Canais de Luis Correia

domingo, 21 de julho de 2013

LOOK AHEAD



Recentemente, foi publicado no New England Journal of Medicine o estudo LOOK-AHEAD, o qual demonstrou ausência de benefício clínico de intervenção intensa com  exercício físico e dieta para perda de peso em pacientes diabéticos. Será que é verdade?

Citamos este estudo na polêmica postagem O Politicamente Correto e as Recomendações de Hábitos de Vida. Naquele momento, o resultado do LOOK-AHEAD estava anunciado, porém o artigo não havia sido publicado na íntegra. Agora podemos fazer a avaliação deste trabalho, sendo uma boa oportunidade para discutir como analisar veracidade de estudos negativos.

O resultado do LOOK-AHEAD vai de encontro a uma forte crença: intervenção com exercício e dieta para perda de peso trazem benefício clínico. Esta crença é tão forte que a comunidade médica nem mesmo achava que este trabalho seria necessário, tal a “certeza” do benefício destas intervenções. Agora com o artigo publicado, devemos dissecar a evidência. Neste caso, faremos uma análise ainda mais detalhada do que o habitual, devido à surpresa do resultado negativo. Quem achar cansativo, simplesmente acredite na veracidade do trabalho, pule as próximas três partes e leia a parte final, que fala do conforto cognitivo.  Mas quem quiser aproveitar para revisar como se avalia um estudo negativo, leia tudo.

Um estudo pode ser negativo por dois motivos: de fato pode não haver benefício da conduta testada; ou pode ser negativo devido a erros: sistemáticos (vieses) ou aleatórios (acaso). Temos que diferenciar as duas circunstâncias. O resultado de qualquer estudo deve ser visto com ceticismo até que se aplique a análise sistemática da veracidade da evidência. Ceticismo é bom, pois nos deixa mais atentos. 

Erros Sistemáticos (vieses)

Que falhas metodológicas poderiam fazer deste um estudo falso negativo? Observem na equação de um ensaio clínico que de um lado há a intervenção, do outro lado há o desfecho.

INTERVENÇÃO  => DESFECHO

Erros podem acontecer na aplicação da intervenção ou aferição do desfecho.

A intervenção foi descrita pelo protocolo do estudo como “intensa”, caracterizada por reuniões de aconselhamento toda semana, durante os 6 primeiros meses. A dieta recomendada tinha 1.200 a 1.800 calorias/dia e o exercício 175 minutos de atividade moderada-intensa por semana. Parece um bom planejamento, mas o que temos que questionar é se a intervenção promoveu as alterações antropométricas e fisiológicas que teoricamente resultariam em benefício clínico. Esta análise mostra que de fato os pacientes perderam 8.6% de peso no primeiro ano, tal como havia sido planejado pelo estudo. Mais do que isso, sustentaram boa parte dessa perda de peso aos longos dos 13 anos de estudo, terminando com 6% de peso a menos do que no início do estudo. Isso parece pouco, 6-8% de redução em população de 100 Kg em média. De fato, não é uma perda de peso que deixa ninguém esbelto, mas é o que se consegue com dieta; e é dieta que está sendo aqui testada. Inclusive, essa perda de peso supera o que se verifica em estudos de droga para obesidade. Por exemplo, a “aclamada” Sibutramina reduziu 4.5% do peso no estudo SCOUT. Desta forma, o estudo conseguiu testar uma intervenção que de fato reduziu peso; ou melhor reduziu o peso que dieta consegue reduzir. Portanto, não houve viés de aplicação da intervenção.

E quanto ao exercício? Este também foi eficaz em promover mudanças fisiológicas, tendo gerado ganho de capacidade funcional, medido em METS.

Ainda dentro da análise da intervenção, é importante verificar se o grupo controle de fato fez o papel de controle. Um bom controle tem que ser diferente da intervenção, gerando um contraste que provoque diferença de desfecho entre os grupos. Por questões éticas, o grupo controle também recebeu aconselhamento, em menor intensidade. Isso promoveu perda de peso progressiva ao longo dos anos, reduzindo um pouco o contraste entre os grupos. Mas isso não foi suficiente para fazer o contraste desaparecer: em média, ao longo dos anos de estudo, a diferença de peso entre os grupos foi 4 Kg, o que se considera significativo em estudos que avaliam perda de peso com dieta. Na verdade, em estudos de hábitos de vida, é esperado que o grupo controle tenha algum tipo de melhora simplesmente pela motivação de estarem no estudo. O que temos que avaliar é se essa melhora foi grande o suficiente para invalidar o estudo. Aqui não parece ter sido o caso.

Desta forma, quando à intervenção não identificamos vieses preocupantes.

E quanto ao desfecho? Este foi um desfecho composto apenas de eventos duros, objetivos e de importância clínica: morte, infarto e AVC. Isto torna improvável a possibilidade de viés de aferição dos desfechos. Mesmo em estudos abertos como o LOOK-AHEAD (não poderia deixar de ser, por questões óbvias), estes tipos de desfechos raramente sofrem erros de aferição, pois são muito objetivos. Além disso, os autores tiveram o cuidado de tornar cega a adjudicação (auditoria) destes desfechos, evitando que estes pesquisadores soubessem da alocação dos pacientes. Mesmo assim, um eventual viés de aferição, se ocorresse, possivelmente seria a favor do grupo intervenção, visto que a noção de que um paciente experimentou perda de peso e praticou atividade física nos deixa mais propícios a acreditar em melhora prognóstica para estes indivíduos.

Uma virtude deste estudo é o tempo de follow-up, cuja mediana foi de 10 anos. Usualmente os estudos de prevenção primária têm em torno de 5 anos de segmento (vide estatinas, anti-hipertensivos). Por se tratar de intervenções relacionadas a hábitos de vida, poderia ser que os resultados demorassem mais a aparecer. Portanto, os autores tiveram o cuidado de realizar um longo follow-up, quase sem precedentes em estudos de intervenção. Isso dá mais consistência ao resultado negativo, que não pode ser atribuído a tempo insuficiente para se detectar benefício clínico.

Portanto, aqui temos um estudo confiável quanto à intervenção e quanto à aferição dos desfechos.

Mas ainda analisando erros sistemáticos, resta outra possibilidade: o viés de confusão, que ocorre quando os dois grupos são diferentes e essas diferenças podem provocar heterogeneidade de desfechos. Isso pode explicar o resultado consistente dos estudos observacionais, que demonstram associação entre exercício físico e menor risco cardiovascular. Quem faz exercício é diferente de quem não faz (menos doentes, mais cuidadosos com a saúde) e essas diferenças podem ser as verdadeiras causas do melhor prognóstico destes pacientes. Como solucionar? Fazendo ensaios clínicos randomizados, pois a “mágica da randomização” garante que os grupos sejam semelhantes.

Paradoxalmente, as pessoas não atentam muito para a grande necessidade de ensaios clínicos randomizados e insistem em citar estudos observacionais como evidências definitivas do benefício de hábitos de vida, como é o caso do exercício. São exatamente os hábitos de vida que mais precisam de estudos randomizados, pois estes hábitos trazem consigo várias características demográficas, clínicas, antropométricas, sociais, econômicas de seus praticantes. Portanto, às viúvas do exercício ou perda de peso, por favor, não critiquem o LOOK-AHEAD citando estudos observacionais positivos. O potencial viés do desenho observacional é maior do que qualquer outro.

O LOOK-AHEAD é um estudo randomizado e como podemos perceber na tabela de características clínicas, as duas amostras (intervenção e controle) são idênticas.

Porém ainda há um detalhe que normalmente não se percebe e não é considerado na análise de fatores de confusão. Às vezes, os pacientes são semelhantes no momento basal, mas ao longo do estudo se tornam diferentes.  É o que resolvi denominar de fator de confusão prospectivo. Será que o grupo controle foi melhor tratado com drogas por uma reação compensatória dos médicos para com os pacientes que não foram randomizados para a intervenção? Seria um viés de desempenho, típico de um estudo aberto. De fato, houve maior freqüência do uso de estatinas e anti-hipertensivos. Isso foi o que mais me preocupou como potencial viés. Isto poderia ter feito o grupo controle menos predisposto a desfechos, anulando uma eventual superioridade do grupo intervenção. Fui atrás dos detalhes e o material suplementar do artigo traz as informações. Na verdade, a diferença de uso de estatina foi mínina (74% versus 71%), o mesmo com anti-hipertensivos (88% versus 87%).

Erros Aleatórios

Quando um estudo é negativo (não encontra associação), devemos nos questionar se isto ocorreu devido ao que se chama de erro tipo II: não encontrar uma associação que na verdade existe, devido a falta de poder estatístico. Assim, devemos começar por ler o cálculo do tamanho amostral (usualmente no final dos métodos, no item de análise estatística), observando quatro questões:

Primeiro: qual poder estatístico o autor propõe para seu estudo? Este poder deve ser de pelo menos 80%, pois a maior probabilidade de erro tipo II aceitável é 20%. Observem que a probabilidade do erro tipo II é o complemento do poder estatístico (100% - 80% = 20%). Neste quesito, nunca um autor vai propor ter um poder estatístico menor que 80% (seria um tiro no pé). Assim, geralmente o planejado é um poder de 80%, 85% ou 90%. O que pode acontecer é o autor omitir o cálculo do tamanho amostral, justamente por não ter um poder de pelo menos 80%. Isso levantaria suspeita, mas não foi o caso aqui. No LOOK-AHEAD, o poder proposto foi 80%.

Segundo: qual a diferença de desfecho entre os grupos que o autor se propõe detectar? Esse item é muito importante. Na verdade, não existe um único tamanho amostral necessário para cada estudo, pois este depende da diferença que o autor faz questão de encontrar. Quanto menor essa diferença, maior o tamanho amostral necessário, pois para detectar coisas pequenas, precisamos de uma lente grande. Aqui a lente do estudo é seu tamanho amostral. Se o autor faz questão de encontrar uma diferença pequena, seu tamanho amostral necessário grande. Se a diferença que ele faz questão de encontrar é grande, seu tamanho amostral pode ser menor. Quando digo “encontrar diferença” significo obter um valor de P < 0.05.

O que devemos analisar é se faz sentido o grau de diferença que o autor faz questão de encontrar. Ou colocado de outra forma, qual a diferença que ele tolera não encontrar. Devemos avaliar se nesta proposta o autor está aceitando não encontrar algo que seja clinicamente relevante. Idealmente, o estudo deve ter tamanho amostral para detectar as diferenças que sejam relevantes em magnitude, não necessitando demonstrar diferenças sem importância.

Neste estudo, o autor parte das premissas de que a incidência do desfecho no grupo controle seria de 2% ao ano e de que o tratamento traria um redução relativa de 18% no desfecho. Uma redução relativa de 18% em cima de uma incidência de 2% resulta em 0.4% de redução absoluta ao ano. Parece algo razoável, ou seja, ele não está tolerando que grandes reduções não sejam detectadas, pois tem capacidade de detectar 0.4% de redução absoluta. 

Terceiro: devemos agora olhar nos resultados se realmente a incidência de 2% ao ano ocorreu no estudo, do contrário o estudo não teria um numero de desfechos necessários para oferecer tal poder estatístico. Vejam nos resultados que a incidência do desfecho foi 1.9% ao ano, ficando bem próximo ao que o autor se propôs.

Observem então que a análise do poder não se resume à leitura do planejamento do estudo, mas também à leitura de se o resultado do estudo correspondeu à premissa de incidência do desfecho. Se o autor imaginou que a incidência do desfecho seria X e sua incidência foi menor, o estudo terá um poder menor do que ele planejou.

No LOOK-AHEAD a incidência ficou bem próximo no planejado. Sendo assim, podemos afirmar que o autor tinha um poder de 80% para detectar uma redução relativa de 18%, o que julgamos ser adequado.  Ou seja, o erro tipo II deixa de ser uma preocupação maior.

Quarto: por fim, devemos olhar as diferença de desfecho entre os dois grupos. Observem abaixo a curva de incidência cumulativa. É muito próxima, não há diferença alguma. A suspeita de erro tipo II faz mais sentido quando há alguma diferença que não alcançou significância estatística, o que não é o caso aqui.



Aplicabilidade e Diabetes

O resultado deste trabalho se aplica apenas a diabéticos? Já comentamos várias vezes neste Blog sobre o Princípio da Complacência. Ensaios clínicos são experimentos intensamente controlados, que utilizam de uma população-alvo restrita para prova de conceito. Uma vez este conceito demonstrado, devemos (até certo limite) permitir sua extrapolação para que uma população abrangente se beneficie. Esta conduta é respaldada, pois uma vez demonstrado um conceito, é raro que o conceito mude com a mudança do tipo de paciente. Isto porque interação é um fenômeno raro, é só verificar na análise de subgrupo dos ensaios clínicos em geral. A definição de diabetes como critério de inclusão tem sido usada em ensaios clínicos para identificar uma amostra de risco elevado, o que favorece o poder estatístico do estudo. E não porque o interesse da pergunta diz respeito apenas em diabéticos. Isso tem sido um engano, assim como o não entendimento do Princípio da Complacência tem sido talvez o mais importante equívoco de raciocínio em medicina baseada em evidências.

Desta forma, o presente estudo mostra que a intervenção não é benéfica em diabético. Quanto ao não diabético, o estudo pelo menos reduz a probabilidade de que a intervenção seja benéfica. Há alguma aplicabilidade. Pode não fechar a questão em não diabéticos, mas coloca um forte ponto de interrogação, reforçando a necessidade de que isso seja testado, antes de ficarmos afirmando benéficos não demonstrados.

Conforto Cognitivo

Embora bem desenhado e a despeito de nossa criteriosa análise, não faltarão críticas ao LOOK-AHEAD. Estas críticas serão de múltiplas ordens, e ocorrerão devido ao fenômeno de leitura seletiva, quando rejeitarmos evidências que vão de encontro às nossas crenças e abraçamos as evidências que vão ao encontro de nossas crenças.

Os psicólogos dão algumas explicações para isto e uma delas é o interessante fenômeno de conforto cognitivo. Acreditamos no que é mais confortável, pois é desconfortável ter seus valores questionados, dá trabalho de pensamento. Mudança de paradigma é sempre uma ruptura com a tradição. É mais confortável ouvir alguém falar o que já pensamos, dá menos trabalho mental, por mais monótono que isso possa ser. É interessante perceber a feição das pessoas quando falamos em público. Dá para perceber nitidamente o sorriso, a satisfação de alguém quando estamos falando algo com que a pessoa concorda, enquanto percebemos nítida mudança de expressão quando algo controverso entre em conflito com o pensamento vigente. Uma mentira repetida várias vezes vira verdade, pois se torna confortável ouvir uma idéia comum. Conforto cognitivo é um fenômeno psicológico demonstrado cientificamente. É confortável ouvir falar que intervenção intensa com exercício e dieta são condutas benéficas, é desconfortável ouvir falar o contrário.

Pode ser que uma intervenção que promova perda mais substancial de peso (dieta não consegue de forma sustentada, isso é um fato) ofereça benefícios clínicos. Nesta questão, necessitamos de ensaios clínicos randomizados a respeito do impacto de longo prazo da cirurgia bariátrica em desfechos duros, tais como os avaliados no LOOH-AHEAD. 

Na construção do conhecimento científico, devemos fazer um esforço para nos livrar do conforto cognitivo, estando abertos a novos paradigmas, mesmo que estes sejam transgressores da tradição. O rabino Nilson Bonder nos traz em seu livro “A Alma Imoral” a idéia de que transgressão promove evolução, tradição promove estagnação. E quando a transgressão é baseada em evidências (como é o caso da conclusão do estudo em questão), melhor ainda.

Neste aspecto, este trabalho tem um nome perfeito, até visionário em relação ao resultado aqui apresentado: LOOK-AHEAD. Precisamos olhar para frente, sair na zona de conforto cognitivo e nos permitir transgressões de velhos paradigmas, desde que estas sejam baseadas em evidências científicas. Assim, evoluiremos científica, filosófica e clinicamente.

OBS: Este texto é um complemento da antiga postagem O Politicamente Correto e as Recomendações de Hábitos de Vida, onde o estudo LOOK-AHEAD foi pela primeira vez mencionado. Naquela postagem se encontra nossa opinião em relação ao papel do exercício e perda de peso na recomendação médica.

23 comentários:

  1. Boa análise, Luis. Didática e "revolucionária". Sair da mesmice e considerar novas "verdades" demanda coragem e energia, artigos raros em grandes grupos. É mais fácil ser parte da manada...

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  2. Excelente texto, Luís Cláudio. Muito bem articulado.

    Sobre a análise técnica:

    - As postagens anteriores e a constante abordagem de assuntos controversos aqui também estão gerando conforto cognitivo em você! Rs. E é em direção à polêmica. Acredito que se este trabalho tivesse saído há uns três anos, o post incluiria uma ressalva de que o estudo investigou uma dieta que produziu redução de 6-8% do peso e que cuidados são necessários ao extrapolar isso para qualquer dieta.

    - Como o próprio post deixa claro, um poder estatístico de 80% significa 20% de probabilidade de um erro tipo II. Ou seja, uma chance em cinco! É bastante coisa e isso deveria ter recebido uma atenção maior. Especialmente, no sentido de esperar resultados de novos ensaios clínicos (Look ahead!).

    - Cuidado ao dizer que dieta não consegue produzir perda de peso de forma sustentada. O certo seria dizer que a intervenção sugerida pelo estudo (que é semelhante à maioria das intervenções) não consegue. Do contrário, todas as pessoas subnutridas por uma dieta deficitária em países subdesenvolvidos não ficariam assim por muito tempo.


    Sobre conforto cognitivo

    - Deixemos um pouco de lado o conforto cognitivo em pesquisadores e profissionais e pense nos pacientes. Quando você fala em "viúvas do exercício ou perda de peso", o leitor não sai do blog com a informação de que dieta e exercício não previnem desfechos cardiovasculares. Ele sai pronto para "cair de boca" num rodízio e depois sentar no sofá. Em minha opinião, o estudo é sim um divisor de águas no assunto e, apesar das críticas acima, é provável que estudos posteriores apenas confirmem os achados do LOOK-AHEAD. A excelência metodológica do estudo foi bem descrita por você. Por outro lado, nem tudo é morte, infarto e AVC. Já pensou que o conforto cognitivo referente a dieta e exercícios estarem mortos pode gerar um bocado de sedentários? Eles podem não ter mais desfechos cardiovasculares, mas e quanto à qualidade de vida? É um assunto difícil, porque a linha entre pedir bom senso de um divulgador da ciência e censura é bem tênue, mas peço que reflita sobre o assunto.

    Parabéns pelo blog e por ser um médico (talvez um dos únicos) que vai além do cercadinho da medicina. E já que você encerrou com uma citação sobre transgressão e evolução, vou deixar um trecho do Thomas Kuhn de que gosto muito:

    “Rather than being an interpreter, the scientist who embraces a new paradigm is like the man wearing inverting leses. Confronting the same constellation of objects (…), he nevertheless finds them transformed (…).”

    OS: Traduziram “cognitive ease” como conforto cognitivo no último livro do Kahneman, mas não sei se a comunidade acadêmica vai adotar o termo.

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  3. Luis, achei excelente a analise e eu concordo 100% que faz parte da boa postura cientifica estar pronto a se desapegar de paradigmas quando evidencias solidas apontam na direcao oposta (talvez nao 180 graus, mas 90 graus, no caso do LOOK-AHEAD).
    Tenho so' uma questao sobre a qual fiquei pensando, e gostaria de ouvir teu comentario e de outros. Acho que esse comentario tem a ver com aspectos bem praticos para clinicos depois de ver esses resultados. Digamos que Dona Maria, uma senhora de 58 anos, pos-menopausica, com IMC de 28, tem DM tipo 2 diagnosticada em exame de rotina ha 1 ano e meio, controlada com dose baixa de metformina.
    Tendo os resultados do LOOK-AHEAD em mente, o que fazer? A resposta seria "nao recomendar dieta hipocalorica e exercicio 'intensos' para perda de peso"? Ou realizar uma abordagem semelhante a do grupo controle, que recebeu orientacoes gerais e perdeu algum peso?
    Eu pergunto isso porque uma possibilidade, no caso de adotarmos a primeira postura, seria que a Dona Maria poderia ganhar mais peso ao longo dos anos se nenhuma medida fosse adotada. E ai a diferenca entre +4% de peso corporal em 10 anos e os -4% do grupo controle (desculpa, nao lembro se era esse o numero) poderia ser diferente. Esse e' um ECR que nunca sera realizado por questoes eticas, como mencionaste no texto.
    Talvez teremos que recorrer aos estudos de coorte para analisar o que acontece com pessoas que nao sofrem intervencao ALGUMA pra decidir se o que devemos fazer e' "nada" ou uma intervencao igual a do grupo controle.

    Gostaria de ouvir mais opinioes a respeito. (desculpa a falta de caracteres especiais no teclado)

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  4. Avaliação crítica excelente! Muito obrigada. Ana

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  5. Eu fico impressionada como um estudo desses pode levar a essas conclusões tão absurdas e ainda serem aceitas como verdade... por mais analítico que seja.
    Eu, como médica, cuido de pessoas. trato um indivíduo. não um grupo caso ou controle. e fazendo isso, com dieta e atividade física ou seja, mudança de hábitos, já vi pessoas emagrecerem e retomarem saúde.
    para essas pessoas, tais medidas fizeram total diferença na vida delas.
    um estudo desse e suas interpretações vem agora legitimar a preguiça e e impedir uma chance de hábitos mais saudáveis...
    não li o estudo. e não vou ler. mas, dieta de 1200kcl, (sem personalizar para cada um, pois são todos indivíduos diferentes com necessidades diferentes) por mais randomizado que seja as características estudadas... pra mim não é parâmetro de nada.
    e por mais que eu tenha aprendido na faculdade que a experiencia de um bom médico não preste de nada e que a medicina baseada em evidencia é o que importa. prefiro fazer o que eu acredito e que meus pacientes vejam os resultados. do que simplesmente dizer pra eles que nada pode ser feito.

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  6. Marina, acho que os parágrafos finais da recente postagem "O Politicamente Correto e as Recomendações de Hábitos de Vida" respondem a seus questionamentos. Reproduzo o texto abaixo:

    "Observem bem, não estou defendendo a obesidade. A recomendação de perda de peso deve existir. Porém deve existir na proporção da evidência que a suporta e não baseada na impressão visual ao ver uma pessoa acima do peso. Precisamos contextualizar o caso, quando se trata de uma pessoa que sempre foi acima do peso. Precisamos mudar o foco para qualidade de vida. E qualidade de vida depende de auto-estima. Portanto, se esta pessoa dormir bem (não tiver apnéia do sono), tiver colesterol controlado (com droga ou sem droga) e pressão normal, deixe ela ser feliz. Não diga “obesidade é uma doença”. Obesidade não é doença, é fator de risco. E como fator de risco é mediada por outros, que podem ser controlados. Se estas coisas estiverem bem, não precisamos demonizar o biotipo da pessoa.

    O fato de uma fator ser associado a risco não é condição suficiente para que seu controle reduza o risco. Isso tem que ser demonstrado.

    Medidas de hábitos de vida e perda de peso devem existir no diálogo com os pacientes, porém de forma inteligente e contextualizada.

    Pensar no nível de evidência que suporta nossas recomendações pode trazer mais empatia ao diálogo com nossos pacientes. Temos quer ser mais enfáticos no controle do colesterol e da pressão arterial e na recomendação contra do tabagismo. Já nas recomendações sem comprovação de benefício, estas devem se basear mais na qualidade de vida que elas proporcionam. E se uma conduta traz qualidade de vida, isso depende muito do estilo e crença de nosso paciente."

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  7. REPRODUÇÃO DE COMENTÁRIOS DO FACEBOOK:

    Paulo Novis Rocha Excelente, como sempre. Luis Correia é um craque.
    Ontem às 13:40 via celular · Curtir (desfazer) · 2

    Alexandre Goiana Rapaz não tem segredo, não adianta só treinar... O treino na realidade é um estímulo para a dieta, o emagrecimento para a continuidade, a continuidade para uma vida mais saudável, ... Nada isolado surte efeito isolado!
    Ontem às 13:57 via celular · Curtir (desfazer) · 2

    Fernanda Maia Muito boa a análise! Apesar q para inicidencia de AVC, DM nao seja um fator de risco tao importante qto hipertensao.....
    Ontem às 14:34 via celular · Curtir (desfazer) · 2

    Allan Nogueira da Silva Muito bom!!!!!!!
    Ontem às 15:01 via celular · Curtir (desfazer) · 2

    Victor Karin Souza Chocante e interessante Alexandre Drayton....
    Ontem às 18:14 via celular · Curtir · 1

    Cláudio Duarte Rafa
    Ontem às 18:42 · Curtir (desfazer) · 2

    Fabio Vilas-Boas Talvez o que o estudo queira dizer é que, se o indivíduo é de risco alto (como é o caso dos diabéticos), mudanças de estilo de vida (MEV) como intervenção isolada não seja suficiente para reduzir eventos. O que falta demonstrar é o impacto de MEV + estratégias mais agressivas de controle lipídico em prevenção primária nessa população. Esse é o grande X da questão (ou Y?)
    Ontem às 19:24 · Curtir (desfazer) · 2

    Dimitri Gusmao Intervencão com atividade física (basicamente andar, vide suplemento) e dieta, que determine redução de 8% (apenas!) do peso em obesos com DM, não reduz evento cardiovascular. Esta é a conclusão. Qual seria o resultado se a redução de peso fosse maior e a atividade física diversificada?
    Se o grupo intervenção estivesse no Ironminds sob os cuidados do nosso amigo Jonga teria, acredito, resultados bem melhores.
    há 23 horas · Curtir (desfazer) · 5

    Paulo Novis Rocha Acho que o Luis Correia fez a análise da evidência apresentada. O resto é especulação. Podemos especular que a dieta e exercício são intervenções "de uma vida inteira" e que necessitariam de décadas para mostrar algum benefício. Poderíamos discutir a i...Ver mais
    há 11 horas · Curtir (desfazer) · 4

    Vanessa Bulcão Paulo Novis, na prática Clínica vejo uma melhora significativa e bem rápida em todos os parâmetros (laboratoriais e clínicos) com a intervenção nutricional adequada e com a prática de atividade física, não necessariamente sendo válida apenas quando feita "intervenção de uma vida inteira". Nunca é tarde para mudar os seus hábitos!!!
    há 4 horas · Curtir (desfazer) · 3

    Paulo Novis Rocha Oi, Vanessa. O problema é que, muitas vezes, essas melhoras rápidas não se sustentam... Ateroesclerose é uma doença da vida inteira. De que adianta uma melhora rápida, mas dure apenas alguns meses? O que representam esses poucos meses com bons parâmetr...Ver mais
    há 3 horas via celular · Curtir (desfazer) · 4

    Luis Correia Pessoal, ótima discussão. Se me permitirem colocarei essa discussão nos comentários do Blog.
    há 2 horas via celular · Curtir · 3

    Paulo Novis Rocha Blog away, Luis Correia!
    há 2 horas · Curtir (desfazer) · 2

    Alexandre Drayton Com prazer, Luis Correia !!
    há ± 1 hora via celular · Curtir

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  8. Caro Luis Claudio. Permita-me discordar da essência dos seus comentários. É notável a qualidade da sua análise, o que demonstra o quanto você está preparado tecnicamente. Mas, analisar um estudo como o LOK-AHEAD sob o ponto de vista estritamente metodológico, e os seus resultados centrando-se exclusivamente no desfecho, pode ser um "conforto cognitivo" de um analista crítico, mas não abrange todas as possíveis respostas. Transcrevo aqui alguns pontos de um comentários que publiquei no sítio da Sociedade Brasileira de Diabetes, antes mesmo da publicação do estudo. E o título diz bem o meu objetivo "LOOK-AHEAD...E NÃO DESISTA". Alguns pontos são extremamente positivos no estudo: "fatos como a melhora da pressão arterial, dos lipídeos, da apneia do sono, do uso de antidepressivos e até a remissão do diabetes e a redução nas doses e no uso de medicamentos em alguns pacientes" Além disso... "Então porque não foi possível obter a tão sonhada redução de eventos cardiovasculares?"
    "Algumas razões podem ser sugeridas, mas as reais razões podem levar tempo para serem respondidas. Vejamos algumas: apesar de uma perda de peso de cerca de 5% ao fim do estudo, houve na verdade uma recuperação de cerca de 50% do peso perdido". Ou seja, apesar de melhor do que o grupo controle e da alegada sustentação da perda de peso, o fato é que a média do peso perdido foi de ~10% em 1 ano e no fim apenas ~de 5%. Assim, só quando tivermos a análise dos sub-grupos (Ex. comparação entre aqueles que perderam mais de 5% versus aqueles que só perderam 5% ou menos, em média) poderemos ter uma visão mais adequada do estudo". (EM TEMPO: o estudo finlandês de prevenção do diabetes mostra isto de forma clara: aquele sub grupo que mais aderiu, e portanto perdeu mais peso, obteve a maior redução de novos casos de diabetes). Continuando...
    "Será que a perda de peso não é importante para reduzir eventos? Ou será que 5% é insuficiente para mostrar benefícios? Creio que a segunda hipótese é a mais razoável. Senão vejamos: os estudos com perda de peso após cirurgia bariátrica mostram que uma perda maior de peso é, sim, benéfica e reduz a mortalidade por todas as causas. Isto restou demonstrado em pelo menos 2 estudos. No estudo SOS (Effects of Bariatric Surgery on Mortality in Swedish Obese Subjects) o grupo operado perdeu entre 14 a 25% dependendo do tipo de cirurgia, em até 15 anos de observação. Houve uma redução ajustada de 29% na mortalidade. Um outro estudo (Adams TD e cols, NEJM 2007), retrospectivo, com cerca de 20.000 pacientes, dos quais a metade passou pela cirurgia, mostrou uma redução de 40% na mortalidade em cerca de 8 anos! E, alvíssaras, as maiores reduções foram pelo diabetes (92%), cancer (60%) e infarto (56%). Logo, apesar de muito bem desenhado e conduzido, o look AHEAD não obteve uma grande e sustentada perda de peso e esta talvez seja a maior razão do pouco sucesso. Mas, não desistamos. Devemos olhar para a frente e tentar obter dos nossos pacientes a maior perda de peso possível. Com ou sem cirurgia. Look Ahead e não desista!"
    Assim,caro Luis, Sei que você vai argumentar que os estudos citados acima não foram randomizados,um deles é retrospectivo,não têm o mesmo rigor de um Look-Ahead,etc. Mas, não considere que evidencias deste tipo são falta de evidencia.
    Um forte abraço e, mesmo assim, parabéns pela análise técnica...esta sim, perfeita.

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  9. Gostei desta discussao, gerar polemicas construtivas é muito bom. O texto de Felipe em chamou atenção para um viés de confusão ( eu que to chamando assim): a evidencia cientifica me aponta para o fato de que perder peso com dieta (em torno de 8% do peso inicial) e fazer exercicios fisicos regulares não alteram a mortaliade,nem aumentam o risco de AVC ou infarto em dez anos. Portanto eu nao devo usar minha autoridade medica para informar o contrario disto ao meu paciente. Ponto, este é o limite da ciencia. Isto não quer dizer que eu deva recomendar ao meu paciente que engorde ou seja sedentario. Esta é linha tenue.
    O texto de Luis foi muito claro: não devemos tomar como verdade cientifica aquilo que nao foi provado. Mas na intersubjetividade do fazer medicina há muito mais em questão e a MBE não vem para ferir isto. Podemos integra-la a nossa pratica medica sem medo de sermos subtraidos (sub-traidos)...

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  10. Irreparável seu comentário e irrefutável a evidência científica do fato que dieta e exercícios não reduzem eventos adversos...mas se pudéssemos avaliar "mais vida" ou "estado de bem-estar", poderíamos chegar perto de uma diferença...
    Abs e parabéns...

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  11. Nós da Educação Física ainda somos fracos em Prática Baseada em Evidência e os pesquisadores mais badalados da área não conduzem ECRs.

    Não temos doutores em Educação Física formados em programas de "Medicina Baseada em Evidências" no Brasil, os que estudam Epidemiologia clínica tomam suas conclusões com estudos observacionais. Se você olhar os periódicos de Educação Física no Brasil, mesmo os melhores, ficará revoltado com o nível de publicação.

    O paradigma atual é publicar, não interessa a qualidade, é por isso que precisamos dominar os métodos de Revisão Sistemática e Metanálise. Vamos refletir sobre o publicar e publicar, será que isso esta acontecendo pois os critérios para passar em concurso público enfatizam publicação? Será que a ciência não esta sendo levada a sério? Ou será ignorância (desconhecimento)?

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  12. Fazemos as coisas repetidamente sem sequer nos apercebermos do porque de as fazermos daquela forma. Isso acontece simplesmente porque fomos condicionados numa determinada mentalidade desde a nossa infância, quer pelo exemplo dos nossos pais ou familiares, quer pelo que nos ensinaram durante a nossa formação Assim, mudança de paradigma significa a mudança de uma maneira de pensar, por outra. Uma revolução, uma transformação, uma espécie de metamorfose. Uma mudança de paradigma passa por alargamos os nossos horizontes e não rejeitarmos ideias diferentes só porque nos parecem poucos comuns.

    Nisso entra o LOOK Ahead – é díficil aceitarmos algo que acreditamos piamente desde o início da nossa formação. Porém não temos como contestar tal evidência. Ë fato que não conseguimos modificar hábitos de vida, e muito menos, manter redução significativa de peso apenas com dieta e exercício. Isso é visto na nossa pratica diária. Modificação de hábito requer disciplina e muita luta! São poucas as pessoas que conseguem incorpar modificações em sua rotina de vida.

    Parabéns Luís – vocês nos ensinou com o LOOK Ahead que bem mais do que a simples leitura do artigo! Atividade física e manutenção do peso sim porém com o intuíto de melhora de qualidade de vida!

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  13. REPRODUÇÃO DE COMENTÁRIOS DO FACEBOOK

    André Gusmão Cunha
    há 6 horas
    Dieta e atividade física reduzem o risco de morrer ou de ter um evento cardiovascular?

    Pesquisa científica recente, brilhantemente analisada no link abaixo, comprova que não...mesmo assim, a recomendação continua, , pois faz parte do conjunto de intervenções favoráveis...

    Então mudo a pergunta...dieta e atividade física aumentam o bem-estar? Promovem o viver?...acho difícil um estudo que possa responder isto...rssss

    Para quem gosta de análise científica, recomendo o blog do Prof. Luis Correia


    Andréa Mendonça Virologia Então aí vai a pergunta certa: Dieta e atividade física regular com avaliação cardiorespiratoria, biometria, avaliador físico e nutricionista esportivo reduzem o risco de morrer ou ter um evento cardiovascular???
    há 5 horas via celular · Curtir (desfazer) · 3

    Andréa Mendonça Virologia O problema é que as pessoas desentendias querem virar atletas sem acompanhamento médico, nutricional e por avaliador físico qualificados!!!! Para esse grupo a hipótese é de maior risco de morrer e de ter um problema cardíaco!!!!
    há 5 horas via celular · Curtir (desfazer) · 2

    Andréa Mendonça Virologia Correção: pessoas sedentárias!!!
    há 5 horas via celular · Curtir (desfazer) · 1

    Manellis Medeiros Para todo benefício, existe uma janela de oportunidade delimitada pelas duas navalhas: a do: "não precisa" e a do "não adianta"; a dieta correta e a atividade correta certamente vão beneficiar a longevidade de um grupo determinado de pessoas. A qualidade de vida, esta sim, vai melhorar pra todo mundo.
    Apesar de nossos esforços, creio q fazemos uma ciência burra q só vai melhorar qdo evoluirmos na capacidade de detectar e medir marcadores múltiplos associados a processos específicos.
    Se vc é inteligente, dispense conclusões alheias e siga o bom senso; se sobrar dúvidas, pergunte a Darwin!
    há 5 horas via celular · Curtir (desfazer) · 1

    André Gusmão Cunha Mas evidência é evidência...o que não tira o mérito de simplesmente viver...não há estudos para esta evidência...
    há 4 horas via celular · Curtir (desfazer) · 1

    Andréa Mendonça Virologia As evidencias devem ser bem conduzidas para uma resposta sem viés...
    há 4 horas via celular · Curtir

    Manellis Medeiros Evidência: substantivo relativo à condição de "estar visível"
    Qto mais pretensioso o objetivo, menor a nitidez da "evidência" encontrada.
    há 4 horas via celular · Curtir · 2

    Graça Reis Cunha Existem outros fatores envolvidos...
    há 2 horas · Curtir

    Andréa Mendonça Virologia Concordo com você Manellis Medeiros
    há 2 horas via celular · Curtir

    André Gusmão Cunha Na falta de evidência, deixa de ser ciência e passa a ser fé...que é boa também, mas foi a ciência que aumentou a expectativa de vida...
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    André Gusmão Cunha Só uma pergunta: vocês leram o link?
    há ± 1 hora via celular · Curtir

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  14. Obrigado a todos pelos comentários.

    Considero um bom exemplo de plausibilidade extrema (o que dispensa comprovação científica) a idéia de que exercício melhora a qualidade de vida de quem gosta de exercício.

    Quanto à dieta, considerando a pouca perda de peso sustentada que é normalmente obtida com dieta (3 Kg em média - meta-análise, Age and Ageing 2010; 39: 176–184), gostaria de ver estudos comprovando melhora de qualidade de vida. Pois restrição calórica muitas vezes é desconfortável. Isso não quer dizer propor que as pessoas "chutem o pau da barraca".

    A aplicação do que estamos discutindo na prática clínica não foi bem aprofundada nessa postagem, pois em postagem de fevereiro (O Politicamente Correto e as Recomendações de Hábitos de Vida) eu já tinha colocado minha visão clínica a este respeito. Acredito que aquela postagem contribua para a presente discussão. Convido-os a ler.

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  15. Não tem dúvidas que o LOOK AHEAD foi muito bem planejado, os resultados são consistentes e justamente por isso gera tanta polêmica e desconforto...seria mais fácil se o resultado fosse positivo, estaríamos confortavelmente instalados na nossa crença empírica. Já experimentei o desconforto da platéia quando em um congresso após revisão cuidadosa das evidências científicas existentes apresentei dados que não demonstraram efeito significante do exercício em lípides e no controle pressórico... A análise de Luis não é apenas tecnicamente perfeita, mas imparcial e de certa forma filosófica. Vamos ter em mente o que o estudo demonstrou: o exercício físico e a dieta descrita não diminuíram eventos duros. Não existe nenhuma proposta a partir do estudo para se estimular sedentarismo ou dizer que engordar é bom para a saúde. Vamos nos livrar dos nossos "pré-conceitos" (sei que a palavra original não é separada, isso é para enfatizar a ideia de de crenças cristalizadas...) e continuar olhando adiante...

    Ana Marice Ladeia.

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  16. LOOK AHEAD sem se perder de vista...

    oi Luis.
    Li ambos as postagens e o artigo. Parabéns por instigar a discussão e pela análise critica.

    ...melhor que um "Ensaios Clínicos Randomizados" só uma "Revisão Sistemática de Ensaios Clínicos Randomizados". Contudo, em Medicina Baseada em Evidências, o que conta é "a melhor evidência DISPONÍVEL". E as vezes a melhor evidência vem de um estudo com com maior risco de viés.

    Um bom exemplo disso é a revisão sistemática de Gordon CS Smith e Jill P Pell publicada na BMJ . Costumo dizer que eles souberam fazer uma brincadeira séria ao avaliar a efetividade do uso de paraquedas para prevenção de mortes e traumas graves(desfechos duros). Segue abaixo as palavras dos autores (OBSERVE QUE EU SOU DEFENSOR DA MBE):

    "RESULTADOS: Nós não conseguimos identificar nenhum ensaio clínico randomizado com o uso do paraquedas como intervenção.
    CONCLUSÃO: Tal como acontece com muitas intervenções destinadas a prevenir problemas de saúde, a eficácia do paraquedas não foi submetida a avaliação rigorosa de ensaios clínicos randomizados. Os defensores da medicina baseada em evidências criticado a adoção de intervenções avaliadas por apenas os dados observacionais. Pensamos que todos possam se beneficiar se os protagonistas mais radicais da medicina baseada em evidências se organizem e participem de um
    ensaio clínico cruzado, duplo-cego, randomizado e placebo-controlado de paraquedas."

    No caso do paraquedas as melhores evidências são observacionais... aquelas pessoas que usam não morrem ou tem traumas graves. Um ensaio clinico randomizado, apesar de ser ideal, não é ético, haja vista que um dos grupos teria que saltar sem paraquedas.

    Não acho que a intervenção avaliada no LOOK-AHEAD não funcione. Acho que pode ser concluído que as intervenções são equivalentes, visto que o controle não ficou sem intervenção por motivos éticos.

    Por isso, LOOKing AHEAD, as vezes as melhores evidências podem vir de estudos com maior risco de viés.

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  17. O Paradigma do Para-queda é resolvido pelo terceiro princípio da medicina baseada em evidências: o Princípio da Plausibilidade Extrema. Abordamos previamente este importante princípio neste Blog. Sugiro que observem as postagens abaixo, são interessantes:

    O Paradigma do Para-queda (Janeiro 2010).
    Os Sete Princípios da Medicina Baseada em Evidências (Outubro 2011).

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  18. Esse post fez me lembrar o tema "Dissonância cognitiva" e o conto da "raposa e as uvas". Acho que a arte de praticar medicina está justamente em utilizar a melhor conhecimento cientifico de forma humanizada. Infelizmente ainda temos um longo caminho até chegar em um ponto que considero "ideal". Continue o ótimo trabalho, considero esse blog o melhor sobre o assunto no Brasil


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  19. "Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar"

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  20. Concordo inteiramente com Dimitri. A crítica aqui não é ao trabalho mas à interpretação que foi feita dele. A conclusão é que obesos com ~100Kg não se beneficiam de perder 4kg a mais do que o grupo controle.
    O estudo pode ilustrar a pouca eficácia, em média, em se conseguir grandes MEV nessa população mas não serve para concluir que fazer exercícios e perder peso não traz benefícios.
    Se não há estudos que não deixem dúvidas, por outro lado não podemos usar o LOOK-AHEAD como prova da ineficácia da perda de peso.
    Pode até provar certa ineficácia na tentativa de perder peso... pode até provar que perder pouco peso e nada é quase a mesma coisa.
    Mas e o subgrupo com grande perda de peso, grande aderência à dieta e exercícios físicos mais intensos?
    Creio que depois do LOOK-AHEAD continuaremos com as mesmas recomendações que fazíamos antes dele.

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  21. Professor Luís Cláudio,

    fiquei devendo um comentário aqui desde a sessão de sexta-feira passada no HUPES. Farei algumas críticas aotrabalho, mas que não tiram seu mérito.

    1 - a intervenção foi fraca. Foi condizente com nossos resultados em programas de perda peso. Mas uma perda de 8% indica que precisamos de intervenções diferentes para perda de peso. Particularmente, do ponto de vista de perda de peso, exercício aeróbico me parece cada vez mais como tentativa de varrer a areia da praia.

    2 - o trial não teve o poder de 80% que esperava. Os autores esperavam uma taxa de evento de 3,1% ao ano no grupo controle, com um hazard ratio de 0.82 favorecendo a intervenção, para o primeiro desfecho combinado (morte vascular + avc + iam). No entanto, o grupo controle foi muito mais saudável do que o esperado (taxa de eventos de 2% ao ano). A alternativa mais segura seria aumentar a amostra ou o follow-up, aumentando os custos. Por questão de viabilidade, os autores preferiram acrescentar "hospitalização por angina" ao desfecho e aumentar discretamente o follow-up. No final das contas, porém, esse desfecho agregado acabou aproximando os grupos intervençao e controle (HR de 0.97, contra uma HR de 0.85 pra mortalidade vascular), sendo que este foi o mais numeroso entre os desfechos individuais. Na minha opinião, se não houvesse hospitalização por angina nos desfechos, teríamos signficancia com uma HR de 0.85.

    3 - o grupo controle estava ciente da existência do grupo intervenção e a intervenção era acessível a eles. A maioria dos trials é conduzida dessa forma. No entanto, creio que a ideia de ser randomizado para o grupo que, teoricamente, vai morrer mais por falta de exercício e dieta pode ter feito os pacientes do grupo controle procurarem mais essas intervenções fora do trial. Do ponto de vista metodológico, eu teria montado esse trial como um Zelen Design. A discussão seria mais ética do que científica, mas esse viés seria parcialmente controlado.

    Por fim, saúdo a iniciativa do LOOK AHEAD. Foi um trial de altíssima qualidade, montado para uma intervenção não farmacológica. A motivação para sua realização foi o estabelecimento de evidência de qualidade, e não a obtenção de aprovação da FDA. Precisamos de mais desses para as todas as áreas da medicina.

    Abraços,
    Guilherme Magnavita
    Acadêmico de Medicina FMB-UFBA
    Turma de 2010.1

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  22. Parabéns, Luis Cláudio! O estudo comprova pela milésima vez que temos mínima capacidade de voluntariamente mudar o patamar de peso no médio prazo. Essa mínima mudança não traz benefício em hard endPoints. Tomara que com liraglutida ou outras drogas a história seja outra.
    Aos cardios: não foi assim nos estudos de dietas pré-estatinas?
    Eduardo Quadros

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    Respostas
    1. Exemplo de estudo pequeno mas com perda de peso de 11kg no grupo intervenção contra ganho de 2kg no controle (estudo não randomizado).
      http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9863851

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