quinta-feira, 28 de abril de 2011

Aliskireno: uma Droga Não Embasada em Evidências



Hoje me deparei com uma senhora de 92 anos, em uso regular de Aliskireno como monoterapia para sua hipertensão arterial sistêmica. Se alguém questionar se realmente esta droga está indicada, o médico da paciente terá uma boa resposta, na ponta da língua: essa é uma das indicações respaldadas pela mais nova Diretriz Brasileira de Hipertensão (2010). Isso mesmo, no capítulo Tratamento Medicamentoso, no item Escolha do Medicamento, tem escrito: “Qualquer medicamento do grupo de anti-hipertensivos comercialmente disponíveis pode ser utilizado para o tratamento da hipertensão arterial (Tabela 2).” Na Tabela 2, lá no final lemos: inibidores diretos da renina, ou seja, Aliskireno. Pronto, a conduta médica está respaldada, e nada melhor que por uma Diretriz.

Mas qual o problema do Aliskireno? O problema é que não sabemos se seu efeito terapêutico oferece o mesmo benefício que drogas já consagradas por evidências científicas. Diuréticos, inibidores da ECA e antagonistas dos canais de cálcio possuem comprovação científica de que sua utilização promove redução do risco de eventos cardiovasculares, tipo infarto, AVC, óbito. Estas classes de drogas possuem efeito anti-AVC, anti-infarto, anti-morte. Quanto ao Aliskireno, por enquanto esta é apenas uma droga anti-hipertensiva. Ou no máximo, um anti-microalbuminúria ou anti-hipertrofia do ventrículo esquerdo. Mas estes são desfechos substitutos, sem garantia de benefício clínico. Portanto, o tal do Aliskireno não pode ter o mesmo nível de indicação do que as outras drogas.

Pode ser tão benéfico quanto os outros, pode ser benéfico em um menor grau, ou pode até ser maléfico. Maléfico? Sim, isso acontece. Torcetrapib aumentou HDL-colesterol em 70%, porém aumentou mortalidade. Rosiglitazona reduz glicemia, porém há evidências de que aumenta eventos cardiovasculares. Sibutramina reduz peso, mas aumenta eventos cardiovasculares. Doxazozin, um anti-hipertensivo testado no estudo ALLHAT, aumentou eventos cardiovasculares.

Um exemplo bem atual é o ensaio clínico ROADMAP, publicado no New England Journal of Medicine, o qual demonstrou que Olmesartana (bloqueador do receptor da angiotensina) reduz microalbuminúria em diabéticos, porém aumenta de mortalidade cardiovascular. Devemos salientar que essa informação não é definitiva, pois consistiu de um desfecho secundário, o qual tem maior probabilidade de ser proveniente do acaso (erro tipo I). Por outro lado, não há comprovação prévia de que Olmesartana reduz desfechos cardiovasculares em hipertensos e na ausência dessa evidência o possível aumento de risco ganha mais importância. No entanto, Olmesartana é uma droga bastante prescrita pelos médicos, um verdadeiro blockbuster, também respaldado pela Diretriz de Hipertensão.

Mas porque as Diretrizes colocam certas drogas em um patamar desmerecido por suas evidências? Dentre os 110 autores da Diretriz (quanta gente), ninguém sabia do nível de evidência do Aliskireno? Improvável, até mesmo porque está escrito na Diretriz que faltam estudos grandes, de desfechos clínicos. Mas mesmo assim, lá está ele na tabela de opções, ao lado das drogas tradicionais.

Percebe-se que mesmo ambientes como o da realização de uma diretriz médica carecem do paradigma da medicina baseada em evidências. Ao mesmo tempo, 58% dos 110 membros da Diretriz de Hipertensão têm conflitos de interesse. Esse número deveria ser muito menor. Quem sabe aí não está a explicação para o sucesso do Aliskireno? Não era pra ser assim ...

2 comentários:

  1. Prática comum em todas as sociedades, seja aqui ou fora... "Não era pra ser assim..." . Veja este comentário sobre artigo publicado em 2009 sobre os guidelines da ACC no JAMA.

    Clinical cardiology
    ACC/AHA guidelines largely based on weak evidence and expert opinion
    February 24, 2009 | Michael O'Riordan
    Durham, NC
    - The number of recommendations in the American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) clinical-practice guidelines have progressively increased over time, but these recommendations are often based on weak evidence and expert opinion, a new study, published in the February 25, 2009 issue of the Journal of the American Medical Association, has shown [1].

    Among guidelines reporting an update in recent years, the number of recommendations has increased 48% from the first to the current version, with the largest increase in recommendations for which there is conflicting evidence and/or a divergence of opinion about the efficacy of a procedure or treatment (class 2). In addition, roughly half of all recommendations are based on expert opinion, case studies, or standard of care rather than on data from multiple clinical trials or meta-analyses.

    "It's a sobering result," lead investigator Dr Pierluigi Tricoci (Duke Clinical Research Institute, Durham, NC) told heartwire. "Almost half of the recommendations have a level of evidence C, meaning they have no supporting evidence or just a little supporting evidence. This means that situations where we are sure of what to do are small in number, while the situations where we are not so sure of what to do are the majority."

    (continua...)

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  2. Ignore the guidelines altogether

    In an editorial accompanying the published study [2], Drs Terrence Shaneyfelt and Robert Centor (University of Alabama School of Medicine, Birmingham) write that the "overreliance on expert opinion in guidelines is problematic, " particularly since the guideline committees come to the table with implicit biases, values, and goals that aren't typically disclosed. Moreover, too many current guidelines are marketing- and opinion-based pieces, "delivering directive rather than assistive statements," they add.

    In addition, they argue that guidelines are not patient-specific enough to be useful and do not allow for individualization of care, instead adopting a one-size-fits- all mentality. Moreover, there are simply too many guidelines on the same topic. The editorialists write that if the guidelines continue to exist, they need to undergo major changes, including limiting committee members with financial ties to industry or other potential conflicts of interest. Guideline development should also be centralized under a governing body to reduce bias and redundancy, something that might be achieved by allowing the US Department of Health and Human Services to oversee their drafting.

    "However, it seems unlikely that substantial change will occur because many guideline developers seem set in their ways," write Shaneyfelt and Centor. "If all that can be produced are biased, minimally applicable consensus statements, perhaps guidelines should be avoided completely. Unless there is evidence of appropriate changes in the guideline process, clinicians and policy makers must reject calls for adherence to guidelines."

    Speaking with heartwire, Tricoci, rather than fault the guideline committees, said the findings represent a failure of the current research system. With clinical trials performed predominantly by industry, unaddressed clinical questions are overlooked, as these companies are interested primarily in bringing new products to market.

    "While it's certainly great to have newer and newer products, there are a lot of things that we don't know about the products that we currently use or even decisions that do not necessarily involve products, such as treatment strategies or timing issues," said Tricoci. "There is not a lot of funding supporting this type of research."

    In addition, clinical trials are costly and complex and require long periods of time to complete, said Tricoci. This limits the funding available for the study, as well as the number of questions that can be answered by the trialists. Streamlining clinical trials that focus on areas with deficient research would partly alleviate the knowledge gaps in the clinical guidelines.

    Sources
    Tricoci P, Allen JM, Kramer JM, et al. Scientific evidence underlying the ACC/AHA clinical practice guidelines. JAMA 2009; 301:831-841.
    Shaneyfelt TM, Centor RM. Reassessment of clinical practice guidelines. JAMA 2009; 301:868-870.

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