O governo federal cortou 30% do orçamento de três universidades federais (UnB, UFBA, UFF), posicionadas nas nona, décima-quarta e décima-sexta posições no ranking das melhores universidades do país. O argumento para o corte de verbas foi a “balbúrdia” promovida por estas universidades em seus campi. Paradoxalmente, estas três apresentam aumento respectivo de 109%, 102% e 84% de produção científica nos últimos dez anos, comparadas a uma média nacional de 65%.
Com isto, nossos governantes geram um curiosa hipótese científica: balbúrdia aumenta produção científica. Neste texto, defenderei a plausibilidade científica desta hipótese, baseado na ciência da psicologia cognitiva, que demonstra uma positiva associação entre não-conformismo e criatividade. Criatividade por sua vez é uma característica marcante de grandes cientistas.
Embora predomine a discussão e o ensino de metodologia científica no ambiente acadêmico de pós-graduações, a utilização adequada da técnica científica é uma mera obrigação do pesquisador. Não é um diferencial. O diferencial está na ideia da pesquisa, que deve ser promissora, original e impactante, seja do ponto de vista pragmático ou epistemológico.
Na verdade, temos um problema de criatividade, boa parte das pesquisas feitas no mundo são inúteis, servindo mais para incrementar carreira de pesquisadores ou acadêmicos. A falta de criatividade decorre em grande parte do conformismo acadêmico. Temos uma tendência biológica a nos enquadrar em uma forma de pensamento, para que sejamos aceitos como parte de uma comunidade, uma tribo. Esse enquadramento reduz criatividade.
O academicismo tradicional é anti-criativo em sua rigidez de forma (as vírgulas que faltam nas teses, as referências que falharam em ordem), na exigência de métodos previsíveis, na hierarquia universitária, na postura “engravatada”. As universidades do futuro abandonarão as gravatas e adotarão um ambiente que fomente inovação, a exemplo das atuais empresas de tecnologia, como o Google.
Como proposto por Don Norman, cientista da cognição que está por trás de muitas inovações da Apple, uma parte essencial do processo de inovação é o prazer do inovador. Sendo o processo prazeroso, há liberação de dopamina, que amplia nossa visão e interpretação. Quem sabe não é o prazer intrínseco da liberdade de ação e expressão presente em uma boa balbúrdia.
Por outro lado, a rigidez e “estresse acadêmico” produz adrenalina, que promove foco excessivo em um problema, nos fazendo perder a visão do todo. Reduz criatividade.
Por estes motivos, minha hipótese é que as “balbúrdias” das UFBA (a universidade em que me formei médico, doutor e livre-docente), UnB e UFF decorrem do não conformismo criativo, expresso pela liberdade de expressão em seus campi, criando uma espécie de ambiente fomentador de inovação.
Em seu marcante discurso para os formandos da Universidade de Stanford, Steve Jobs conclui: “stay hungry, stay fool”. O ser "inocente" (fool) de Jobs é aquele que não tem medo de ter ideias diferentes. É aquele menino que apontou que o rei estava nu, a mais forte expressão de nossa orgulhosa balbúrdia.
Excelente!!! Resposta genial a uma atitude medíocre.
ResponderExcluirGenial, a interpretação da balburdia descrita pelo governo federal na tentativa de justificar o corte imenso de verba que contribuirá para desvalorização de um dos tri pés que fortalece o desenvolvimento das universidades,a pesquisa ,que em comunhão com o ensino e a extensão tem apresentado sucesso na construção do conhecimento, o que não é importante para a angemonia.
ExcluirO governo sabe que está reprimindo criatividade
ExcluirParabens. Colocacao perfeita
ResponderExcluirOuço um enorme silêncio de nossos colegas médicos nesse momento.. preocupante.
ResponderExcluirLucidez! Excelente!
ResponderExcluirLucidez! Perfeito!
ResponderExcluirExcelente
ResponderExcluirCompartilhando
Acredito que a balbúrdia referida pelo governo federal é diferente do stay fool de Jobs, mas o texto é genial. Parabéns
ResponderExcluirNão foi só a bagunça que aumentou. Nos últimos anos também aumentaram o acesso tecnológico à ferramentas de globalização, assim como o acesso às faculdades através de políticas de cotas e financiamentos, ou seja, mais pessoas em cursos universitários e com maior poder de troca de informações. A quantidade de produção científica está explicada, mas e a qualidade?
ResponderExcluirTudo o que eu precisava ler hoje! ♥️
ResponderExcluirExcelente.Maravilhosa balbúrdia
ResponderExcluirComo sempre o novo assusta. A balbúrdia convoca o surgimento de uma nova ordem ou, de uma nova desordem. As reações também são geradoras de hipóteses.
ResponderExcluirPara não ficarmos a fazer " milhões de vasos sem nenhuma flor" ...
Adorei suas considerações Luís. Adorei vc ter escrito sobre este tema que nos mobilizou tanto. Forte abraço!
Excelente Luiz Cláudio! Balbúrdia criativa faz parte do crescimento. Obrigada por nos incentivar a sermos "inocentes". ♥️
ResponderExcluirPrezado Luiz Cláudio.
ResponderExcluirFalou pouco e falou tudo.
Que texto genial!
ResponderExcluirEsse corte de 30% sobra mais dinheiro para os laranjais do psl kkkkkk
ResponderExcluirFantástico Luís. Caminho nessa direção quando ensino a Pesquisa aplicada às minhas alunas. Parabéns
ResponderExcluirSó posso agradecer a esse bálsamo, em meio a tanta ignorância...
ResponderExcluirExcelente Luiz!
ResponderExcluirExcelente Luís!
ResponderExcluirCriatividade sempre.
ResponderExcluirMuito preocupante o rumo dessa gestão da educação no país!
ResponderExcluirPéssima análise. O texto que se diz científico apresenta apenas teses empíricas com viés subjetivo (e quem sabe politico) de que “o academicismo tradicional é anti-criativo”. Quando o que se deve discutir realmente é sobre o que a medida se refere como balburdia. Manifestações de cunho político-ideológico por parte de estudantes e de alguns professores não devem dominar o Campus, especialmente o de medicina, e é a isso que se refere o corte. Os contribuintes não pagam impostos para militâncias doutrinarem os jovens, mas sim para formação de profissionais que retornem seus serviços à sociedade.
ResponderExcluirExcelente!parabéns pela lucidez!
ExcluirPalpite infeliz!
ExcluirOs comentários anteriores estavam indo tão bem!
O papel da universidade não deve se limitar à "formação de profissionais que retornem seus serviços à sociedade", seu papel vai além desse tecnicismo. A universidade é um espaço para a diversidade, para a multiplicidade de ideias e pontos de vista (inclusive os políticos), mesmo que em dissonância com o governo (daí a ideia de balbúrdia). A universidade deve promover o pensamento crítico e a liberdade, fomentando a inovação e o avanço científico. Propor cortes orçamentários por não suportar o contraditório é querer enfiar goela abaixo um projeto político-ideológico autoritário e obscurantista.
ExcluirSeus textos sempre dentro do contexto da atualidade e trazendo a discussão para o campo da ciência trazem luz e alegria. Aquela alegria ingênua de perceber algo a mais algo além...! Grata por isso.
ResponderExcluirQuando ao acesso a tecnologia que permite aumentar a quantidade, essa está disponível para todas as universidades e não apenas para as três citadas e punidas.
A comparação está feita com empresas privadas. Por mais "balburdia" que seja permitida,não trouxe resultado tá na rua! A proposta é a adoção do mesmo modelo? ��
ResponderExcluirVocê é tao bom que e anonimo...
ResponderExcluirMuito criativo, o ponto visto por outro ponto de vista. Mas aí confunde os anônimos,que de antolhos só conseguem avistar um único ponto que uma vista curta alcança!
ResponderExcluirGrande Luis. Otimo texto, quero deixar algumas provocacoes em termos de colocar alguns pensamentos e fatos e algumas comparacoes de onde vivo (grande cidade da Alemanha) com o que eu vi/vejo no Brasil na visao de quem tem um mestrado na universidade brasileira.
ResponderExcluirVou colocar por pontos:
1) O Marcelo Hermes Franca esta fazendo algumas otimas publicacoes na Gazeta do Povo sobre a relevancia da pesquisa academica no BR, e cerca de 60% (chutando baixo) a 80% (real de acordo com as citacoes e relevancia) - https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/no-brasil-80-das-pesquisas-em-educacao-sao-desconsideradas-pela-comunidade-academica/
Dentro desse aspecto, e dado que estamos falando de dinheiro do pagador de impostos (não ouso chamar de contribuinte, pois contribuicao nao tem implicitamente um aspecto de obrigatoreidade, o que nao e o caso) nao ta na hora da academia brasileira repensar as suas metricas de qualidade?
2) A educacao basica esta jogada as tracas a tempos. Nao tem como comemorar aumento de publicacoes e relevancia pagando bilhoes para uma relevancia mundial baixa (perdendo ate para nanicos como Chile) enquanto estamos nos ultimos lugares do PISA a anos. Eh uma questao simples de alocacao de recursos; e racionalmente faz bastante sentido.
3) Precisamos realmente de repensar as metricas de avaliacao e repensar os gastos. A USP tem o orcamento de R$ 5,7 bilhões dos pagadores de impostos do estado de sao paulo [1]. Vamos comparar esse dinheiro com a RECEITA (ou seja dinheiro que entra a contar de vendas e atendimento de necessidades humanas diretas). A USP sozinha ela tem um repasse maior do que as seguintes empresas [2]: Pfizer Brasil (5Bi), Zaffari (4.9Bi), McDonalds Brasil (4.8), Cedae (4.7), Construtora MRV (4.7), Copasa MG (4.3), Sanepar (3.8), Embrapa (3.3), Infraero (3.2), Metro de Sao Paulo (2.6)
Coloquei algumas empresas privadas, e algumas estatais de servicos essenciais.
A questao eh: o CEO dessas empresas tem contas pra prestar, e muitos deles com investidores; porque nao temos o mesmo modelo de gestao e governanca para com o dinheiro em instituicoes academicas? Nao da mesma forma, mas onde estao as metricas e principalmente os objetivos de desempenho delas?
A UNICAMP esta com um deficit aproximado de 169 milhoes e nada acontece? Ja tivemos uma porcao de CEOs em estatais que foram trocados e ate mesmo empresas por menos que isso, e porque nao podemos questionar?
Acho que esse eh o nao conformismo que precisamos tambem exercitar junto com o inconformismo das ideias.
[1] - https://jornal.usp.br/institucional/conselho-universitario-aprova-orcamento-da-universidade-para-2019/
[2] - https://www.valor.com.br/valor1000/2018/ranking1000maiores
[3] - https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2018/12/11/unicamp-aprova-orcamento-2019-com-previsao-de-deficit-e-uso-de-reserva-para-equilibrar-contas.ghtml
Tenho a impressão de que as instituições de ensino de forma geral se tornaram refúgio de esquerdistas radicais. Isso acontece faz tempo e teve um incremento com a política de aparelhamento do PT. Com a polarização política dos últimos anos e com a ascensão do atual governo de direita, o pessoal lá tá se manifestando mais. Acho isso bem claro. Se esse fato está associado com a produção científica nas universidades, acho uma provocação divertida e um chamado de atenção de que as instituições em questão devem ser respeitadas pelo seu valor acadêmico em primeiro lugar. A despeito da posição política dominante nos campi. Se o governo esta incomodado com a balbúrdia, que se vire de outro jeito. Cortar o orçamento dessas unidades me parece uma covardia.
ResponderExcluirTenho a impressão de que as instituições de ensino de forma geral se tornaram refúgio de esquerdistas radicais. Isso acontece faz tempo e teve um incremento com a política de aparelhamento do PT. Com a polarização política dos últimos anos e com a ascensão do atual governo de direita, o pessoal lá tá se manifestando mais. Acho isso bem claro. Se esse fato está associado com a produção científica nas universidades, acho uma provocação divertida e um chamado de atenção de que as instituições em questão devem ser respeitadas pelo seu valor acadêmico em primeiro lugar. A despeito da posição política dominante nos campi. Se o governo esta incomodado com a balbúrdia, que se vire de outro jeito. Cortar o orçamento dessas unidades me parece uma covardia.
ResponderExcluirVc apresentou os números relativos de crescimento da produção... vc tem os números absolutos?
ResponderExcluirVc sabe quanto dessa produção seguiu o método científico ou foi apenas produção filosófica?
Caro Luis, eu gostatira de colocar fogo nessa fogueira. Ray Bradbury escreveu Fahrenheit 451, um livro baseado na termodinâmica. Segundo ele, 451F é a temperatura de combustão espontânea do papel. Nessa utopia, os bombeiros eram us piromaníacos, isto é: a mando do governo, queimavam todos os lovros, pois rea proibido ler.
ResponderExcluirEu formei em Medicina em 1988. Havia estudado todo o ginásio em Escola pública, e três anos do "científico" em uma secola pública.
De lá pra cá, o que vem ocorrendo é a passagem repetida de um rolo compressor sobre a educação, comprimindo tudo. E o melhor que poderíamos ter feito com a betoneira da balbúrdia é picar esse asfalto velho, expondo a nudez do chão batido.
Uma série de erros de gestão foram e continuam a ser cometidos, e ninguém discute.
As metodologias de benchmarking e avaliação são falhas.
As comunidades de alunos e professores sofreram deterioração progressiva, gradualmente se transformando de locais para estudo em locais para manifestações politico-idelogizantes.
Quais os indicadores de produção científica?? de pesquisa?? como estão sendo produzidos?? Como se comparam nacional e internacionalmente?
É necessária uma revisão.
Mais do que isso, estudantes e professores devem produzir algo além de "Balbúrdia".
Senão, ano que vem o processo continua.
Grande inspiração nesta análise Luís!
ResponderExcluirNão só pela expressão do multifacetado termo "balbúrdia" mas por trazer, "de carona", uma discussão sobre o academicismo restritivo, acumulador e pouco criativo nesse contexto. Precisamos de muitas vozes falando sobre isso!
Pra quem ainda não entendeu o que é balbúrdia...
ResponderExcluirhttps://www.instagram.com/p/Bw91u00l9Of/?utm_source=ig_share_sheet&igshid=1ea5o3k4nvakd
Mércia neve Silva
ResponderExcluirSeria um caminho para pesquisas de menor custo as análises de evidências já produzidas, via centros de Revisão Sistemática de Literatura como de York, Oxford, etc?
ResponderExcluirJá ouvi uma crítica que o Brasil gasta muito em ensino superior e pouco em educação básica, algo denunciado como iniqüidade ...
BRAVO!
ResponderExcluirExcepcional ou brilhante este texto...embora saibamos que, infelizmente, está a anos luz da compreensão dos estúpidos governantes bolsomicados, justamente, por serem explicitamente limitados, lerdos cognitivos e de baixíssimo capital cultural.
Perfeito! Parabéns !
ResponderExcluirMas e a questão de não ser 30% e sim 3,5% ? E o fato de não ser corte e sim contingenciamento? A saúde sofreu sanções muito maiores no passado recente e não me lembro de ter havido comoção social como a de agora.
ResponderExcluirAnônimo ou robô? Se robô, não tem o que responder, segue as ordens; se não, foi adocicado pelos bom bons do governo!
ResponderExcluirNão sou robô, apenas cético. Meu compromisso é com os números. Se esses apontam para o caminho que vossa excelência já assumi a priori, me mostre os dados e ficarei imensamente feliz em replica-los. Ou o amigo faz parte da nova inquisição?
ResponderExcluirThis is such an interesting blog. You are very knowledgeable about this subject. Please check out my site.
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