quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sibutramina: Segundo Capítulo

Ontem na Globonews:
A substância sibutramina, utilizada no tratamento da obesidade, continuará liberada no Brasil, informou 1 o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo, nesta terça-feira (26). Segundo ele, o órgão fará um alerta sobre os riscos cardiovasculares trazidos pelo medicamento, mas não irá proibi-lo.


Como vemos, A ANVISA optou pela mesma decisão do FDA, diferente da EMA (agência européia) que suspendeu a comercialização da droga. O argumento para manutenção da droga no mercado é o conhecimento de que o aumento de risco foi demonstrado em um estudo (SCOUT, ainda não publicado) que se limitou a pacientes com doença cardiovascular ou diabéticos.

E quanto aos pacientes sem doença cardiovascular ou diabetes? Primeiro, devemos sempre ter em mente o princípio de que ausência de evidência não é evidência de ausência. Ou seja, a ausência de evidência de malefício, não uma evidência de que não há malefício. Só seria evidência se houvesse um estudo com tamanho amostral suficiente para detectar aumento de eventos com a Sibutramina nestes pacientes. E este tamanho amostral seria muito maior que os 10.000 do estudo SCOUT, pois provavelmente a incidência de eventos é menor neste grupo.

Mas alguém poderia argumentar que se é necessário um tamanho amostral tão grande para demonstrar um risco, provavelmente o risco não é de grande relevância. Isso é verdade. Então vem o segundo princípio: o que justifica o uso de uma droga é o benefício que esta droga traz. A segurança é um item necessário, mas não suficiente. O problema é a mania de propor o uso de coisas, só porque não fazem mal. “Vamos comprar um monte vitaminas na farmácia e começar a tomar, pois se não fizer bem, não faz mal.” O que precisamos considerar é que este estudo só incluiu pacientes com doença cardiovascular, pois nestes a chance de encontrar benefício seria maior. Assim fazem os ensaios clínicos em prevenção primária. Por exemplo, todos os ensaios clínicos que demonstram redução de eventos em hipertensos estudaram apenas pacientes com alto risco cardiovascular, pois são nestes se consegue demonstrar benefício com mais facilidade. Então, se o benefício cardiovascular da Sibutramina não foi demonstrado em quem mais precisava deste benefício, é menos provável ainda que a droga seja benéfica nos pacientes de baixo risco cardiovascular.

Sendo assim, mesmo que a droga não aumente risco em pessoas sem doença cardiovascular (?), ela não é benéfica do ponto de vista clínico. Então para que manter no mercado uma coisa que não é benéfica? Lembro mais uma vez que o objetivo principal do tratamento da obesidade é reduzir eventos cardiovasculares e incidência de diabetes. A perda de peso é um desfecho intermediário na obtenção do real objetivo.

Por outro lado, há um terceiro princípio: medicina não é feita só para prolongar a vida, um outro objetivo é melhora de qualidade de vida. Se tivéssemos uma melhora substancial da qualidade de vida nos pacientes que usam Sibutramina, talvez se justificasse a permanência da droga no mercado. Este é o caso da terapia de reposição hormonal. Embora aumente risco de eventos cardiovasculares (dado demonstrado em mulheres com mais de 50 anos), tem algumas mulheres muito sintomáticas, nas quais o pequeno risco absoluto compensa o enorme benefício na qualidade de vida. Mas este é o caso da Sibutramina? Há dados convincentes sobre qualidade de vida? Qual o ganho de peso após a suspensão da droga? Muitas apresentam sintomas freqüentes e intensos durante o uso da droga, não?

Em minha árvore de decisão clínica, me parece a Sibutramina muito diferente do caso da reposição hormonal. Desta vez, gostei mais da decisão européia.

2 comentários:

  1. Não disse que o assunto era polêmico? Vi a nota do diretor da ANVISA onde diz que em fevereiro a agência dará um parecer sobre a Sibutramina. (Ou ele está esperando os funcionários voltarem das férias ou vai emitir uma nota em meio ao carnaval para a mesma passar despercebida...). Os pró-sibutramina já se manifestaram, dizendo que os possíveis riscos da medicação já são expressos na bula (comentário do próprio Alfredo Halpern, ex-presidente da ABESO). E como obesidade está na moda (ou vivemos uma epidemia...) a mídia vai no senso comum de “ah, mas emagrece...” já vi uns 3 depoimentos de mulheres que dizem só controlar seu peso com a sibutramina. (confiram em http://videos.r7.com/sonho-do-corpo-perfeito-leva-mulheres-a-usar-remedios-para-emagrecer/idmedia/9784782969ba10bac02416dcbab17518.html)

    Polêmica a parte, no que diz respeito a medicina baseada em evidências, algumas questões aparecem nesse contexto. Todo delineamento de estudos são pautados nos questionamentos dos pesquisadores. Se o SCOUT disse que para pacientes com DM ou risco cardiovascular há evidências científicas de um endpoint desfavorável, pois bem. Para esse grupo de interesse, a droga não é recomendável. Porem, se mudarmos nosso delineamento, tirando os pacientes com risco cardiovascular (que, por essa característica inerente da amostra, é mais susceptível a tais afecções) será que os pacientes que emagrecem com a sibutramina têm uma curva de sobrevida para eventos cardiovasculares com diferença estatisticamente significante em relação ao grupo controle? Pois se a obesidade trás risco cardiovascular e metabólico, ser preventivo e reduzir o excesso de peso com a sibutramina antes que tais problemas apareçam pode ter melhor desfecho do que usá-la quando tais complicações já se instalaram. É uma questão de pensarmos: se a sibutramina, por seus efeitos no sistema nervoso autônomo, trás riscos cardiovasculares, será que tais risco são superados com a perda de peso causada pelo mesmo? Anfetaminas reduzem peso, mas não aumentam a curva de sobrevida... Para respostas com evidências científicas uma boa metodologia é indispensável...

    E ainda tem mais um complicador: nos pacientes obeso cujo tratamento é fármaco-dependente, o segmento é por toda vida... Cada indivíduo, em seu infinito particular, se adapta melhor e tem maior perda de peso com determinada medicação. A suspensão do tratamento trás em dado intervalo o ganho do peso perdido. Mas, como dito, perda de peso é desfecho intermediário, o verdadeiro endpoint fica em aberto: “com a redução de peso há redução do risco cardiovascular que a obesidade trás?”

    Enfim, na dúvida, cautela na aderência a modismos de uso é fundamental!

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  2. Exatamente, cautela significa esperar evidências quando não estamos diante do paradigma do para-queda. Há plausibilidade para que Sibutramina seja benéfica, mas se quiser, consigo argumento de plausibilidade para que esta seja maléfica. Evidências resolveriam a questão.
    Para mim, a ANVISA está esperando o que vai acontecer. Até fevereiro vão sentir o clima, vão ver se o FDA mudou de posição e depois decidir. Pena que não temos opinião própria.

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