A minha pergunta é: em estudos científicos cujo resultado é a mudança da prática médica, o poder estatístico aceitável não deveria ser superior a 80%?

    Um abraço,

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  6. Certa vez, há uns 9 anos, ainda aluno de semiologia perguntei um fantástico radiologista, nosso professor, se não havia risco de informações tão completas no pedido de exames causarem laudos enviesados. Não preciso nem dizer o quanto a hipótese do aluno foi reduzida a pó.

    Fico satisfeito demais em saber que não era um episódio de estudante 'metido a médico'.

    O que o Dr. escreveu faz parte do dia a dia de diversos profissionais, principalmente no serviço privado dito 'de ponta'.

    Trabalho num grande hospital em que canso de ver o Radiologista laudando 'apendalgites', espessamentos de alça sem significado real, 'mínimo' líquido na cavidade, entre outros. Isso para corroborar com o caso clínico insistentemente questionado. Claro que o problema nesse caso também é a solicitação indevida, que é feita pois os médicos são escravos de um sistema em que o paciente está decidindo quais exames quer e o médico não tem coragem de não pedir, por defesa própria e para defender o hospital (que por sua vez pressiona o médico). Porém lendo o que escreveu parecia que estava havendo uma descrição do que ocorre diariamente.

    A Medicina não é nada fácil, mas parece que muitos querem que seja ainda bem mais complicada.

    Parabéns pelo texto, que venham mais !

    Abraços
    Luis

    PS: Infelizmente perdi sua palestra no EndoCardio, porém ainda espero vê-lo em outras oportunidades. Já fiquei sabendo das ótimas polêmicas.

    PPS: Ainda bem que não falou nada sobre O Rei que Estava Nu, pois aí sim cadeiras iriam voar... =D

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  7. ACHEI POR ACASO, LI, GOSTEI DOS ARGUMENTOS!! SENSACIONAL.

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  8. O texto é ótimo!
    Um bom assunto para sequência desse seria a necessidade de realizar um exame para confirmação diagnóstica, dada a probabilidade pré-teste e a acuraria do exame.

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  9. I

    Prezado Doutor,

    Gostaria inicialmente de parabenizar pela qualidade do Blog. No entanto, tem algumas situações neste tópico em específico, que gostaria de comentar.
    Inicialmente, com relação ao diagnóstico médico, o ponto de vista colocado encaixa-se perfeitamente em apenas uma forma de diagnóstico, a “avaliação clínica completa”, que é classicamente a do estudante de medicina, onde é realizada uma história bastante detalhada, com interrogação sobre os diversos aparelhos, história pessoal e familiar, além de avaliação clínica igualmente extensa e completa. Dessa forma, são obtidas de fato dezenas de informações, de igual peso (já que um estudante teoricamente ainda não aprendeu a diferenciar os sinais e sintomas mais importantes), não devendo, portanto, cada uma delas isoladamente, influenciar profundamente no diagnóstico.
    Porém, embora não excludente, esta não é a forma normalmente escolhida na clínica diária, onde utiliza-se outra técnica, a estratégia “hipotético-dedutiva”: a partir de uma queixa ou poucas queixas, busca-se um diagnóstico. Por exemplo: “paciente com dispnéia e dor torácica”, já imaginamos um leque reduzido de diagnósticos e buscamos outros sinais e sintomas a partir daí.
    Seria altamente paradigmático se a partir desta queixa, já imaginando hipóteses e buscando sinais e sintomas específicos, devêssemos fingir que não sabíamos de nada sobre a história ou mesmo apenas tentar “desconsiderar” a informação prévia.
    Então, parece mais lógico considerar, sim, e definitivamente buscar, sim, os sinais e sintomas que esperamos encontrar e dar a devida atenção a eles.

    Se o resultado encontrado (digamos positividade ou negatividade) tem auxílio na confirmação do diagnóstico (ou na exclusão deste), então podemos dizer que ele tem boa validade.
    Acredito que seja esta a chave da questão. Se terceira bulha cardíaca é tão fácil de se encontrar, a ponto de dever ser desconsiderada, então este teste não tem boa validade. Neste caso, por baixa especificidade (muitos indivíduos sem a patologia testada têm tal sinal). Esta é a única justifica para um resultado positivo poder ser desconsiderado.

    Compreendo que seu ponto vai além disso. Você insinuou, ou pelo menos entendi assim, que alguém pode “ouvir” o som, durante o exame, sem ter de fato “ouvido” (auscultado, se preferir), por influência subconsciente.
    No entanto, aí já entra uma outra questão, que é a reprodutibilidade de resultados. Neste caso, este teste continua não sendo bom, por não ser reprodutível, ou seja, dois indivíduos diferentes (ou um mesmo indivíduo, em tempos diferentes, conforme supracitado) chegando a resultados contraditórios em medições repetidas.
    Quanto mais discordantes os resultados, após repetições, menor a reprodutibilidade. Testes que não tenham boa reprodutibilidade não têm valor em medicina.
    Numa outra forma de abordagem, chamaria isto de “valorização equivocada de sinais e sintomas”, que é um problema médico clássico, sendo um dos que mais causam a chamada “discordância diagnóstica”, ou seja, dois clínicos chegarem a diagnósticos diferentes a partir da mesma fonte de dados (paciente e exames subsidiários).
    Como escapar disto? Bem, escolhendo os testes mais válidos e reprodutíveis, para chegar ao diagnóstico inicialmente suposto, ou excluí-lo. Neste exemplo, testes de melhor valor que terceira bulha cardíaca.
    No entanto, poderia haver uma contra-argumentação: “Ei, mas terceira bulha é sim indicativo de ICC. Faz diagnóstico!!!”. Bem, estas informações seriam conflitantes, não fosse por um detalhe. Felizmente, outros colegas passaram por estes problemas antes de nós e sugeriram uma possível solução, que é a categorização de respostas ao teste.

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  10. II


    Então, como melhorar a validade e a reprodutibilidade de um teste (eg terceira bulha para ICC)? Os médicos fazem isto classificando possíveis respostas em diferentes categorias. Um exemplo é o sistema de cruzes. A validade de um sopro, ou bulha, ou edema, ou hiperemia, ou qualquer outra coisa “uma cruz em quatro”, é diferente da validade do mesmo sinal “quatro cruzes em quatro”, bem como sua reprodutibilidade. Não sendo clínico, não vou me atrever a me aprofundar nas classificações de sinais cardiológicos, mas supondo que esta bulha possa ser classificada em, digamos, quatro cruzes diferentes, seria de se esperar poder confundir “ausência de som” com “ausculta uma cruz”, porém provavelmente ninguém confundiria “ausência de som” com “ausculta quatro cruzes”.
    Onde estou querendo chegar? No fato que que a influência subconsciente pode induzir a confundir ausência de som com uma bulha uma cruz, porém jamais quatro cruzes. Entender que um mesmo sinal pode ter significados diferentes conforme resposta com categorias diferentes, baseia-se na compreensão da existência de variações da normalidade e com possibilidades de falsos positivos ou negativos. Uma bulha uma cruz tem uma chance de indicar um falso positivo muito maior que uma bulha quatro cruzes.
    Conclusão: uma bulha “forte” não deveria ser ignorada, mesmo se você a tiver procurado ativamente, utilizando a estratégia hipotético-dedutiva. Por outro lado, uma bulha “fraca”, talvez fosse “procusteada”, tanto se você soubesse da história como se não soubesse. Assim, desconhecer a história ou fingir ignorá-la não ajuda em nada. Pelo contrário, atrapalharia seu diagnóstico, por não te ajudar a buscar os testes mais válidos.

    Tem um outro assunto que eu gostaria de comentar, que é o encadeamento de testes.
    Se, por exemplo, em um serviço de urgência específico, um levantamento indica que nos últimos 10 anos um terço dos pacientes atendidos com queixa “tosse e febre” tinham diagnóstico de pneumonia. Bem, neste mesmo serviço, se um paciente nos procura nas mesmas condições, podemos supor que a probabilidade de ele ter pneumonia é de 1/3.
    Por outro lado, se no mesmo serviço, pacientes com crepitação (apenas crepitação, este sinal isolado) têm uma chance de estar com pneumonia de 80% e examinamos-o e notamos que ele tem crepitação, bem, a probabilidade de ele ter pneumonia é 80%. Mas se ele tem tosse, febre E crepitação, a chance não é necessariamente 86,6% (0,8 + 0,33x0,2), porque se referem à mesma fisiopatologia. Ou seja, a probabilidade continua sendo 0,8. Assim, chegamos à conclusão de que quando sinais e sintomas são redundantes com relação ao diagnóstico, devemos escolher os mais válidos. Nesse exemplo específico, a crepitação.
    Bem, porque eu falei isto? Porque exames laboratoriais já entram em outra questão, que tem a ver com valores preditivos positivo e negativo.
    Sensibilidade e especificidade são imutáveis, porém os valor es preditivos dependem da frequência de positivos na amostra (prevalência). A velamento no RX em uma população normal (eg, screening, com frequência de pneumonia digamos, 1%) com certeza é menor do que numa população de indivíduos com crepitação (frequência de pneumonia 80%) e isto deveria ser considerado na interpretação do exame, porque obviamente muda os valores preditivos.
    É muito mais prudente descartar um velamento no RX em exames de screening do que em exames de pacientes com crepitação. A probabilidade de erro do tipo II aumenta bastante neste segundo grupo.
    Assim, acredito que exames laboratoriais também devem ser avaliados considerando o quadro clínico, justamente por aumentar a probabilidade pré-teste (prevalência).
    Agradeço pela atenção e novamente, parabenizo pelos artigos de excelente qualidade.

    Saudações,

    Abenor

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  11. Reflexão de grande utilidade, professor, em ambulatórios e consultas já presenciei a mencionada paixão pelo diagnóstico, aliada à insistência em analisar sinais clínicos de modo dependente. Acredito que essa forma de pensamento vigente no ensino médico se baseie no ímpeto pelo diagnóstico, usando de uma medicina que se aproxima da baseada em certeza. Concluo que a cegueira é mais um recurso de humildade no raciocínio clínico, sendo que sua melhor definição não é "ausência de luz" ou "ausência de conhecimento", mas sim um foco maior na singularidade de cada fator preditor, no seu real significado clínico. É se blindar de um "feixe intenso de luz" de pensamentos a respeito de variáveis que são percebidas em sistemas biológicos complexos. A cegueira nada mais é do que um bom filtro, e é necessário certo grau dela para enxergar certas coisas.

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