Canais de Luis Correia
domingo, 28 de novembro de 2010
O Estranho Caso do Fechamento do Foramen Oval Patente em AVC Criptogênico
terça-feira, 23 de novembro de 2010
O que pensam os pacientes sobre angioplastia coronária eletiva ?
Recentemente foi publicado nos Annals of Internal Medicine um estudo que avaliou o pensamento de pacientes submetidos a angioplastia coronária eletiva em um hospital acadêmico de Massachusetts.
Vemos com frequência angioplastia sendo indicada em indivíduos assintomáticos, cujo teste isquêmico de rastreamento para doença coronária foi positivo. Percebo que não são necessariamente os médicos intervencionistas que propõem o procedimento. Na maioria das vezes, são os próprios clínicos que se sentem mais seguros se o procedimento foi realizado.
Este trabalho é uma evidência científica de que precisamos refletir como estamos transmitindo as informações aos nossos pacientes. É um exemplo da mentalidade do médico ativo prevalecendo sobre o paradigma da medicina baseada em evidências.
domingo, 21 de novembro de 2010
Há mesmo interação antagônica entre Clopidogrel e inibidores de bombas de prótons?
sábado, 6 de novembro de 2010
Bloqueadores dos Receptores da Angiotensina (BRA) Causam Câncer?
Em julho deste ano foi publicado no Lancet Oncology a meta-análise Angiotensin-receptor blockade and risk of cancer, que tem causado grande repercussão. Nesta meta-análise, cinco ensaios clínicos randomizados para BRA ou placebo foram combinados em relação ao desfecho câncer. Os pacientes randomizados para BRA tiveram uma incidência de 7.2% de câncer, comparados a 6% de câncer no grupo placebo (RR = 1.08; 95% IC = 1.01 - 1.15; P = 0.02). Desta forma, houve uma associação estatisticamente significante entre uso de BRA e câncer. Dito isso, precisamos avaliar criticamente se esta associação é verdadeira, ou seja, se podemos afirmar que há causalidade entre BRA e câncer. Qual o nível de evidência trazido por este estudo?
Para piorar a questão, em dois dos cinco estudos (34% dos pacientes) câncer não havia sido uma informação pré-especificada, tendo sido coletada de forma não padronizada e retrospectiva. Isso provoca um viés de observação importante.
Desta forma, estes três aspectos (desfecho câncer ser secundário, potencialmente sofrer do viés de publicação e em alguns estudos ter sido uma informação retrospectiva) fazem com que classifiquemos esta meta-análise como uma fraco nível de evidência.
Isso não é uma defesa do uso de BRA como anti-hipertensivo. Na verdade, esta classe não deve ser considerada escolha de primeira linha, pois são poucas ou inexistentes as evidências indicando redução de desfechos clínicos com estas drogas no tratamento da hipertensão. Sendo assim, as drogas com mais evidências (diurético, antagonistas do câlcio e inibidor da ECA) devem ser as de primeira escolha e os BRA devem ficar para aqueles paciente que precisariam usar IECA, porém têm intolerância. Mas isso não tem nada a ver com câncer.
Esta meta-análise levanta uma possibilidade para que se defina câncer como um dos desfechos principais de futuros ensaios clínicos com BRA. É apenas um estudo gerador de hipótese. Considerando a carência de plausibilidade biológica e os potenciais viéses deste estudo, é provável que esta associação não se confirme nos estudos futuros, focados nesta questão. Mas isso é só uma previsão, às vezes a gente se surpreende.
domingo, 24 de outubro de 2010
É realmente necessário reclassificar indivíduos de risco cardiovascular intermediário?
Em relação ao tratamento da hipertensão arterial, a indicação para iniciar a terapia e a pressão arterial alvo não devem diferir entre indivíduos de risco intermediário ou alto. Finalmente, a aspirina deve ser utilizada em indivíduos reclassificados para alto risco? A magnitude de redução absoluta de risco de aspirina em indivíduos assintomáticos é pequena e a relação risco / benefício não justifica a sua prescrição na maioria dos indivíduos. Recentemente, o efeito benéfico em longo prazo da aspirina em pacientes diabéticos tem sido questionado pelos resultados de ensaios clínicos, sugerindo que a aspirina só se justifica nos indivíduos de risco muito elevado, o que ocorre mais comumente em prevenção secundária. Mais importante ainda, a aspirina não provou ser benéfica em um ensaio clínico de pacientes assintomáticos com aterosclerose subclínica avaliada pelo índice tornozelo-braquial. Portanto, é altamente questionável se aspirina deve ser iniciada nestes indivíduos reclassificados para alto risco pelo escore de cálcio. Finalmente, medidas de estilo de vida, tais como a cessação do tabagismo, controle de peso e exercício, são universalmente recomendadas, independentemente do perfil de risco individual.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Blog alcança a marca de 10.000 acessos
Interessante é perceber que além dos colegas, há acessos de outras cidades, recebemos comentários de pessoas totalmente desconhecidas. O Goggle direciona muitas pessoas para o Blog, a depender do tema de pesquisa utilizado. Não são só profissionais da área médica que acessam, há várias seguidores que simplesmente gostam dos assuntos relacionados a medicina e curtem a forma provocativa de nossas reflexões.
Os comentários são dos mais diversos, muitos concordando com nossos posicionamentos, outros discordando de forma enfática. Isso tudo serve de incentivo, visto nosso principal objetivo é o de provocar reflexões, muito mais do que propor verdades absolutas.
Este Blog é alimentado pela percepção de que as pessoas estão acessando. Os comentários escritos no Blog, os comentários que colegas fazem pessoalmente, as cobranças de novas postagens quando demoro de escrever, tudo isso é um grande incentivo.
Há pessoas que se destacam pelo incentivo e entusiasmo pelo Blog. Só para citar alguns, Júlio Braga, colaborador com várias postagens em seu estilo contestador; Bruno Bezerril, que dos Estados Unidos nunca deixa de nos incentivar e fazer comentários interessantes; Dr. Barral, sempre conectado, de quem muitas vezes roubamos algumas idéias do que escrever; Há também os não médicos, Mariana Freitas, Emanoel Silva, sempre com comentários filosóficos. Minhã mãe, que constantemente me mande e-mails chamando atenção para erros de português. Meus alunos e ex-alunos.
Enfim, esse Blog é de todos nós. Obrigado a todos pelo incentivo ao longo deste primeiro ano.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
A Morte da Sibutramina (Reductil)
Ausência demonstração de malefício em uma população de baixo risco não justifica o uso de droga, pois não também não há demonstração de segurança, muito menos de eficácia.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Curso de Análise Crítica da Literatura Médica
sábado, 9 de outubro de 2010
Um Músico Baseado em Evidências de Grandeza
domingo, 3 de outubro de 2010
O Que Significa Odds Ratio ?
Chance = probabilidade / 1 – probabilidade; ou
Chance = probabilidade / complemento da probabilidade; ou
Probabilidade de morrer / probabilidade de não morrer = 60% / (1 – 60%) = 60% / 40% = 1.5
Vamos agora à eleição presidencial. Imaginem que um eleitor entra em sua sessão para votar. Qual a probabilidade de que ele vote em Dilma? Qual a chance de que ele vote em Dilma?
De acordo com as últimas pesquisas, Dilma tem 50% dos votos (0.5). Neste caso, sua probabilidade de receber o voto deste eleitor é 50%. Mas sua chance de receber o voto é 1. Ou seja, a cada eleitor que entra para votar, Dilma tem 0.5 de probabilidade de receber um voto e 1 – 0.5 de probabilidade de não receber um voto. Desta forma, a chance de Dilma é 1.
Se Serra tem 27% dos votos, sua probabilidade (risco) de receber o voto é 27%. Mas sua chance de receber o voto é 0.37
Agora, se dividirmos a chance de Dilma pela chance de Serra, obteremos o Odds Ratio (razão de chances) de Dilma em relação a Serra.
Percebam que isso é diferente de probabilidade. Ou seja, a probabilidade (risco) de Dilma ganhar é 50%, comparado a 27% de Serra. Desta forma, o risco relativo de Dilma em relação a Serra é 50%/27% = 1.9. Ou seja, o risco relativo não é o mesmo que odds ratio.
Odds Ratio é uma medida mais intuitiva quando nós pensamos em apostas. Por exemplo, se fôssemos apostar dinheiro no BAVI. Precisaremos saber qual o odds do Bahia ganhar. Digamos que historicamente esse odds é 2, ou seja, 2/1. Isso que dizer que a cada 3 jogos, o Bahia ganha 2 e o Vitória ganha 1. Então se nós apostarmos no Bahia em 3 BAVIs consecutivos, vamos ganhar dinheiro em 2 BAVIs e perder em apenas 1 BAVI. Ou seja, sairemos ganhando. Desta forma, fica fácil entender o motivo da existência desta medida, nos dá uma boa noção de quantas vezes vamos ganhar em um total de vezes em que apostamos. Para isso existe o odds = chance.
No entanto, em estudos médicos sobre marcadores de risco ou terapias cujo intuito é reduzir o risco, a medida de risco tem mais importância do que a medida de chance. Por isso se prefere falar em risco. Mas então porque vemos a utilização de odds ratio em alguns trabalhos?
Por exemplo, o INTERHEART é um estudo caso-controle que selecionou 15000 pacientes com história de infarto e 15000 sem história de infarto. Não podemos calcular a incidência de infarto (risco), pois estes já ocorreram e o número de infartados foi artificialmente planejado para ser igual ao número de não infartados. Neste estudo, não podemos saber o risco relativo do dislipidêmico ter infarto (risco dislipidêmico / risco não dislipidêmico). O que podemos calcular é o odds ratio do dislipidêmico. Ou seja, calculamos o odds do dislipidêmico ser do grupo infarto e o odds do não dislipidêmico ser do grupo infarto. Dividindo as duas odds, o estudo relatou um odds ratio de 3.8. Significa que um dislipidêmico tem uma chance 3.8 vezes maior de ser infartado do que um não dislipidêmico.
O segundo motivo do uso de odds ratio é quando este é derivado de análise multivariada de regressão logística. Por motivos matemáticos que fogem ao escopo deste Blog, a análise de regressão logística utiliza o conceito de odds.
Um erro freqüente é a leitura do odds como se fosse risco. Odds ratio de 3.8 não quer dizer risco 3.8 vezes maior. Isso não é risco, pelos motivos já expostos. No entanto, quando o desfecho é raro, com uma freqüência menor que 10%, as medidas do odds ratio e do risco relativo se aproximam. Mas em um desfecho freqüente, embora as duas medidas indiquem um fenômeno na mesma direção, o odds ratio tende a superestimar a força de associação, quando comparado ao risco relativo.
Voltando à eleição de hoje, o odds ratio de Dilma em relação a Serra é 2.7. Se é maior que 1, podemos dizer que a chance dela ganhar é maior do que a chance dele ganhar. Numericamente, em cada quatro eleições Dilma ganharia 3 (2.7) e Serra ganharia uma.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Declaração de Conflitos de Interesse - Dá para Confiar? por Júlio Braga
sábado, 25 de setembro de 2010
Análise Crítica da Literatura por Braúlio Luna
Congresso PanAmericano da Sociedade de Hospitalistas
sábado, 7 de agosto de 2010
Ensaio sobre o Efeito Placebo
Em medicina, temos várias demonstrações do efeito placebo. Vejamos alguns exemplos.
Ultimamente tenho me surpreendido com a quantidade de pacientes idosos que relatam ter melhorado da dor em joelho após uso de Glucosamina.. Alguns mandam até buscar no exterior. Como os pacientes me perguntam se há efeito cardiovascular adverso, resolvi ler sobre o assunto e me surpreendi com um grande ensaio clínico randomizado (GAIT Trial), metodologicamente bem desenhado, publicado no New England Journal of Medicine, demonstrando que Glucosamina tem o mesmo efeito do placebo no controle da dor em joelho. Ou seja, não há eficácia relacionada ao princípio ativo da substância.
Outro clássico exemplo: acupuntura para dor lombar. O último número do New England Journal of Medicine traz uma discussão sobre esse tratamento e cita ensaios clínicos randomizados que mostram ser o efeito analgésico da acupuntura na dor lombar semelhante ao efeito do sham (simulação) de acupuntura. O principal estudo foi publicado no Archives of Internal Medicine e randomizou 638 pacientes para três grupos: acupuntura, simulação de acupuntura e ausência de intervenção. Os pacientes que não fizeram nada não experimentaram melhora da dor. Já os pacientes de acupuntura obtiveram melhora de seu sintoma, porém a melhora foi experimentada de igual maneira pelos pacientes que foram submetidos apenas à simulação.
Ou seja, pelo menos em relação à dor lombar, acupuntura não tem eficácia além do placebo. Não sei quanto às outras indicações, pode ser até que para outra coisa este tratamento seja eficaz. Existe até alguma plausibilidade biológica, visto que teoricamente o tratamento pode estimular terminações nervosas. Mas eu nunca pesquisei a respeito de outras situações clínicas. Aos amigos acupunturistas, comentem sobre as evidências sobre as outras indicações.
Já a homeopatia, essa carece de qualquer plausibilidade biológica (vide postagem prévia) e está bem demonstrado que não há benefício. Não é falta de evidências, é evidência de que não é benéfico. Como já comentado anteriormente, o parlamento inglês realizou uma excelente revisão sistemática sobre o assunto, concluindo que o sistema de saúde público não mais deveria pagar nenhum tipo de tratamento homeopático.
Já mencionamos também que antidepressivo em paciente com depressão leve não traz benefício além do placebo, isso comprovado por uma revisão sistemática que também foi tema de postagem prévia.
Ao passo em que estas evidências falam contra eficácia de certas condutas médicas, estas são também evidências de que existe de fato um efeito placebo. Verifiquem que estes exemplos sempre correspondem à esfera de tratamento da dor ou humor. Estas são as situações mais susceptíveis ao efeito placebo. Em situações relacionadas a desfechos clínicos maiores, do tipo morte cardiovascular, é pouco provável o efeito placebo.
A questão que merece reflexão é a indicação de tratamentos com base apenas no efeito placebo. Muitos argumentam que o importante é o que o paciente melhore, independente se o efeito é placebo ou não. Essa é uma discussão sociológica. Imaginem uma sociedade que aceite uma série de condutas sem eficácia comprovada. Iria virar algo meio anárquico, não acham? Voltaríamos ao tempo do curandeirismo? Correríamos o risco de perder o norte científico para definição de condutas médicas. Seria uma regressão, uma involução que geraria desaparecimento do paradigma da medicina baseada em evidências científicas. Cada um faria o que deseja sob o argumento do efeito placebo. Por isso, acho este raciocínio um tanto perigoso. Mas isso é uma questão de debate.
Além disso, o efeito placebo requer que o paciente acredite que a terapia seja cientificamente eficaz. Portanto há uma questão ética em usar uma terapia sob a premissa de eficácia, sabendo-se que no fundo o efeito é apenas placebo. Além do mais, algumas destas terapias tem custo elevado. Seja custo financeiro, seja custo relacionado a efeitos adversos. Antidepressivos quando aplicados a pacientes com depressão leve têm apenas efeito benéfico proveniente do placebo, porém tem efeitos farmacológicos adversos conhecidos de todos nós.
Portanto, sob o paradigma da medicina baseada em evidências, o efeito placebo não deve justificar uma conduta terapêutica. A não ser quando falamos de medidas de estilo de vida. Recomendar uma boa sessão de cinema a um paciente com câncer vai lhe tornar mais seguro e gerar um bem estar, que pode ter benefícios clínicos. Ou recomendar atividade física, uma sessão de Yoga, relaxamento, tudo isso sem a máscara da premissa de eficácia clínica, porém com um benefício psicológico verdadeiro.
Quanto à pulseira EFX, a indicação depende do gosto. Se a pessoa considerar elegante, deve usar. O problema é que, como diz um amigo meu, essa pulseira é gin (cafona). Até nisso, o uso é duvidoso.
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Pesquisa do CREMESP
Abaixo alguns dados que considero mais relevantes:
93% dos médicos afirmam ter recebido produtos, benefícios ou pagamentos da indústria considerados de pequeno valor nos últimos 12 meses. 37% receberam presentes de maior valor, tal como viagens para congressos nacionais ou internacionais.
38% dos médicos costumam prescrever de acordo com a recomendação do representante da indústria.
Uma constatação mais grave, e portanto esta pergunta não foi feita de forma pessoal: 28% souberam de médicos que recebem comissão por procedimentos, medicamentos, órteses/próteses indicados.
Essa é a pior delas, ou seja, receber dinheiro diretamente pela prescrição de medicamentos ou indicação de procedimentos.
A pesquisa também perguntou o que os médicos achavam do tipo de relação que hoje existe com a indústria e infelizmente 62% dos médicos avaliam positivamente a relação do profissional com a indústria de medicamentos, órteses/ próteses e equipamentos médico-hospitalares.
Por outro lado, 35% fazem críticas à indústria, principalmente por causa da relação comercial, dos interesses financeiros e influências na prescrição.
Alguns depoimentos mostram divergência de opinião em relação à indústria:
“Eles oferecem atualizações, informações sobre novos medicamentos, pagam viagens para congressos sem pedir nada em troca, ou seja, sem querer obter vantagens, sem forçar que prescrevamos os seus medicamentos, não existe troca de favores”.
“É relação mercenária, eles tentam subordinar e manipular os médicos para que usemos determinados materiais, geralmente isso ocorre com representantes de órteses e próteses”.
Como contraponto da tudo isso, o CREMESP lembrou algumas regulamentações existentes, evidenciando que a relação com a indústria é não só antiética, mas é também ilegal.
Em vigor desde 13 de abril de 2010, o novo Código de Ética Médica dispõe sobre a necessidade da relação ética e da eliminação de conflitos de interesse entre profissionais e empresas de produtos de prescrição médica.
É vedado ao médico: Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.
Art. 69. Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.
Parabéns ao CREMESP e a Dr. Bráulio por expor de forma objetiva a realidade da inadequada relação da comunidade médica com a indústria farmacêutica. As resoluções do CFM nos deixam otimistas em predizer uma tendência de que este tipo de conflito de interesse tenha sua prevalência reduzida. Afinal, isso não é mais uma questão de opinião, agora é lei de acordo com o Código do Ética Médica. Infringir o Código é uma atitude incontestavelmente inadequada. Chegará o dia em que os pacientes poderão acreditar que a prescrição que recebem é a melhor para sua saúde e não a melhor para as viagens ou conta bancária do médico.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Copa do Mundo e Coração
Este foi um estudo realizado durante a Copa da Alemanha, nos arredores de Munique, o qual quantificou o número de atendimentos por síndromes coronarianas agudas nos dias de jogos da Alemanha, comparando com dias em que a Alemanha não jogou e com épocas fora da Copa do Mundo. Interessante a observação de que a incidência de eventos cardiovasculares em dias de jogo da Alemanha foi em média 2.6 vezes maior quando comparado aos dias sem jogos da Alemanha. Mais interessante ainda é observar um gradiente crescente entre a incidência de eventos de acordo com a dificuldade do jogo. Por exemplo, os jogos que se associaram a maior risco foram as quartas de final (Alemanha x Argentina) e a semifinal (Alemanha x Itália), comparados aos jogos da primeira fase. Já o jogo que disputou o terceiro lugar na Copa (Alemanha x Portugal) não apresentou aumento na ocorrência de eventos cardiovasculares, pois aí não tinha mais emoção. Isto é o que se chama de relação dose-resposta (dose de estresse e resposta de eventos), que é um dos critérios de causalidade. Interessante notar que os eventos decresciam em número na medida em que as horas passavam depois do jogo, ou seja, a maior concentração de eventos ocorreu próximo ao jogo. Por tudo isso, os achados parecem consistentes.
Este é um tipo de estudo denominado ecológico, ou seja, se descreve a frequência geral de eventos, sem levar em conta o paciente individualmente. Serve para comparar dados epidemiológicos entre populações ou tendência temporal em uma mesma população, com o foi o caso deste trabalho. Claro que se fosse um estudo de coorte prospectiva, que levasse em consideração características individuais dos pacientes, os dados seriam mais consistentes. Mas para o caso aqui presente, este desenho seria impraticável, pois a probabilidade de eventos em um dado dia da vida de um paciente é ínfima, o que tornaria quase inexistente o surgimento de eventos em uma coorte com número determinado de indivíduos.
Os autores tiveram o cuidado de computar apenas os eventos que ocorreram em moradores da região estudada, para evitar o viés de aumento de eventos decorrente do aumento de pessoas na cidade, maior que em época fora da Copa.
Desta forma, podemos considerar esta evidência como provavelmente verdadeira, sendo o melhor que podemos obter em termos de dado científico. Mas além de avaliar a veracidade da informação, devemos avaliar a relevância.
Neste sentido, os autores concluíram “In view of this excess risk, particularly in men with known coronary heart disease, preventive measures are urgently needed.” Baseado nisso, poderíamos considerar que nossos pacientes cardiopatas não deveriam assistir a nenhum jogo do Brasil, ou deveriam assistir com a ambulância do SAMU na porta. Porém isso seria um exagero, provocada pela exagerada conclusão apresentada no artigo.
Baseado neste estudo, podemos inferir em termos relativos que o risco de apresentar um infarto durante o jogo do Brasil é 2-3 vezes maior do que fora do jogo. No entanto, o estudo não fez quantificação de risco absoluto. Nem poderia fazer, pois como um estudo ecológico, os autores apenas contaram quantas pessoas se apresentaram nas emergência com síndrome coronariana aguda, sem considerar o denominador, ou seja, sem calcular risco (número de eventos/número de indivíduos expostos). Sendo assim, não temos a probabilidade de um indivíduo que está assistindo a um jogo apresentar um infarto neste momento.
Na verdade, mesmo sendo 2-3 vezes maior do que em outros momentos, o risco de um indivíduo apresentar um infarto durante o jogo é ínfimo, pois aqui estamos nos referindo a apenas um dia na vida do paciente. Imaginem, quando a gente estima risco baseado no Framingham, consideramos 10 anos. Mesmo uma pessoa de alto risco em 10 anos (risco = 20%), tem uma probabilidade pequena de ter um evento cardiovascular em um dia específico de sua vida = 0.005% (20%/3650 dias). Além disso, uma pessoa não apresenta um infarto porque teve um momento de estresse, mas sim porque tem uma doença coronariana vulnerável. O estresse é apenas o gatilho. Se o gatilho não decorrer do jogo da Copa, vai decorrer de outro momento na vida da pessoa.
Afinal, a vida é feita de emoções. Este é o raciocínio que devemos aplicar quando nos questionam se um idoso cardiopata deve ir à formatura do neto, pois a emoção poderia causar um evento cardiovascular. Salvo situações de extrema instabilidade, estas pessoas devem participar da vida, devem ir à formatura, assim como assistir ao jogo do Brasil na Copa.
O artigo discutido é interessante, tem valor científico, mas seria um erro aplicar este conhecimento para limitar os pacientes de ver os jogos. Sejamos razoáveis.
Por falar nisso, este Blog entrará em recesso para assuntos científicos durante a Copa. Se conseguirmos conexão de internet na África do Sul, faremos uma cobertura da Copa on line, sempre sob o paradigma baseado em evidências.
domingo, 9 de maio de 2010
Chocolate Traz Benefício Cardiovascular?
Estes sentimentos aparentemente são despertados também em cientistas. Pela lógica, chocolate seria deletério ao sistema cardiovascular, por ser rico em gordura saturada. No entanto, está publicado ahead of print no European Heart Journal o artigo intitulado Chocolate consumption in relation to blood pressure and risk of cardiovascular disease in German adults. Este é um subestudo da coorte do European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition. Os investigadores realizaram questionário alimentar em 19000 indivíduos saudáveis, realizando seguimento prospectivo de 8 anos, o que demonstrou associação entre consumo de chocolate e menor risco de infarto e AVC. Os autores então concluem: Chocolate consumption appears to lower CVD risk, in part through reducing BP. The inverse association may be stronger for stroke than for MI. Further research is needed, in particular randomized trials. Percebam o cuidado nas palavras, cuidado muitas vezes sugerido pelos revisores dos trabalhos. Este cuidado se deve à obvia limitação do estudo, o desenho observacional.
Por outro lado, este trabalho tem duas características metodológicas que o fazem uma evidência um pouco mais consistente do que a maioria dos estudos observacionais que testam o valor de hábitos de vida. Primeiro, o estudo avalia a associação com uma possível variável intermediária na relação entre chocolate e proteção cardiovascular. Ficou demonstrado que os paciente que ingerem mais chocolate têm pressão arterial mais baixa. Portanto, o estudo vai um pouco além e calcula no modelo multivariado o quanto da proteção do chocolate se deve ao seu efeito hipotensivo. Segunda característica que diferencia este estudo é a demonstração da associação linear entre quantidade de chocolate consumido e risco cardiovascular. A avaliação utilizando variáveis contínuas tem mais consistência estatística.
O trabalho é sem dúvida interessante, porém por enquanto o interesse é do ponto de vista científico. Esta não é uma informação para ser aplicada clinicamente, nem divulgada na imprensa leiga como uma descoberta de impacto clínico. Porém como de praxe, a imprensa leiga veiculou a informação de forma determinística. Vejam alguns exemplos da notícia na imprensa leiga:
BBC News: “Chocolate can cut blood pressure and help heart”
The Guardian: “It's official: Chocolate is good for you”
Daily Express: One piece of chocolate a day could save your heart
Precisamos testar com metodologia adequada o impacto clínico não só de drogas, mas também de hábitos de vida. Estes estudos podem mudar paradigmas de prevenção em alguns casos e em outros casos reforçar a necessidade de alguns hábitos de vida.
Enquanto isso, podemos comer chocolate de forma romântica e moderada, para talvez no futuro comermos de forma cientifica.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
O Benefício Cardiovascular do Álcool: Mito ou Realidade?
As evidências a respeito do teórico efeito benéfico do álcool são provenientes da análise de desfechos em estudos observacionais ou análise de efeitos fisiológicos. A mais citada referência é aquela que descreveu o paradoxo francês, termo que se refere à baixa prevalência de doença cardiovascular entre os franceses, apesar da alta ingestão de gordura saturada. De forma apenas hipotética, se atribui este paradoxo ao hábito quase diário dos franceses em consumir vinho de forma moderada. Este é um estudo do tipo ecológico, onde se compara a prevalência de doença entre populações, sem levar em conta os participantes de forma individual. Por este motivo, o nível de evidência de um estudo ecológico é bem menor do que um estudo de coorte prospectiva.
Há também estudos de coorte sugerindo associação entre uso moderado de álcool e menor risco cardiovascular. O grande problema é que estes estudos são vulneráveis ao efeito do usuário saudável, onde o uso de vinho seria apenas um marcador de bons hábitos de vida ou de melhor status social. Mesmo após ajuste por análise multivariada, sabe-se que pode haver efeito residual de variáveis de confusão, provocando associações não verdadeiras. O maior exemplo do efeito do usuário saudável é o da terapia de reposição hormonal. Esta terapia possui plausibilidade biológica de ser benéfica (tal como o álcool) e estudos observacionais sugerindo efeito protetor contra doença cardiovascular (tal como o álcool). Mesmo assim, quando os ensaios clínicos randomizados foram realizados, verificou-se que esta terapia não só carece de benefício, como também traz malefício cardiovascular.
Um estudo de coorte que ilumina nossas mentes a respeito deste assunto é a publicação do Prof. Flávio Fuchs no American Journal of Epidemiology 2004, com dados provenientes da coorte do ARIC (Atherosclerosis Risk in Communities Study). Flávio observou que em brancos americanos o consumo moderado de álcool é associado menor risco cardiovascular, porém em negros esta observação não está presente. Isto sugere que o álcool pode ser apenas um marcador da condição de saúde, hábitos de vida e melhor status social. A minoria negra americana tem pior status social e carece de bons hábitos de vida. Por isso o álcool não consegue ser marcador de boa condição de saúde em negros.
Este mesmo estudo demonstrou que não há associação entre o tipo de bebida e risco cardiovascular, sugerindo que a particularidade do vinho é o perfil das pessoas que fazem uso, não um efeito protetor específico.
No número corrente do Circulation, foi publicada uma revisão sobre o efeito do álcool em pacientes portadores de doença cardiovascular. Neste caso de prevenção secundária, há também evidências epidemiológicas de associação com melhor desfecho cardiovascular. No entanto, o artigo chama atenção de que esta é uma população mais vulnerável aos efeitos maléficos do álcool: piora controle pressórico, causa hipertrigliceridemia, predispõe a obesidade, fibrilação atrial, reduz limiar para fibrilação ventricular, pode ter efeito aditivo com aspirina para provocar sangramento digestivo, aumenta a atividade do citocromo P450. Por isso tudo, também há plausibilidade biológica para efeito cardiovascular maléfico do álcool.
O ideal seria a realização de um ensaio clínico randomizado. Só que seria muito difícil de realizar, pois pessoas que fazem uso corrente de álcool não vão aceitar se forem randomizadas para não tomar mais nenhum drink por vários anos. Da mesma forma, pessoas abstêmias, não vão querer ser randomizadas para tomar drinks com certa freqüência. A única possibilidade seria randomizar para diferentes doses de álcool e ver a relação dose-resposta. Mas convenhamos que seria difícil controlar isso na prática.
Sempre que se levanta esta discussão surge o legítimo argumento de que não podemos esperar ensaios clínicos para tomar conduta em todos os casos. Isso é verdade, o que precisamos fazer é avaliar quais os casos em que se justifica considerar uma verdade científica baseada em estudos observacionais e os casos em que não se justifica. Por exemplo, tabagismo. Aqui a pessoa já fuma e o ensaio clínico randomizaria pacientes para parar ou não parar de fumar. Porém a força de associação é muito grande entre tabagismo e doença cardiovascular/câncer nos estudos observacionais e há nítido gradiente dose-resposta, tornando bem provável que a associação seja verdadeira. Além disso, existe mais plausibilidade do efeito maléfico do tabagismo do que do efeito benéfico do álcool. E não há plausibilidade de efeito benéfico para tabagismo, enquanto há plausibilidade de efeito maléfico do álcool. Desta forma, julga-se que não é necessário um ensaio clínico para acreditar que tabagismo é um fator de risco. Percebam que a medicina baseada em evidências propõe uma análise discriminatória entre os casos em que se deve almejar um ensaio clínico e casos em que nos contentamos com o estudo observacional.
Desculpem-me os amantes do vinho. Reconheço que é mais divertido curtir um bom vinho pensando no benefício cardiovascular. Talvez depois de duas taças de vinho eu venha concordar com evidência a favor do álcool. Porém como dia de quarta-feira geralmente não bebo, hoje considero um mito o benefício cardiovascular do álcool.