Considerando a atual disponibilidade da droga em questão, reeditamos o texto abaixo que foi originalmente postado no início de 2010.
Em setembro de 2009 foi publicado o estudo PLATO no New England Journal of Medicine, o qual comparou o novo antiagregante plaquetário Ticagrelor versus Clopidogrel no tratamento de pacientes com síndromes coronarianas agudas. Este foi um ensaio clínico randomizado, envolvendo 18.000 pacientes, financiado pela indústria farmacêutica produtora do novo produto. Quando comparado à terapia padrão com Clopidogrel, o Ticagrelor demonstrou redução de eventos cardiovasculares à custa de redução de infarto não fatal e óbito, em seguimento de 12 meses (9.8% vs. 11.7%, P < 0.001). Há portanto um benefício que podemos considerar verdadeiro. A segunda questão é qual a magnitude deste benefício: grande, moderada, pequena? Calculando o NNT, percebemos que precisamos tratar 52 pacientes com Ticagrelor (ao invés de Clopidogrel) para prevenir um evento cardiovascular ou tratar 91 pacientes para prevenir um óbito. Estes números (NNT > 50) indicam que o benefício não é de grande magnitude, existe eficácia anti-isquêmica, porém esta é modesta.
Geralmente se espera que um antitrombótico de maior efeito anti-isquêmico aumente sangramento, como foi o caso do Clopidogrel versus placebo (CURE) e do Plasugrel versus Clopidogrel (TRITON). De fato, isso também ocorreu com o Ticagrelor, visto que sangramento maior não relacionado a cirurgia foi mais frequente neste grupo (4.5% vs. 3.8%, P=0.03; NNH = 143). Portanto, Ticagrelor é um pouco melhor anti-isquêmico do que Clopidogrel, e um pouco mais causador de sangramento grave do que Clopidogrel. O benefício que já é modesto, fica mais modesto ainda quando percebemos que a droga tem também seu lado negativo.
Mas então, qual a vantagem desta nova droga? Existe uma certa vantagem logística, que está relacionada ao fato de que esta droga tem o efeito mais rapidamente revertido após sua suspensão, quando comparado a Clopidogrel. Em torno de 12% dos pacientes com síndromes coronarianas agudas são submetidos a cirurgia de revascularização durante o internamento. Alguns deles têm esta indicação urgente, considerando a instabilidade do quadro. Porém se foi administrado Clopidogrel antes da indicação cirúrgica, a cirurgia normalmente é adiada por 5 dias, deixando o paciente vulnerável. Mas se o pacientes estiver usando Ticagrelor, a cirurgia pode ser realizada após apenas 24 horas de sua suspensão, mais rápida do que no paciente que usa Clopidogrel. No Plato, a incidência de sangramento grave relacionado à cirurgia foi semelhante nos grupos Ticagrelor e Clopidogrel, com a vantagem de que Ticagrelor foi suspenso no mínimo 24 horas antes e Clopidogrel no mínimo 5 dias antes.
Porém devemos fazer algumas ressalvas: primeiro, o estudo avaliou pacientes de moderado a alto risco para eventos isquêmicos recorrentes (por exemplo, 80% com troponina positiva, 60% com infradesnível do ST). Para pacientes de menor risco (e menor probabilidade de cirurgia de emergência) a magnitude do benefício deve ser menor ainda, sem o benefício de menor sangramento cirúrgico. Para estes, ficaria mais bem indicado o Clopidogrel, principalmente naqueles com alto escore de risco para sangramento; segundo, o estudo PLATO estudou conjuntamente duas patologias diferentes (IAM com supra e SCA sem supra). Misturou apples and oranges. Embora a análise de subgrupo sugira que o efeito é consistente nos dois grupos, o ideal do ponto de vista metodológico é que haja estudos diferentes para patologias tão diferentes e de tratamentos diferentes. Terceiro, 20% do grupo Clopidogrel não utilizou dose de ataque.
Desta forma, embora o Ticagrelor seja uma evolução farmacológica, não é uma panacéia. Ainda há muito espaço para a indicação do Clopidogrel. Uma equação envolvendo magnitude de benefício, risco de sangramento e custo da nova terapia permitirá uma decisão individualizada a respeito de qual das duas drogas deverá ser usada.
Luis Cláudio, perfeito mais uma vez. Diante da panasseia de propaganda do Ticagrelor, precisamos ter bom senso e buscar o que manda o código de ética médica em seu artigo 5o "que o médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente". Contudo, aprimorar-se implica em usar o conhecimento de forma crítica e contextualizada ou incorreremos na "SÍNDROME DO ÚLTIMO ARTIGO", como ocorreu recentemente com o CHADSVASC.
ResponderExcluirMarcia Cristina/Recife.
Concordo Márcia, é verdade. Quanto à síndrome, não tenho nada contra o último artigo, desde que este seja convincente. No caso do CHADSVASc, não tinha artigo que embasasse aquela recomendação do Guideline Europeu
ResponderExcluirNão acredito que o medicamento em causa, seja uma panaceia. Realamente não acredito.
ResponderExcluirBoa noite. a todos, como fica a dispinéia, prevalência, manejo, restrições, ainda existe uma controvérsia, o laboratório posiciona-se quanto a suspensão em 24horas do Ticagrelor, para se fazer uma cirurgia evitando o risco de sangramento. Contudo na bula existe uma informação para se esperar 05 dias.
ResponderExcluirA bula se refere a suspensão de 5 dias para cirurgia ELETIVA. O Plato é um estudo em SCA, onde a cirurgia não era eletiva. No estudo, os pacientes podiam ser operados com 24 horas de suspensão da droga.
ResponderExcluirDepois do CHADSVASC no guideline europeu de FA. O novo guideline europeu de SCA sem supra ST(http://www.escardio.org/guidelines-surveys/esc-guidelines/Pages/ACS-non-ST-segment-elevation.aspx) coloca o clopidogrel em 3o plano -> "Clopidogrel (300-mg loading dose, 75-mg daily dose) is recommended for patients who cannot receive ticagrelor or
ResponderExcluirprasugrel - IA".
É isso aí, uma demonstração cabal que Guidelines devem ser analisados criticamente também. Há conflitos de interesse fortes.
ResponderExcluirSeu Blog foi um achado, sempre estou visitando. Parabéns pela análise e visão independente. Tenho divulgado seu blog em minha rede no twitter e facebook num grupo de Medicina & Saúde.
ResponderExcluirVocê acredita mesmo que um NNT de 91 seja modesto? Levando-se em consideração a somatória de infarto com supra e sem supra no Brasil chega a aproximadamente 700.000 pessoas/ano, se fizermos uma conta simples chegaremos ao número de mais de 7.500 óbitos a menos com pacientes tratatos com ticagrelor. Isso é modesto? Isso sem levarmos em conta os "maus respondedores" a clopidogrel que, segundo os estudos, podem chegar a 30%. Algo que não acontece com ticagrelor. Outra coisa é o início rápido de ação do ticagrelor. No estudo onset/offset (fase II) verificou-se que em 30minutos o ticagrelor alcançou uma IAP de 41% versus 8% de clopidogrel (600mg)no mesmo período e com 2 horas ticagrelor alcançou 89% de IAP versus 38% de clopidogrel (600mg). Para um paciente em emergência de atendimento isso não faz diferença?
ResponderExcluirNão compreendi o por quê da ênfase ao sangramento maior não relacionado à cirurgia já que o estudo Plato demonstrou que se observarmos todas as variantes de sangramento maior o resultado foi de 11.6% para ticagrelor e 11.2% para clopidogrel, ou seja, sem diferenças estatísticas demonstrando a segurança de ticagrelor. Em relação a dose de ataque de clopidogrel não ter sido dada a 20% da população do estudo isso se deve ao fato de a dose de 600mg era dada, se o pesquisador assim desejasse, somente aos pacientes que eram direcionados para a angioplastia.
Agradeço o espaço aberto para comentários.
Luis Claudiop, cumprimentos pelo seu trabalho aqui.
ResponderExcluirPergunto se seria possível colocar as principais referências nos seus textos?
Abraço,
Enio Casagrande
Em um serviço de urgência e emergência, o médico responsável pelos fármacos padronizou o ticagrelor. Segundo ele, seria bem indicado para pacientes com possível indicação cirúrgica. Pergunto, tratando-se de um serviço de urgência e emergência pré-hospitalar, faz sentido?
ResponderExcluirSou farmaceutico desde 1975.Sempre desconfiei de medicamentos caros associados ao interesse de propagandistas em saber qual medico os estaria receitando,com o intuito de reforcar a publicidade.'A dez anos atras quando existia um medicamento caro,o medico dava a receita e com posse desta era entregue na farmacia que por sua vez entregava a distribuidora que encaminhava ao fabricante para que o paciente tivesse um desconto.Hoje as coisas estao mais sofisticadas,ao se comprar alguns produtos,basta se cadastrar,dando seu nome e o CRM do medico que o receitou.Ora,se o laboratorio quer dar um desconto,qual seria o motivo de recolher a receita(anos 2000)ou hoje,saber o CRM do medico.No minimo nao parece alguma jogada que tenha algum retorno????????????hein hein?????
ResponderExcluirO anônimo que escreveu 21 de outubro quando tiver um evento coronariano será salvo por ticagrelor ou por fatores múltiplos no qual um estudo patrocinado por uma indústria que fatura bilhões com a venda do remédio patrocinou? Não temos médicos, gazes e medicamentos básicos. Recomendo andar com ticagrelor no bolso e Nossa Senhora no outro.
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