sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Disfunção Erétil e Escore de Framingham

Quanto Incorporar um Novo Marcador de Risco na Prática Clínica?
Inúmeros são os artigos sobre marcadores de risco publicados semanalmente em revistas de alto impacto. Todos estes biomarcadores demonstram ser preditores independentes de risco cardiovascular. Mas será que devemos incorporar todos em nossa prática clínica? Claro que não, até mesmo porque são tantos que seria impossível. Precisamos julgar qual marcador de risco faz diferença do ponto de vista clínico.
Ser um preditor independente de risco é prova de conceito de que o marcador tem ligação direta com processos fisiopatológicos que podem influenciar no desfecho do paciente. Mas não é condição suficiente para que este passe a ser utilizado na prática clínica. Um artigo publicado esta semana no Journal of the American College of Cardiology intutilado "Does Erectile Dysfunction Contribute to Cardiovascular Disease Risk Prediction Beyond the Framingham Risk Score?" indica que a presença de disfunção erétil (avaliado por um questionário) é um preditor de risco independente do Escore de Framingham. O que isto quer dizer? Vale a pena acrescentar disfunção erétil na nossa predição de eventos cardiovasculares. Ou seja, disfunção erétil deve agora fazer parte do Escore de Framingham?

Para um marcador ser incorporado na prática clínica, é necessário que este incremente o valor prognóstico do modelo preditor usualmente utilizado. E nem todo preditor independente adiciona valor prognóstico de forma relevante. É a diferença de significância estatística (predição independente) e significância clínica (valor incremental). Para saber se há valor incremental, o investigador deve comparar a estatística-C (área abaixa da curva ROC) do modelo preditor usual (no caso, o Escore de Framingham) com a estatística-C de um novo modelo preditor formado da associação do Framingham com o novo marcador em questão. Caso haja um incremento de pelo menos 0.05 na estatística-C significa que o novo marcador agrega valor prognóstico. O artigo mencionado faz esta análise e mostra que a estatística-C no escore de Framingham é 0.691, comparada à estatística-C do Framingham + disfunção erétil de 0.695. Ou seja, nada mudou e não se justifica usar o questionário de disfunção erétil para influenciar nossa estimativa de prognóstico. Além da estatística-C, pode-se avaliar o valor incremental pela análise de reclassificação, mas este item deixaremos para uma próxima postagem.

Precisamos ficar atentos, pois é comum um autor propor a utilidade de um novo marcador tendo como justificativa apenas o valor preditor independente. Por muitos anos o pesquisador Paul Ridker propôs a utilização de proteína C-reativa como preditor de eventos cardiovasculares, baseando-se apenas em seu valor preditor independente. Depois se percebeu que este marcador não tem valor adicional ao escore e Framingham.

Da mesma forma que o valor de uma terapia depende mais do número necessário a tratar para obter o benefício (NNT) do que do nível de significância estatística (condição necessária, mas não suficiente), o valor de um marcador prognóstico depende mais do seu incremento na estatística-C do que do valor de P na análise multivariada (condição necessária, mas não suficiente).

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