sábado, 7 de abril de 2012

Toninho Cerezo, Falcão e o Fenômeno de Regressão à Média



Toninho Cerezo foi demitido do cargo de técnico do Vitória. Impressionante como este tipo de atitude dos clubes reflete uma completa ignorância a respeito do fenômeno de regressão à média (motivo de postagem prévia neste Blog). Pode parecer pedante achar que os presidentes do Vitória ou Bahia, carentes de inteligência, tenham condição de entender estatística. Mas não é querer demais, pois em países da Europa e nos Estados Unidos, pessoas que trabalham com esporte têm o conhecimento básico da aleatoriedade dos fenômenos para não se deixar levar pela idiota crença de que trocar toda hora um técnico bom por outro técnico bom vai resolver o problema do time.

A esta altura, vocês devem estar se perguntando o que tem a ver Cerezo com o fenômeno de regressão à média. Como já explicado neste Blog, este conceito indica que após uma medida extrema, a medida seguinte provavelmente será menos extrema do que a primeira. Após uma sequência aleatória de derrotas (ou empates), a tendência é que a sequência seguinte seja de menos derrotas, ou mais vitórias.

Nos Estados Unidos há o mito de que dá azar o esportista aparecer na capa da Sports Illustrated. Não é incomum que após a reportagem de capa da Sports Illustrated, o atleta não tenha um desempenho na próxima prova tão bom quanto anteriormente. Mas isso é fácil de explicar pelo fenômeno de regressão à média. O que levou à reportagem de capa foi um desempenho extraordinário na última prova. Pelo fenômeno, este desempenho provavelmente será seguido por outro desempenho menos extraordinário. Não tem nada a ver com a aparição na capa. Simplesmente esta aparição estava associada ao um fenômeno de extremo sucesso.

Estatisticamente, não é difícil de explicar. Todo desempenho é o resultado da qualidade do atleta + uma parcela de aleatoriedade (chance, sorte). Um desempenho extraordinário resulta do atleta ser muito bom e também da sorte naquela dia. Sorte é acaso, se a sorte foi muito grande em um dia, é normal que seja menor no dia seguinte. Da mesma forma, um péssimo desempenho tende a ser seguido por um desempenho melhor.

Além de nossa incompreensão cotidiana quando à presença do fenômeno de regressão, há um segundo processo mental que gera equívoco na interpretação de fatos cotidianos. Temos uma tendência nata de perceber ordem em fenômenos que na verdade são aleatórios. Imaginem que a probabilidade de um time mediano de basquete ganhar é 1/3 (33%). Isto fará com que em 100 jogos, o time ruim ganhe 33 jogos e perca 66 jogos. Nossa mente espera que o time tenha sempre a sequência ganha-perde-perde-ganha-perde-perde. Mas não é exatamente assim, a coisa pode funcionar diferente. Às vezes ocorre ganha-ganha-perde-perde-perde-perde, o que representa 33% também. Mas quando o presidente do clube brasileiro percebe uma sequência de 4 derrotas, se desespera e demite logo o técnico, sem parar para pensar que esta sequência pode ser mero resultado do acaso, não significa piora do time mediano. Já o CEO do time americano de basquete sabe que 4 derrotas consecutivas é simplesmente a forma como os resultados se arrumaram para que desse 66% de derrotas. A sequência era meramente aleatória, porém nossa mente é treinada para perceber ordem em qualquer coisa.

Estes fenômenos que exemplifiquei com fatos do esporte estão também presentes no pensamento científico e médico. Primeiro fenômeno, regressão à média: um paciente em crise de dor lombar tende a melhorar naturalmente, pois crise é um extremo e na semana seguinte a medida da intensidade da dor tenderá regredir à média. Utilizando o fenômeno de regressão à média, tratamentos “alternativos” ganham o rótulo de efetivos baseados apenas na tendência de regressão da intensidade da dor nos dias ou semanas subseqüentes. Segundo fenômeno, o fato de que a aleatoriedade não se apresenta sempre com cara de aleatório: não é porque os primeiros 3 casos submetidos ao tratamento tiveram sucesso, que o tratamento deve ser eficaz. Daí a importância dos estudos possuírem um tamanho amostral suficiente para diluir fenômenos casuais.

Toninho Cerezo saiu, vai ser substituto por não sei quem (não importa) e a próxima sequência de jogos do Vitória vai ser um pouco melhor do que a última. Essa prática esportiva de trocar técnicos na dependência de sequências casuais de jogos é o maior marcador de como os dirigentes do futebol brasileiros são limitados em inteligência. Nos Estados Unidos todo time de basquete, football, baseball, qualquer coisa, tem um serviço de estatística, onde tudo é computado profissionalmente. Não espero que seja assim neste nosso país, mas que pelo menos os responsáveis fossem um pouco menos ignorantes.

Mas qual o problema de ter uma postura ignorante? Isto é apenas futebol, que é feito de folclore, o importante é a resenha no dia seguinte. Talvez não seja bem assim, principalmente neste que se diz o país do futebol e vai sediar a próxima Copa do Mundo. Isso demonstra que futebol não é brincadeira e deveria haver uma postura inteligente em tudo que diz respeito a este esporte. De burrice em burrice, como diz Romário esta Copa do Mundo será o “maior roubo da história”. Mais fácil roubar quando no universo permeia ignorância e falta de senso crítico.

Na medicina, quando não há senso crítico quanto à aleatoriedade dos fenômenos, fica mais fácil da indústria farmacêutica convencer médicos do valor de drogas ineficazes ou de médicos charlatões convencer pacientes da eficácia de falsos tratamentos.

Ainda bem que sou Bahia e meu técnico é Falcão. Aliás, essa frase não tem sentido. O destino de Falcão será o mesmo: em breve, ele será demitido pelo fenômeno de regressão à média; ou receberá uma proposta milionária do Flamengo quando Joel Santana for demitido pelo mesmo fenômeno de regressão à média.

Atualização: Três meses depois desta postagem, na mesma semana de 16 de julho, Falcão foi demitido do Bahia e Joel Santana do Flamengo. 

Um comentário:

  1. Luis parabéns por mais está postagem. Relevante, com uma analogia surpreendente e que com certeza possiblitará aos mais leigos melhor compreensão desse conteúdo. Abs Clarcson

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