* Artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde
No afã da defesa, o astro Neymar publicou a troca de mensagens com a pessoa que o acusa. Embora inadequado do ponto de vista da lei, aqui me refiro a sua inadequação “científica”: o fato da pessoa ter concordado com o encontro em Paris não representa uma evidência contraditória à alegação do ocorrido dentro do quarto.
Mas a maior inadequação científica de Neymar é seu objetivo de “provar inocência”, pois isto é logicamente impossível, embora seja expressão recorrente entre políticos e advogados. O ônus da prova está na existência de um fenômeno.
Se Neymar tivesse inteligência científica, a postura correta seria esperar que a sua “ex-parceira” apresentasse a evidência de sua culpa, que deveria passar pelo crivo da análise de veracidade, ao invés de assumir a responsabilidade de provar sua inocência com pseudo-evidências.
A favor de Neymar, ele é apenas um exemplo do analfabetismo científico de toda a sociedade. Esse analfabetismo fica patente quando a maioria das pessoas se dá o direito de emitir um veredito contra ou a favor, sem base em evidências confirmatórias. Precisamos valorizar a incerteza.
Andei perguntando a amigos o que pensam sobre esse assunto, e todos se posicionaram de forma convicta. Como podemos ter tanta gente convicta na ausência de evidências? Por trás disso está a carência de ceticismo: a predisposição humana em primeiro acreditar, depois procurar evidências a favor de sua crença.
Experimentos psicológicos mostram que quando evidência heterogêneas (contra e a favor) são apresentadas a indivíduos, em vez de ficarem incertos, estes se tornam mais polarizados em suas opiniões, pois sofrem do viés de confirmação: eliminam evidências de encontro e utilizam evidências ao encontro de suas crenças, independente da qualidade das informações.
Aí está a inteligência do “jogador” Neymar. Ele sabe que pseudo-evidências são suficientes para simpatizantes utilizarem em suas argumentações.
Este fenômeno não ocorre apenas com jogadores de futebol. Dou-me apenas o direito de usar como exemplo a minha própria profissão, embora isso seja comum a todas. Médicos também caem na armadilha cognitiva da crença quando utilizam de evidências de baixo valor em prol de suas convicções clínicas e terapêuticas. Há evidências para todo tipo de convicção.
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Caro Luis,
ResponderExcluirEu até sugeriria liberar o futebolista também do ponto de vista criminal, se estivesse no júri popular - pois até o momento não me consta inequívoca evidência jurídica a favor de sua acusadora; e mais, as evidências circunstanciais são contrárias a esta.
Por essa razão aponto o fato de que, via de ordinário (e não sei se isso funcionaria em um caso tão público) cada testemunha, acusado e as vítimas devem ser entrevistadas individualmente, somente após disso verificando-se as consistências e inconsistências dos relatos. Ou seja, O melhor que se poderia fazer aqui é um "estudo observacional". Deixo este para a Justiça Brasileira, que tomará seu tempo.
Diante do fato de que o que ocorre dentro de um quarto escuro "ninguém vê, só sabe a parelha que aí se encontra", é incabível (que seja por razões éticas) um estudo randomizado, duplo cego, com controle... [no caso, "a Cegueira poderia ser elogiada", mas de controle não vi nenhum] Então os participantes do "ensaio" já por definição apresenta algum viés.
Deixemos isso pela inexperiência, até porque, se formos falar em analfabetismo (científico ou literal) no Brasil ouvi alguns índices meio estarrecedores.
Na luta contra o viés, o que podemos mesmo é controlar nossas emoções antes, durante e depois dos eventos), já que a Ciência necessita ser [pelo menos tão] cega como a justiça. De tal maneira que, uma fez concebido, efetivado e publicado, cada estudo irá apresentar seu viés, o qual caberá à sociedade avaliar, ao ler cada população - passando pelo Vested Bias e pelos Conflitos de Interesse.
Mas esse é assunto para um longo post...