terça-feira, 20 de março de 2012

Conselho Federal de Medicina, Indústria Farmacêutica e sua Espetacular Relação com os Médicos


Há algumas semanas o Conselho Federal de Medicina fechou um acordo com a Indústria Farmacêutica, aparentemente normatizando a relação com os médicos. Uma análise um pouco mais cuidadosa deste acordo, nos permite concluir que este se constitui em uma ratificação da questionável relação médicos-indústria. 

Reproduzo aqui textos que o colega Guilherme Brauner publicou em seu Blog Medicina Hospitalar.



Médico Não é Garoto Propaganda
Por Cid Velloso

O novo Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, foi unanimemente saudado como um documento atual, abordando temas polêmicos com coragem e lucidez.

Foi, portanto, com tristeza e decepção que a sociedade brasileira tomou conhecimento de uma emenda a um ponto importante do código, sobre a relação dos médicos com os laboratórios farmacêuticos.

No artigo 69 do código de 2010, foi vedado ao médico ``obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses e próteses ou implantes, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional``. A intenção era coibir essa relação indigna que denigre a categoria médica.

Na emenda divulgada na semana passada, o Conselho Federal de Medicina corrigiu a norma, sob a alegação lamentável de que não conseguiu conter a pressão dos laboratórios e de determinado segmento de médicos.

Agora, permanece a velha relação indigna entre médicos e laboratórios, tornando alguns profissionais -felizmente a minoria- garotos-propaganda comerciais.

Sou radicalmente contra essa prática, pelos seguintes motivos:

1) Os médicos são profissionais que têm, em geral, uma remuneração digna e suficiente para manter uma vida de boa qualidade.

Não precisam desses subterfúgios de ética duvidosa e às vezes ilegais: viajar às custas de laboratórios, sonegar imposto de renda em conluio constrangedor com os pacientes (``com recibo ou sem recibo?``), cobrar ``por fora`` em convênios de planos de saúde, receber percentual para colocar próteses indicadas especificamente, entre outros. Tais práticas maculam a categoria.

2) Afirmar, como foi feito na argumentação para a referida emenda, que os médicos não direcionam suas prescrições em função da prática de receber viagens gratuitas é de uma ingenuidade e de uma desfaçatez inaceitáveis.

Além de pesquisas já feitas em outros países que demonstram que ocorre efetivamente esse receituário dirigido, é uma dedução óbvia: os laboratórios visam, com essa prática, a fidelidade comercial.

3) O dado mais importante é que, no final das contas, quem vai pagar as viagens dos médicos são os pacientes, em situação de sofrimento físico e psíquico, muitas vezes incapacitados e frequentemente hipossuficientes. É uma crueldade inominável, pois o custo das viagens obviamente será repassado para o preço dos medicamentos.

É aceitável que sejam financiadas viagens relacionadas a pesquisas dos laboratórios feitas por médicos, necessárias à própria pesquisa ou destinadas a relatar em eventos médicos os resultados obtidos. É importante, entretanto, fazer ainda as ressalvas nesses casos, destinadas a evitar a simples propaganda de um produto comercial específico.

O Conselho Federal de Medicina deveria rever a emenda anunciada agora, retornando ao texto original do código de 2010. Se houver polêmica, sugiro realizar uma pesquisa de opinião entre os médicos brasileiros, que certamente irão apontar para a decisão de manter a categoria fora do conflito de interesses e reafirmar a dignidade profissional.

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* CID VELLOSO, 75, é médico. Foi reitor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidente da Associação Médica de Minas Gerais.

Fonte: Folha de S.Paulo


Mais sobre o acordo do CFM com a Indústria Farmacêutica



Acordo opõe médicos (Folha de SP)





Um acordo que permite aos médicos viajar e receber brindes da indústria farmacêutica provocou um racha entre o CFM (Conselho Federal de Medicina) e o conselho médico paulista, o Cremesp.



Em 2010, o CFM havia anunciado que proibiria viagens de médicos a convite dos laboratórios. No mês passado, porém, o conselho recuou da ideia e acabou fechando um acordo com a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) liberando as viagens.

Em sessão plenária do último dia 23, os conselheiros paulistas aprovaram um documento em que discordam do acordo por julgá-lo "um retrocesso". "Ele sedimenta práticas que são eticamente inaceitáveis", diz o documento, obtido com exclusividade pela Folha.



Entre as distorções apontadas pelo Cremesp estão a autorização de viagens e participações de médicos em congressos sem apontar os critérios para escolha dos beneficiados, além do registro de efeitos adversos de medicamentos - que passaria a ser fornecido pelo médico ao propagandista da indústria. "O médico deve informar a Vigilância Sanitária sobre efeitos colaterais, não o propagandista. Médico não vai trabalhar para a indústria", afirma Azevedo Júnior, do CREMESP.



Ele também critica o fato de o acordo autorizar que médicos recebam presentes e brindes oferecidos pelos laboratórios e estipular valores e periodicidade. "Além de ser difícil fiscalizar isso, não tem o menor efeito porque não é pelo valor que o médico ser influenciado".

No documento, o Cremesp recomenda ainda que o CFM reabra a discussão sobre a necessidade de revisão e aprimoramento das normas éticas que envolvam a relação entre médicos e indústria. O presidente do CFM, Roberto D'Ávila, rebateu ontem as críticas dos colegas paulistas. "São Paulo pode fazer o barulho que quiser. Federal é federal. O protocolo foi aprovado por unanimidade pelo nosso pleno. Acho desnecessária essa polêmica", afirmou.



D'Ávila diz que, durante as discussões sobre o acordo com a Interfarma, houve várias oportunidades para os conselhos regionais se manifestarem contra, o que não teria ocorrido. Já Azevedo Júnior afirma que, em janeiro de 2011, o Cremesp enviou várias críticas sobre o assunto, mas que não foram acolhidas pelo CFM.


2 comentários:

  1. Outra coisa muito indigna no meu pomto de vista e essa coisa de medico ter percentual em formula prescrita em farmacia de manipulaçao, onde o dinheiro sai diretamente mesmo do bolso do paciente. Esta pratica deveria dar cadeia, mas infelismente é mais do que comum em todo territorio nacional, virou uma coisa "normal"...este é o nosso problema, estamos diante de absurdos que viraram coisas normais. Bem caverna mesmo....
    Nila

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  2. Olá, Luis,

    Deixo-te uma sugestão para tentar enriquecer o blog: qual é a evidência que condutas baseada na Medicina Baseada em Evidências são melhores? Nenhuma, o que nos leva ao maior paradoxo de todos.
    As falhas da mesma encontram-se primariamente nos seus alicerces, principalmente na adoção cega do p fisheriano (na realidade criado por Karl Pearson).
    Acredito que o problema é muito mais profundo do que discutirmos NNTs, NNHs e desfechos. Os próprios critérios de inclusão e exclusão são suficientes para falsificar a maioria dos estudos (basta ler algo de Epidemiologia Popperiana).
    Criticar a Medicina Baseada em Evidências é como tentar traçar o prognóstico e o plano de tratamento da doença apresentada por um paciente já morto.
    Um abraço,

    Marcelo Derbli Schafranski

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