Há inúmeros exemplos de conflitos entre a comunidade e evidências científicas de alta qualidade. Estas situações provocam desconsideração da ciência em prol da popularidade. O mais recente e ilustrativo exemplo é o da indicação de mamografia em mulheres de 40-49 anos. No final do ano passado foi publicado pelo US Preventive Services Task Force (órgão não governamental), nos Annals of Internal Medicine, uma criteriosa análise de evidências científicas, que recomendou contra a realização rotineira de mamografia nesta população-alvo (Ann Intern Med. 2009;151 (10):716-726). Esta recomendação provocou forte reação por parte de vários setores da sociedade: imprensa leiga, políticos, médicos radiologistas e mastologistas, que contagiaram o público leigo com a idéia de que aquelas recomendações eram estapafúrdias e irresponsáveis. Durante as discussões presenciadas na CNN, Jornal Nacional, Folha de São Paulo, Jornal A Tarde (para citar alguns de fácil acesso entre nós), pouco se falou de evidências científicas.
Passadas algumas semanas e acalmados os ânimos, o JAMA publicou em seu último número 4 editoriais diferentes, onde os autores foram unânimes em reconhecer que o Task Force está correto. A questão é simplesmente de ponderar risco e benefício. Mamografia (que é um exame de acurácia medíocre) apresenta benefícios (prevenção de morte especificamente por câncer de mama) e malefícios (falsos diagnósticos de câncer de mama). Na faixa etária de 40-49 anos, se precisa realizar screening anual em 2.000 mulheres para prevenir uma morte do câncer de mama, ou seja, a magnitude do benefício é pequena. Tão pequena que não há certeza que existe, pois a significância estatística é boderline. E o maior problema é que tudo isso ocorre à custa de uma grande quantidade de diagnósticos errados, podendo chegar (pasmem) a 400 falso-positivos em cada 2.000 mulheres que realizam mamografia anual no período de 10 anos. Ou seja, para cada morte (por câncer de mama) prevenida, ocorrem 400 diagnósticos falso-positivos. Estes falso-positivos têm conseqüências psicológicas e físicas (biópsias desnecessárias). Mas o pior é que vários destes casos de falso-positivos não são corrigidos pelo resultado da biópsia. Estimativas provenientes de ensaios clínicos sugerem que, dentre estas 2.000 mulheres, 10 delas são tratadas com cirurgia, quimioterapia ou radioterapia sem ter câncer nenhum. Isso porque biópsia é um exame bom, mas não é perfeito e não corrige todos os erros da mamografia. Desta forma, mesmo reduzindo morte por câncer de mama, não será surpresa se estudos futuros mostrarem que a mortalidade total não se altera ou até mesmo aumenta. Há necessidade de estudos maiores para responder esta questão.
Por estes convincentes motivos, o Task Force não recomenda mamografia de rotina, devendo esta decisão ser individualizada pelo perfil de risco da paciente. O problema é que essa recomendação não é popular. Popular é o sensacionalismo da imprensa leiga interessada em aumentar sua audiência, dos políticos interessados em aumentar seu número de votos e até mesmo de médicos preocupados com a diminuição de sua receita.
A Medicina é voltada para prevenir mortes, mas também para promover qualidade de vida. Não há sentido em sugerir uma conduta de rotina cujo benefício é mínimo (se houver), ao custo de piora da qualidade de vida de um grande número de pessoas. Por fim, lembro mais uma vez que todas estas colocações dizem respeito ao uso indiscriminado, de rotina, em todas as mulheres de 40-49 anos.
Esta mesma reflexão se aplica ao screening de doença coronária em pacientes assintomáticos. Precisamos refletir e discutir mais estes assuntos.
Parabéns pelo Blog Luis. Muito úteias as discussões e excelente qualidade dos tópicos. Deveria ser indicado como consulta para os estudantes de medicina...
ResponderExcluirGrande abraço
Bruno,
ResponderExcluireste Blog será uma das ferramentas de minha disciplina na Bahiana.
Um abraço,
Luis.
Essas coisas ficaram mais populares depois que eu me formei...
ResponderExcluirtenho uma dica interessante: http://mdsalaries.blogspot.com/
Estava vendo o quanto eu poderia ter sido rico...
Abraços
Prezado Luis, sugiro que se informe melhor (com profissionais e pesquisadores do meio) acerca do tópico. Dessa forma, sua contribuição para a sociedade seria certamente mais proveitosa.
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