Há 1 semana foi publicado no Jounal
of American College of Cardiology o artigo intitulado Rapid Exclusion of Acute Myocardial Infarction in Patients with Undetectable Troponin using a High-sensitivity Assay. A análise e interpretação dos dados por parte dos
autores provoca uma interessante discussão sobre a interpretação dos
componentes da acurácia e utilidade de certas propostas diagnósticas.
Nos últimos anos, a indústria tem aprimorado a capacidade dos ensaios de troponina em detectar mínimas
concentrações desta proteína plasmática e com maior precisão
(reprodutibilidade). Estas são as chamadas troponinas de alta sensibilidade.
Nesta coorte de 703 indivíduos com dor torácica aguda,
Body R. et al demonstraram que o uso de um ensaio de troponina alta
sensibilidade associado a um ponto de corte mais baixo que o habitual (qualquer
nível detectável seria definido como troponina positiva) produz 100% de
sensibilidade para o reconhecimento de infarto do miocárdio, levando a um valor preditivo
negativo perfeito. Assim, os autores concluíram que "esta estratégia pode
ser usada para reduzir as internações desnecessárias".
É exatamente esta frase que pretendo analisar sob
a ótica da metodologia de avaliação de métodos diagnósticos.
Em primeiro lugar, a fim de reduzir o número de pacientes
desnecessariamente internados no hospital, um teste deve ter uma melhor
capacidade de reconhecer indivíduos saudáveis que podem receber alta. A
capacidade de reconhecer as pessoas saudáveis é definida como especificidade. Ao reduzir o ponto de
corte de qualquer teste diagnóstico, ocorre um aumento de sensibilidade, à
custa de redução na especificidade.
E foi exatamente isso que aconteceu quando os autores compararam o
desempenho da troponina de alta sensibilidade associada ao mínimo ponto de
corte, com a referência da troponina tradicional. Houve um aumento da
sensibilidade de 85% para 100%. No entanto, ocorreu também diminuição na
especificidade de 82% para 34%. E uma
vez que um número menor de pessoas saudáveis serão identificados, é altamente
questionável se esta abordagem realmente reduz internações desnecessárias. Mesmo
que diferentes pontos de corte sejam adotadas para diagnosticar e afastar infarto,
uma zona cinzenta de confusão será criada, levando a uma dúvida considerável se
realmente esta abordagem seria útil na prática clínica.
Desta forma, apenas 28% dos pacientes apresentaram troponina negativa. O problema é que o estudo não relatou quantos destes 28% realmente receberem alta hospitalar logo após o resultado da troponina. Destes
pacientes, alguns poderiam ter dor no peito muito típica, caracterizando angina
instável; alguns poderiam ter alterações isquêmicas do ECG; e outros poderiam
ter outra causa grave de dor torácica que impediria a alta. Portanto, uma
troponina negativa não significa necessariamente alta hospitalar. E o número
real de pacientes em que o resultado ajudou na decisão de alta não está claro
no artigo.
Segundo a Definição Universal de Infarto, devemos
considerar o percentil 99 da troponina como o ponto de corte para este diagnóstico,
o que proporciona boa acurácia diagnóstica (sensibilidade 85% e especificidade
82%, segundo o artigo de Body et al). Antes
de trocar esta boa acurácia da definição universal de infarto, por uma maior
sensibilidade à custa de bem menor especificidade (semelhante ao D-dímero para embolia pulmonar),
evidências científicas convincentes devem ser apresentadas. Por enquanto, não
está demonstrado, nem é plausível, que uma significativa redução de
especificidade (detecção de saudáveis) proporcione maior liberação precoce de
pacientes com dor torácica. Pelo contrário, isso poderá provocar maior número
de internamentos desnecessários.
O D-dímero é um teste que intrinsecamente não tem especificidade. Não há outra alternativa,
ele só pode nos oferecer sensibilidade. Mas a troponina é diferente. Este teste
tem tanto sensibilidade como especificidade. Não parece fazer tanto sentido
transformar a troponina em D-dímero.
Talvez faça sentido para a indústria da troponina de alta sensibilidade. É a briga
intensa pelo mercado de dosagens bioquímicas.
Cuidado com algo muito sensível, pode ser pouco específico.
Cuidado com algo muito específico, pode ser pouco sensível. Nem sempre vale a pena trocar o equilíbrio da sensibilidade e especificidade (crossover no gráfico acima), pela priorização de alguma destas propriedades.
Ótimo texto
ResponderExcluir