segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Há Guidelines e Guidelines

Muitos ingenuamente acreditam que as recomendações contidas em guidelines obrigatoriamente representam o que existe de melhor em termos de conduta médica. Muitas vezes isso é verdade, outras vezes não. No ano passado foi publicado um interessante artigo no JAMA mostrando que um número maior que o aceitável das recomendações em cardiologia não tem embasamento em evidências. Hoje foi publicado nos Archives of Internal Medicine (Arch Intern Med. 2010;170(1):27-40) mais uma evidência neste sentido. Pesquisadores da Harvard avaliaram 27 guidelines sobre estratégias de prevenção primária em cardiologia, todos publicados por países do primeiro mundo, em língua inglesa e disponíveis no Medline. Em primeiro lugar, observou-se que 41% dos guidelines não reportaram devidamente os conflitos de interesse dos autores. Em segundo lugar, os autores avaliaram o rigor científico dos guidelines, utilizando o instrumento AGREE (Qual Saf Health Care 2003;12:18–23), que leva em consideração 7 itens: métodos de pesquisa das evidências, critérios para seleção das evidências, método para formulação de recomendações, avaliação de benefício vs. risco, nível de embasamento de cada recomendação, procedimentos de revisão externa do documento e processo de atualização do documento. Após esta criteriosa avaliação, 37% dos guidelines foram considerados de baixo rigor científico. Conseqüentemente, percebemos que não basta ser guideline para ser bom.
Este fenômeno está presente também no Brasil. Por exemplo, a Diretriz Brasileira sobre Prevenção de Doenças Cardiovasculares em Mulheres no Climatério (Sociedade Brasileira de Cardiologia) publicou em 2008 a infeliz afirmação que "existem evidências de benefícios cardiovasculares quando a TRH é iniciada na transição menopáusica ou nos primeiros anos de pós-menopausa". Este fato motivou o excelente artigo “Reposição Hormonal e Doença Cardiovascular: uma Diretriz Contrária à Evidência” do Dr. Flávio Fuchs, publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia. A última Diretriz de Dislipidemia sugeriu que o resultado da proteína C-reativa ou ultrassom de carótidas são capazes de reclassificar o risco cardiovascular dos indivíduos. Esta recomendação também é contrária ao pequeno valor prognóstico adicional que estes marcadores demonstram nos trabalhos científicos. No intuito de corrigir estas distorções, Dr. Anis Rassi Jr., quando Coordenador de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia na gestão 2006/2007, normatizou as diretrizes, com medidas tomadas para reduzir conflitos de interesses e aumentar o rigor científico das mesmas. Pena que a gestão 2008/2009 da Sociedade Brasileira de Cardiologia derrubou a normatização do Dr. Rassi, voltando à estaca zero e ao mundo dos conflitos de interesse.
O fato é que nós médicos precisamos saber analisar criticamente a qualidade dos guidelines, da mesma forma que avaliamos a qualidade de um artigo científico. Devemos lembrar que quem escreve os guidelines não são entidades divinas, são pessoas sujeitas a limitações técnicas naturais e muitas vezes a conflitos de interesse. Portanto, precisamos separar o joio do trigo. Para isso, existem os critérios AGREE de qualidade dos guidelines (Qual Saf Health Care 2003;12:18–23).

5 comentários:

  1. Parabéns luis.. muito legal o blog... estarei sempre por aqui..

    abraço

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  2. Bruno Bezerril Andrade12 de janeiro de 2010 às 09:10

    Este texto é muito útil aos médicos, professores e estudantes, Luis. Parabéns!
    Um abraço

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  3. Recebi o link o blog por e-mail com esse texto e gostei muito do material! Também virei cativo...

    Parabéns

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  4. Caro colega. Ao parabeniza-lo pelo artigo, quero lhe apresentar site relacionado: www.campanhaalerta.com.br. Tomei a liberdade de cita-lo nele. Nosso contato esta no site. Um abraco, Guilherme Barcellos

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