Em julho deste ano foi liberada pela Food and Drug Administration (FDA), a comercialização da nova droga da Novartis para tratamento de insuficiência cardíaca, o LCZ696, comercialmente denominado de Entresto. Este tratamento foi avaliado pelo FDA em regime prioritário (fast track designation), o que permitiu uma liberação mais rápida que o habitual. No Brasil a droga está em fase de avaliação pela ANVISA, de forma semelhante ao que ocorre nos países da União Européia e Canadá.
Esta perspectiva nos motivou a revisitar a análise que fizemos no ano passado, à época da publicação do estudo PARADIGM-HF, o qual demonstrou que o LCZ696 é mais eficaz do que o enalapril no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca sistólica.
O entusiasmo por este novo tratamento se deve ao fato deste ser o primeiro em 20 anos a demonstrar incremento de eficácia ao tratamento tradicional da insuficiência cardíaca, desde o advento do uso de inibidores da ECA e beta-bloqueadores. Quando nos deparamos com níveis elevados de entusiasmo, devemos avaliar cuidadosamente o quanto este sentimento é proporcional ao nível de evidência.
Em análise sistematizada, podemos julgar que o estudo PARADIGM-HF possui baixo risco de vieses e de erros aleatórios na afirmação de que LCZ696 é superior ao enalapril 20 mg/dia. Quanto ao tamanho do efeito, o benefício da “nova droga” é representado por um NNT de 21 na prevenção do combinado de morte e internamento, efeito quantitativa e qualitativamente relevante.
Mas será que o PARADIGM-HF de fato representa uma mudança de paradigma no tratamento da insuficiência cardíaca?
O Conceito Testado
Embora LCZ696 pareça ser o nome de uma molécula recém inventada, não se trata exatamente disto. Na verdade, LCZ696 é uma mistura da tradicional valsartana 320 mg com sacubritil. Sacubritil é a nova droga, a qual atua inibindo a ação do neprilysin. O neprilysin degrada boas moléculas, como peptídeo natriurético e bradicinina. Desta forma, ao inibir o neprilysin, o sacubritil aumenta a concentração destas boas moléculas, que têm ação vasodilatadora e natriurética. Portanto, o ônus da prova está no benefício clínico do sacubritil. Surpreendentemente, este não foi o conceito testado no estudo PARADIGM-HF.
Quando surge um novo tratamento candidato a incrementar a conduta padrão, esta nova terapia deve ser comparada a um grupo controle (sem a terapia), sendo que o grupo intervenção e controle devem fazer o mesmo tratamento padrão. Ou seja, o correto é comparar nova intervenção e tratamento padrão versus tratamento padrão.
O que fez o PARADIGM-HF? Estranhamente, o tratamento padrão do grupo sacubritil foi melhor do que o tratamento padrão do grupo controle. Enquanto no grupo sacubritil os pacientes desfrutaram de um bloqueio do sistema reina-angiotensina-aldosterona em dose máxima (valsartan 320 mg/dia), no grupo controle os pacientes utilizaram metade da dose máxima de enalapril (20 mg/dia, de forma fixa).
Duas seriam as possibilidades corretas de testar a eficácia do sacubritil. A primeira, mais comumente utilizada, seria randomizar pacientes para sacubritil versus placebo, enquanto o tratamento padrão seria semelhante nos dois grupos, pelo efeito da randomização. Desta forma, o tratamento padrão recebido pelos pacientes não representaria um efeito de confusão.
Mas caso os autores fizessem questão de que o sacubritil fosse associado à valsartana, droga também da Novartis, haveria uma outra alternativa: randomizar os pacientes para sacubritil e valsartana versus placebo e valsartana na mesma dose. Assim, ambos os grupos receberiam o mesmo tratamento, diferenciado-os apenas pelo sacubritil.
Da forma como foi feito, nunca saberemos qual o conceito testado. A maior eficácia do LCZ696 se deve ao advento do sacubritil ou ao maior bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona?
Fica o questionamento do porquê um laboratório optar por um desenho de estudo que não avalia a eficácia de sua nova droga.
Portanto, não podemos afirmar que o sacubritil representa a evolução tão esperada no tratamento da insuficiência cardíaca.
Há um segundo problema com o PARADIGM-HF, que se refere à demonstração da tolerabilidade e segurança do esquema LCZ696. Este estudo tem uma peculiaridade incomum em ensaios clínicos de fase III: há uma fase de run-in. Antes de randomizados, os pacientes foram submetidos ao LCZ696 e apenas entraram no estudo aqueles que toleraram o tratamento. Portanto, o estudo diz respeito apenas a pacientes selecionados para tolerarem a droga, o que reduz sua validade externa quanto à desfecho de segurança. Se algum de nós decidir trocar o velho inibidor da ECA pelo LCZ696, devemos saber que há uma probabilidade maior de intolerância em nosso paciente do que a apresentada pelo estudo.
Desta forma, a presente análise nos sugere que, ao invés de analisar a questão sob a forma de fast track, as agências reguladoras deveriam, sem pressa, questionar a indústria do porquê da escolha de um desenho que não avalia eficácia da nova molécula, aproveitando-se de um bloqueio menos efetivo do SRAA no grupo controle. A comunidade médica deve acompanhar atentamente se estes questionamentos serão levantados.
E quando o Entresto entrar no mercado como uma inovação no tratamento da insuficiência cardíaca, caberá ao médicos reagirem com maturidade científica na decisão a respeito do uso deste tratamento em seus pacientes. Devemos preservar nossos clientes de uma postura pseudo-científica.
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Certamente a indústria farmacêutica virá com muita voracidade e tentará fazer da droga um blockbuster, utilizando-se da análise que melhor lhe aprouver.
ResponderExcluirLuís Claudio,
ResponderExcluirRevi o Consensus e o SOLVD e, em ambos, a dose média usada de enalapril foi de 16 a 18mg/dia, semelhante à dose usada neste estudo.
Abraços
Carlos Marcello
Ola Luis Claudio
ResponderExcluirTorço muito para postagens suas sobre a segurança cardiovascular dos anti diabeticos orais
estudo Examine( alogliptina), estudo Tecos ( sitagliptina) e o Empa Reg out come ( empaglifozina), este a ser liberado no proximo congresso euro peu de diabetes
grato
Rafael Radaeli
A resposta pronta ao representante será: meu paciente utiliza dose plena de ieca, sua droga se compara a metade da dose, lamento.
ResponderExcluirmais ainda sim com iECA a chance de morte súbita ou hospitalização será maior! Faz mais de 15 anos que não há nenhuma novidade no campo, e quando há algo novo dá-se as costas??? Pensemos no carvedilol, que teve história igual. Alias, no PARADIGM usou-se a maior dose de enalapril em trials possível (maioria pacientes NYHA II): 18,9. Só 22% no CONSENSUS chegaram a 40mg bid, com dose média de 18,4 mg.
Excluirmais ainda sim com iECA a chance de morte súbita ou hospitalização será maior! - isso não foi testado e não pdemos afirmar. Teríamos de testar dose maxima de IECA (que é o tto padrão proposto) ou testar valsartana + placedo versus valsartan/sacubitril. Não queremos dar as costas a nenhuma droga nova, apenas ter a menor incerteza possivel do benefício que ela promete e a metodologia para diminuir nossa incerteza poderia ter sido melhor realizada pela farmacêutica. Se foi impossibilidade técnica, proposital ou despreparo, fica a dúvida.
Excluiralguém sabe o preço desse medicamento no Brasil ?
ResponderExcluirUns R$200,00
ExcluirAo que me foi repassado o entresto não é uma associação de Valsartan e Sacubutril e sim um co-cristal com as duas moléculas. Então não sendo possível realizar o ensaio Valsartan X Valsartan/Sacubutril, como e descrito no texto.
ResponderExcluir"Co-cristal" bastante conveniente.
ExcluirFoi feito como co-cristal com as duas moleculas, porque é sabido que com o uso de um inibidor de Nebrelisina isolado há uma aumento da ativação do SRAA (aumento de mortalidade), vide estudo com Omapatrilato e próprio sacubitril isolados e sua associação com IECA aumenta a chance de angioedema. Visto que para iniciar o entresto deve-se fazer o wash out do enalapril por 36h. Para resolver o problema da ativação do SRAA pelo uso do Sacubitril foi feito essa molécula (co-cristal) com Valsartan. Outro erro é falar que os pacientes usaram 320mg de Valsartan. A maior dosagem do Entresto é 97/103mg 2x dia, então a dose máxima da Valsartana é 206mg/dia. Lembrando também que houve um período de RUn IN antes da randomização em que todos usaram Enalapril e todos Usaram Entresto para avaliação de hipotensão. Outra coisa, Valsartan x Sacubitril/Valsartan não é melhor comparação, uma vez que você não está dando o que há de melhor evidência para o grupo controle (IECA).
ExcluirSe existe o conceito prévio que Sacubitril isolado traz malefício, e que Sacubitril + IECA também, de onde surgiu a hipótese que BRA + Sacubitril seria benéfico? A mim, pensaria que a probabilidade pré-teste dessa hipótese ser verdadeira seria baixa. mas td bem, vamos testar... O que queremos saber é se associar Sacubitril aumenta proteção do paciente? Então realmente a melhor comparação seria comparar Valsartana + Placebo versus Valsartana + Sacubitril.
ExcluirEles associaram a ausência de desfechos positivos do sacubitril a um aumento compensatório de angiotensina II. Não sei como isso foi mensurado, mas a ideia de associar BRA surgiu daí!
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiracho que a resposta virá em 15 de março de 2019 com o estudo PARAGON-HF
ResponderExcluirLuis, como sempre sua análise crítica foi muito pertinente.
ResponderExcluirÉ difícil comparar eficácia de mamão versus abacate, mas me parece que outro desenho valsartan + placebo versus valsartan + sacubitril também seria passivo de críticas. Visto que nossa maior evidência na redução de morte cardiovascular na IC com FE reduzida é com os IECAs e não com BRA. Não estaríamos comparando a nova combinação com a melhor evidencia. O Guideline Europeu 2016 recomenda IECA para todos IC FE reduzida como primeira escolha, BRA apenas nos que forem intolerantes.
O outro desenho Enalapril + placebo versus Enalapril + Sacubitril não seria possível, pois essa associação não é tolerável. Na verdade é contraindicada por aumentar a incidência de angioedema.
Flávio
Da mesma forma que o inibidor direto da renina (o alisquireno), o entresto não emplacou. A mega indústria farmacêutica sempre nos persuadindo a precrever drogas que não tem tanto benefício assim quanto prometem. Realmente, precisamos estar atentos as propostas da indústria farmacêutica. Parabéns pelo texto, Dr Luís, o senhor nos estimula a pensar.
ResponderExcluirPrescrevi o Entresto em 8 pacientes com miocardiopatia classe II e III que vinham em tratamento otimizado.Destes 01 apresentou piora da função renal tendo suspenso a medicação. Os demais referiram melhora da classe funcional com 1 mês de tratamento. Esta observação ainda é muito limitada pelo tempo de uso da droga (um mês). A maioria teve redução da pressão arterial ficando a sistólica 100 a 110mmhg. As considerações de Dr Luis são pertinentes apesar da limitação pratica de testar sacubitril com placebo.
ResponderExcluirDr Paulo, quais seriam os riscos se o paciente começar o tratamento e precisar parar pela falta do mesmo? Em se tratando de uma medicação cara e que o governo não disponibiliza.
ResponderExcluirAcho muito pertinente os comentários do autor, estamos vendo a voracidade do laboratório em se posicionar. Ainda não estou convencido, mas é mais um arsenal...
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