quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Exercício e Qualidade de Vida


O último número do Archives of Internal Medicine foi dedicado a evidências sobre dieta e atividade física. Dois ensaios clínicos randomizados demonstraram benefícios do exercício na qualidade de vida de idosos.

Pode parecer estranho falar isso, mas na verdade não temos certeza científica (ensaios clínicos randomizados avaliando desfechos clínicos) de que atividade física reduz incidência de eventos cardiovasculares e morte em indivíduos da população geral. Estes benefícios são observados em estudos observacionais, que são mais sujeitos a efeitos de confusão, nem sempre plenamente ajustados por análises multivariadas. Gostaria de ver um grande estudo randomizado de longo prazo mostrando esses benefícios, que acredito existirem.

Por outro lado, estes dois ensaios clínicos randomizados comprovam o benefício do exercício em qualidade de vida, tanto em aspectos físicos, como mentais. O ensaio clínico Resistance Training and Executive Functions mostra que musculação durante 12 semanas em mulheres acima de 65 anos melhora não só função muscular, como também função cognitiva. Em outro ensaio clínico dos Archives, idosos de asilo foram randomizados para exercícios leves, mostrando melhora da capacidade de exercer as funções básicas de vida.

Desfecho relevante não é só morte ou o que pode levar a morte (IAM, AVC). Qualidade de vida também é desfecho relevante.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Propaganda na Internet

Segundo notícia no último número do Journal of American Medical Association, o FDA está considerando regras mais duras para as propagandas de drogas online. Sabe-se que grande número de pacientes faz pesquisa no Google sobre medicamentos, porém os sites não são obrigados a publicar de forma equilibrada riscos e benefício das drogas. Ao encontrar um site oficial, o paciente geralmente considera que este contém uma informação confiável. Mas nem sempre é assim.

Não é infreqüente um paciente curioso solicitar ou sugerir a prescrição de medicamentos baseado no que leu na internet. E muitas vezes o médico tem dificuldade de convencer o paciente do contrário. A relação médico-paciente já fica dificultada se tentamos nos basear em evidências. Por isso é necessário que as agências reguladoras tentem controlar tais anúncios. Mas isso não é fácil, pois um fabricante pode, por exemplo, pagar a um blogueiro para falar bem de sua droga.

Mais grave são reportagens sobre medicamentos, procedimentos ou exames diagnósticos, contidas em revistas como Veja ou Istoé, ou programas de televisão como Fantástico. Elas têm aparência de reportagem normal, porém são pagas. São inúmeros os exemplos de informações falsas ou exageradas. Isso é mais grave que as propagandas assumidas na televisão, tal como as que acontece comumente nos Estados Unidos. O problema maior é quando o paciente não sabe que se trata de uma propaganda, pensa que é uma reportagem sem viés.

Quando Pequenos Ensaios Clínicos São Positivos II




Em outros estudos, o resultado positivo do pequeno ensaio clínico é proveniente da análise de um desfecho secundário. Neste caso a chance do acaso é maior ainda, pois vários desfechos são comparados e os autores descrevem com mais ênfase o resultado do desfecho que apresentou os melhores resultados. Este foi o caso de um pequeno estudo (LIDO - Lancet 2002; 360: 196–202) que mostrou redução de mortalidade com o inotrópico Levosimedan (estatisticamente significante). O estudo LIDO nem tinha mortalidade como desfecho primário, nem havia poder estatístico para este desfecho.

Mesmo assim, alguns passaram a prescrever Levosimedan ao invés de Dobutamina, e anos depois o grande estudo SURVIVE (Figura - JAMA. 2007;297:1883-1891) mostrou que esta tinha sido uma má decisão.

Desfechos secundários são secundários, não representam resultado que devam influenciar nossas decisões clínicas.

Quando Pequenos Ensaios Clínicos São Positivos

Esta semana foi publicado no JAMA um pequeno ensaio clínico randomizado (N = 500) que não confirmou a idéia de que um controle rigoroso da glicemia beneficia pacientes em choque séptico, mesmo que estes estejam usando corticóide. Embora esse seja um estudo pequeno, está de acordo com as últimas evidências a respeito do assunto e nos traz a reflexão que não podemos nos precipitar em relação a adoção de terapias sem evidências adequadas. Vale apena relembrar essa história.

Tudo começou com a plausibilidade do benefício do tratamento agressivo da hiperglicemia. Esta plausibilidade vem de estudos observacionais indicando que quanto maior a glicemia de pacientes críticos, maior a mortalidade. Aí vem o raciocínio teleológico: se glicemia alta está associada a mortalidade, quanto mais reduzirmos a glicemia, mais reduziremos a mortalidade. Inclusive alguns cardiologistas sugerem este tipo de tratamento no infarto apenas baseado no dado prognóstico da glicemia. Pura extrapolação.

Corroborando com o plausível, em 2001 foi publicado por Van den Berghe et al no NEJM um ensaio clínico randomizado, com 1500 pacientes sob ventilação mecânica. Este estudo mostrou redução de mortalidade com o tratamento agressivo da glicemia comparado ao tratamento convencional (P menor que 0.05). Daí veio um grande entusiasmo, fazendo com que a prescrição de tratamento agressivo se alastrasse pelas UTIs do mundo afora. O problema é que 5 anos depois outro estudo do NEJM, realizado pelos mesmos autores, não mostrou este benefício em pacientes admitidos em UTI, deixando a questão em aberto. Apesar disso, o tratamento continuou se alastrando. Porém no ano passado foi publicado o estudo NICE-SUGAR, que não só negou o benefício desta terapia, mas também mostrou (pasmem) aumento de mortalidade, à custa de eventos cardiovasculares.

Então precisamos entender melhor porque um estudo de 1500 pacientes, com valor de P menor que 0.05 não estava certo. Geralmente se pensa: um pequeno tamanho amostral reduz a capacidade de detectar diferença, mas quando a diferença é detectada a despeito do tamanho amostral, ela é verdadeira. Mas a segunda parte deste pensamento está errada, e daí vem mensagem principal desta discussão:

Quando não há poder estatístico adequado para se encontrar uma diferença plausível, é necessário que uma diferença além do plausível ocorra para se obter um resultado estatisticamente significante. Por isso que quando um pequeno ensaio clínico mostra P menor que 0.05 a despeito de poder estatístico insuficiente, a probabilidade de o resultado ser devido ao acaso pode ser maior do que mostra o valor de P (pois a diferença não é plausível).
A possibilidade de erro fica mais alta ainda quando o estudo é interrompido precocemente (quando se alcança significância estatística em análise interina), pois a significância pode ter sido momentânea/casual e seria corrigida com o progredir do estudo.
Foram estes dois fenômenos que ocorreram no primeiro estudo do NEJM, de resultado falso-positivo. Este estudo tinha sido planejado para se detectar uma diferença absoluta de 2% entre os grupos, o que se considerava plausível. Para isso seriam necessários 2500 pacientes. No entanto, o estudo foi interrompido com 1500 pacientes quando se alcançou uma diferença estatística com 3.6% de diferença, algo talvez acima do plausível para uma terapia que não trata a causa da doença, apenas reduz o teor de glicose no sangue.

Em resumo, um estudo de poder estatístico insuficiente não deve ser considerado uma evidência definitiva mesmo se o resultado for estatisticamente significante. Principalmente se o resultado for proveniente de uma análise interina, que interrompeu o estudo precocemente.
O estudo publicado esta semana no JAMA é mais uma evidência de que o primeiro estudo de Van den Berghe et al estava errado, mesmo com P de 0.04.

Sibutramina: Segundo Capítulo

Ontem na Globonews:
A substância sibutramina, utilizada no tratamento da obesidade, continuará liberada no Brasil, informou 1 o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Raposo, nesta terça-feira (26). Segundo ele, o órgão fará um alerta sobre os riscos cardiovasculares trazidos pelo medicamento, mas não irá proibi-lo.


Como vemos, A ANVISA optou pela mesma decisão do FDA, diferente da EMA (agência européia) que suspendeu a comercialização da droga. O argumento para manutenção da droga no mercado é o conhecimento de que o aumento de risco foi demonstrado em um estudo (SCOUT, ainda não publicado) que se limitou a pacientes com doença cardiovascular ou diabéticos.

E quanto aos pacientes sem doença cardiovascular ou diabetes? Primeiro, devemos sempre ter em mente o princípio de que ausência de evidência não é evidência de ausência. Ou seja, a ausência de evidência de malefício, não uma evidência de que não há malefício. Só seria evidência se houvesse um estudo com tamanho amostral suficiente para detectar aumento de eventos com a Sibutramina nestes pacientes. E este tamanho amostral seria muito maior que os 10.000 do estudo SCOUT, pois provavelmente a incidência de eventos é menor neste grupo.

Mas alguém poderia argumentar que se é necessário um tamanho amostral tão grande para demonstrar um risco, provavelmente o risco não é de grande relevância. Isso é verdade. Então vem o segundo princípio: o que justifica o uso de uma droga é o benefício que esta droga traz. A segurança é um item necessário, mas não suficiente. O problema é a mania de propor o uso de coisas, só porque não fazem mal. “Vamos comprar um monte vitaminas na farmácia e começar a tomar, pois se não fizer bem, não faz mal.” O que precisamos considerar é que este estudo só incluiu pacientes com doença cardiovascular, pois nestes a chance de encontrar benefício seria maior. Assim fazem os ensaios clínicos em prevenção primária. Por exemplo, todos os ensaios clínicos que demonstram redução de eventos em hipertensos estudaram apenas pacientes com alto risco cardiovascular, pois são nestes se consegue demonstrar benefício com mais facilidade. Então, se o benefício cardiovascular da Sibutramina não foi demonstrado em quem mais precisava deste benefício, é menos provável ainda que a droga seja benéfica nos pacientes de baixo risco cardiovascular.

Sendo assim, mesmo que a droga não aumente risco em pessoas sem doença cardiovascular (?), ela não é benéfica do ponto de vista clínico. Então para que manter no mercado uma coisa que não é benéfica? Lembro mais uma vez que o objetivo principal do tratamento da obesidade é reduzir eventos cardiovasculares e incidência de diabetes. A perda de peso é um desfecho intermediário na obtenção do real objetivo.

Por outro lado, há um terceiro princípio: medicina não é feita só para prolongar a vida, um outro objetivo é melhora de qualidade de vida. Se tivéssemos uma melhora substancial da qualidade de vida nos pacientes que usam Sibutramina, talvez se justificasse a permanência da droga no mercado. Este é o caso da terapia de reposição hormonal. Embora aumente risco de eventos cardiovasculares (dado demonstrado em mulheres com mais de 50 anos), tem algumas mulheres muito sintomáticas, nas quais o pequeno risco absoluto compensa o enorme benefício na qualidade de vida. Mas este é o caso da Sibutramina? Há dados convincentes sobre qualidade de vida? Qual o ganho de peso após a suspensão da droga? Muitas apresentam sintomas freqüentes e intensos durante o uso da droga, não?

Em minha árvore de decisão clínica, me parece a Sibutramina muito diferente do caso da reposição hormonal. Desta vez, gostei mais da decisão européia.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Champix - Há Evidências de Efeito Cardiovascular?


Recentemente relatamos a suspensão da Sibutramina no mercado europeu devido aumento de eventos cardiovasculares demonstrado no maior ensaio clínico realizado, cujos resultados ainda não estão publicados. Como comentamos, a comunidade médica deveria ter esperado evidências adequadas para o uso da droga, principalmente em pacientes de risco cardiovascular aumentado.

Exemplos como este devem servir de lição para prevenirmos problemas futuros com uso precipitado de drogas ainda sem evidências adequadas. Uma medicação que já está sendo usada de forma precipitada em pacientes de risco cardiovascular aumentado é a Vareniclina (Champix), droga que serve de auxilio para cessação do tabagismo. Na semana passada, foi publicado no Circulation o artigo intitulado Efficacy and Safety of Varenicline for Smoking Cessation in Patients With Cardiovascular Disease. Este trabalho randomizou 714 tabagistas com doença cardiovascular para o uso de Vareniclina ou placebo por 12 semanas, tendo obtido maior taxa de abstinência durante uso da droga (47% vs. 14%), efeito que permaneceu meses após término do tratamento, embora em menor magnitude (19% vs. 7%). Eventos cardiovasculares não foram estatisticamente diferentes entre os grupos (7.1% vs. 5.7%; P = 0.46), o que fez os autores sugerirem segurança cardiovascular. Esta última frase precisa ser interpretada com cuidado.

Quando encontramos uma diferença estatisticamente significante, quer dizer que os grupos são diferentes. Porém quando não encontramos diferença estatisticamente significante, isto necessariamene não significa semelhança. Para que o resultado signifique semelhança é necessário que haja poder estatístico suficiente para se detectar diferença. E neste estudo não há poder estatístico adequado para eventos cardiovasculares. Com 350 pacientes por grupo, este estudo só teria poder estatístico adequado para detectar uma diferença enorme, de 6% em termos absolutos. Ou seja, o estudo não é capaz de detectar um aumento de risco de magnitude plausível, portanto não sabemos nada a respeito de segurança em pacientes com doença cardiovascular. Se esta diferença (7.1% vs. 5.7%) se mantivesse em um estudo de 10.000 pacientes, haveria significância estatística indicando que a droga aumentaria risco. Além disso, este estudo avaliou apenas risco cardiovascular em 12 semanas. VAle salientar que esta droga age no receptor da acetilcolina, podendo ter efeitos neurohumorais.

O possível aumento de eventos cardiovasculares associado a drogas como Sibutramina, inibidores seletivos da Cox-2 (Vioxx), terapia de repostição hormonal e talvez Vareniclina tem maior relevância em pacientes com risco cardiovascular aumentado. O problema é que grande parte dos obesos ou tabagistas tem risco aumentado. Desta forma, quem mais precisa parar de fumar ou perder peso é mais vulnerável a possíveis efeitos cardiovasculares indesejados. É um paradoxo, que só pode ser resolvido com evidências científicas adequadas. Por exemplo, é inadequado iniciar Champix na alta hospitalar de paciente com síndrome coronariana aguda, momento de grande vulnerabilidade para eventos cardiovasculares recorrentes. Pode ser até seguro, porém ainda não sabemos.

Desta forma, é melhor ter paciência e esperar evidências científicas adequadas para iniciar o Champix (R$ 800) em pacientes com risco cardiovascular intermediário ou alto.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Benefício Coletivo vs. Individual (Dieta Hipossódica)


No último número do NEJM foi publicado o estudo Projected Effect of Dietary Salt Reductions on Future Cardiovascular Disease, o qual utiliza premissas de estudos epidemiológicos para estimar por meio de modelos matemáticos o impacto da redução de sal na dieta. O estudo conclui que “modesta redução de sal na dieta (-3 g/dia) promove redução substancial de eventos cardiovasculares”.


Este é um bom exemplo de uma redução substancial do ponto de vista populacional, porém de efeito mínimo do ponto de vista individual. Observem que esta redução de sal promove uma redução na pressão sistólica de apenas 3.6 mmHg. Este pequeno efeito na pressão promove uma redução absoluta de infarto ou AVC de 0.06%. Ao calcular o número necessário a tratar (NNT = 100/0.06) percebemos que precisamos reduzir sal na dieta de 1.666 pessoas para prevenir um infarto ou AVC. Um valor de referência do NNT para considerarmos uma terapia de impacto relevante para saúde é 50. Ou seja, a magnitude individual do benefício da redução de sal é quase desprezível. Por outro lado, se todo americano adotasse esta terapia, o impacto populacional seria grande, com redução de 86.000 infartos ou AVC anualmente. Bastante razoável, o que economizaria $ 10 bilhões por ano. Já daria uma boa ajuda ao Haiti.


É a mesma coisa do benefício de certas vacinas. A probabilidade de uma pessoa na população geral adquirir e morrer de gripe suína é mínima. Por isso a magnitude do benefício individual é pequena, mas vacinando toda uma população o benefício coletivo é grande.


Mas do ponto de vista prático, qual a importância da diferenciação do benefício individual vs. coletivo? Como bem apontado por Barral no Blog do LIMI, dieta hipossódica é uma medida preventiva de difícil execução, pois “grande parte do sal da dieta não é adicionado na cozinha e sim já está contido na comida. Alguns alimentos, como carne e peixe, já contém naturalmente sal, em outros o sal é adicionado durante o preparo industrial. A comida contém, sem adição extra, cerca de 10% do sal da nossa dieta, outros 15% são adicionados na cozinha e cerca de 75% o são pela indústria de alimentos.”

Por este motivo, muito mais do que uma recomendação individual, isto tem que ser uma medida de saúde pública. Não é necessariamente uma mudança de hábito pessoal, mas sim um reconhecimento coletivo do problema. Por exemplo, o governo deveria subsidiar alimentos pobres em sal e cobrar mais imposto dos alimentos mais salgados. Assim inibiria a disponibilização de tantos alimentos industrializados com alto teor de sal. Isso é só um exemplo de muitas medidas que poderiam ser criadas.

Só funciona como medida de saúde pública. E medida de saúde pública não é ficar dizendo no Fantástico que sal faz mal à saúde, é implementar políticas efetivas.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O Paradoxo Risco-tratamento

O paradoxo risco-tratamento é um fenômeno caracterizado por algumas situações clínicas onde pacientes de maior risco recebem menos tratamento, enquanto pacientes de menor risco recebem mais tratamento.

No Circulation ahead of print foi publicado esta semana dados do Registro Observacional ACTION, que contempla 30.000 pacientes com SCA sem supradesnível do ST e 19.000 pacientes com infarto e supradesnível do ST. O artigo foca na questão da disfunção renal. Primeiro mostra que quanto pior a função renal, maior risco de eventos recorrentes (isso já se sabe). Segundo, o paradoxo: quanto pior a função renal, menos tratamento o paciente recebe. Isto ocorre com tratamento medicamentoso, intervencionista e até mesmo medidas como dieta e estimulo a atividade física.

O maior determinante do paradoxo risco-tratamento é a falta de decisão baseada em evidência. Ou seja, a tomada de decisão clínica deve levar em conta o risco de eventos recorrentes, que deve ser estimado pelos marcadores de risco estabelecidos. Caso isso seja feito, a chance do paradoxo se reduz, pois quanto maior o risco, maior o benefício absoluto que o paciente desfruta da terapia.

O mais clássico exemplo do paradoxo risco-tratamento é o problema da idade. Idosos são os pacientes de mais alto risco dentre a população de síndrome coronariana aguda, porém a idade muitas vezes inibe a adoção de estratégias invasivas de tratamento. Outro exemplo: idosos com fibrilação atrial são mais predispostos a AVC embólico do que jovens. Mas são os que menos recebem anticoagulação. Mesmo que estes pacientes sejam mais vulneráveis a efeitos colaterais, o benefício absoluto neles é ainda maior, o que resulta em vantagem de adotar as estratégias de tratamento. É só uma questão de balancear risco/benefício.

O Mito da Revascularização sem Extracorpórea

Esta semana foi publicado ahead of print no Circulation o artigo de título No Major Differences in 30-Day Outcomes in High-Risk Patients Randomized to Off-Pump Versus On-Pump Coronary Bypass Surgery. Esta evidência proveniente de ensaio clínico randomizado mostra que cirurgia de revascularização sem extracorpórea não oferece menor risco do que a tradicional opção com circulação extracorpórea, mesmo em pacientes de moderado a alto risco cirúrgico. Ou seja, a vantagem teórica (mito) de maior segurança não é confirmada por ensaios clínicos randomizados.
Mais importante ainda foi o ensiao clínico publicado em 2009 no New England Journal of Medicine. Este estudo randomizou 2200 pacientes para cirurgia com ou sem extracorpórea, demonstrando em seguimento de 1 ano maior incidência de eventos cardiovasculares no grupo sem extracorpórea, além de pior patência dos enxertos e pontes. Ou seja, sob o paradigma de medicina baseada em evidência, cirurgia com extracorpórea é mais eficaz e tem segurança semelhante à cirurgia com extracorpórea.

Nos últimos anos, entusiastas do novo andaram propondo cirurgia sem extracorpórea baseado na crença de que esta seria mais segura e de eficácia semelhante. O conjunto de evidências atual mostra o contrário. Nem sempre o novo é melhor, muitas vezes o tradicional é a melhor opção. O segredo é esperar as evidência científicas. Até que estas estejam disponíveis a busca do novo deve ser sob a forma de ciência e não de conduta clínica.

Embora semideuses, cirurgiões cardíacos também devem se basear em evidências científicas.

Sibutramina Banida

Anunciado ontem que o FDA contra-indicou o inibidor do apetite Sibutramina em indivíduos com doença cardiovascular, desde aqueles com hipertensão moderadamente elevada até insuficiência cardíaca ou doença coronariana. Esta recomendação foi feita após o FDA ter acesso aos dados preliminares do ensaio clínico SCOUT que randomizou 10.000 paciente para Sibutramina ou placebo, no intuito de demonstrar benefício clínico, porém mostrou aumento de eventos cardiovasculares da ordem de 1.4% em termos absolutos.
A European Medicines Agency foi mais longe e recomendou a suspensão da medicação do mercado, o que já foi confirmado pela Abbot. Vamos agora esperar a ANVISA. Esta geralmente vai no mesmo caminho das decisões tomadas pelo FDA ou EMA.
Depois de tantos anos de uso... Não poderia ter esperado a evidência ideal sobre segurança e eficácia para permitir a utilização?
No final das contas, qual o objetivo clínico da perda de peso? A redução de eventos cardiovasculares, que é a consequência final da obesidade. Portanto, para se instituir uma terapia deste tipo, são necessários ensaios clínicos que mostrem redução infarto, AVC ou óbito cardiovasccular em seguimento de longo prazo.
É a história que se repete. Lembram do Rimonabant?
Medicações liberadas antes das evidências ideais são suspensas depois de anos de comercialização. Havia evidência de que a Sibutramina tinha benefícios clínicos, em termos de redução de eventos? Havia comprovação de segurança?
Mais uma fez o lobby da indústria farmacêutica ...

Disfunção Erétil e Escore de Framingham

Quanto Incorporar um Novo Marcador de Risco na Prática Clínica?
Inúmeros são os artigos sobre marcadores de risco publicados semanalmente em revistas de alto impacto. Todos estes biomarcadores demonstram ser preditores independentes de risco cardiovascular. Mas será que devemos incorporar todos em nossa prática clínica? Claro que não, até mesmo porque são tantos que seria impossível. Precisamos julgar qual marcador de risco faz diferença do ponto de vista clínico.
Ser um preditor independente de risco é prova de conceito de que o marcador tem ligação direta com processos fisiopatológicos que podem influenciar no desfecho do paciente. Mas não é condição suficiente para que este passe a ser utilizado na prática clínica. Um artigo publicado esta semana no Journal of the American College of Cardiology intutilado "Does Erectile Dysfunction Contribute to Cardiovascular Disease Risk Prediction Beyond the Framingham Risk Score?" indica que a presença de disfunção erétil (avaliado por um questionário) é um preditor de risco independente do Escore de Framingham. O que isto quer dizer? Vale a pena acrescentar disfunção erétil na nossa predição de eventos cardiovasculares. Ou seja, disfunção erétil deve agora fazer parte do Escore de Framingham?

Para um marcador ser incorporado na prática clínica, é necessário que este incremente o valor prognóstico do modelo preditor usualmente utilizado. E nem todo preditor independente adiciona valor prognóstico de forma relevante. É a diferença de significância estatística (predição independente) e significância clínica (valor incremental). Para saber se há valor incremental, o investigador deve comparar a estatística-C (área abaixa da curva ROC) do modelo preditor usual (no caso, o Escore de Framingham) com a estatística-C de um novo modelo preditor formado da associação do Framingham com o novo marcador em questão. Caso haja um incremento de pelo menos 0.05 na estatística-C significa que o novo marcador agrega valor prognóstico. O artigo mencionado faz esta análise e mostra que a estatística-C no escore de Framingham é 0.691, comparada à estatística-C do Framingham + disfunção erétil de 0.695. Ou seja, nada mudou e não se justifica usar o questionário de disfunção erétil para influenciar nossa estimativa de prognóstico. Além da estatística-C, pode-se avaliar o valor incremental pela análise de reclassificação, mas este item deixaremos para uma próxima postagem.

Precisamos ficar atentos, pois é comum um autor propor a utilidade de um novo marcador tendo como justificativa apenas o valor preditor independente. Por muitos anos o pesquisador Paul Ridker propôs a utilização de proteína C-reativa como preditor de eventos cardiovasculares, baseando-se apenas em seu valor preditor independente. Depois se percebeu que este marcador não tem valor adicional ao escore e Framingham.

Da mesma forma que o valor de uma terapia depende mais do número necessário a tratar para obter o benefício (NNT) do que do nível de significância estatística (condição necessária, mas não suficiente), o valor de um marcador prognóstico depende mais do seu incremento na estatística-C do que do valor de P na análise multivariada (condição necessária, mas não suficiente).

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Beleza Clínica vs. Beleza Cirúrgica

Esta semana Dr. Bruno Bezerril, pesquisador do NIH em Washington D.C., nos chamou atenção para um intrigante artigo publicado em 2006 no British Medical Journal, intitulado Phenotypic differences between male physicians, surgeons, and film stars: comparative study (BMJ 2006;333:1291–3). Este artigo demonstra que médicos cirurgiões são mais altos e mais bonitos do que médicos clínicos. A beleza foi mensurada por um escore que variava de 1 (feio) a 7 (muito bonito). Vejam resultado: "We contacted 14 surgeons and 16 physicians. Surgeons had statistically significantly higher good looking scores than physicians (4.39 v 3.65; P = 0.010)."

Qualquer evidência científica deve passar pelo crivo que três perguntas: (1) A evidência é verdadeira? (2) A evidência é de magnitude relevante? (3) A evidência é aplicável? Vamos analisar.

Em relação à veracidade da informação, a primeira questão é checar se o achado foi devido ao acaso. Isto se verifica pelo famoso valor de P, que no caso foi de 0.01, indicando que a probabilidade do acaso ser responsável pelo fenômeno foi de 1%, ou seja, desprezível (menor que 5%). Pois bem, o acaso está afastado. Mas devemos saber que além do acaso há outros erros que podem levar a resultados espúrios. Por exemplo, variáveis de confusão, que são características que podem diferir entre os dois grupos, provocando resultados não dependentes da variável preditora principal (tipo de médico). Apesar dos autores terem pareado os indivíduos por idade, estes não mostraram uma tabela comparando as características dos dois grupos, o que seria imprescindível para fazermos uma análise exploratória à procura de fatores de confusão. Este tipo de erro então não pode ser afastado pelo estudo. Por fim, devemos avaliar se existem vieses, ou seja, erros sistemáticos na metodologia do trabalho que possam influenciar os resultados. Os autores mencionam que foram enfermeiras do próprio hospital que deram a nota de beleza aos médicos, a partir de fotos digitalizadas. Então esta não foi uma avaliação cega, pois as enfermeiras sabem qual a especialidade dos médicos e o glamour típico da função cirúrgica pode ter enviesado esta análise. Isto se chama viés de observação. Portanto, tendo em vista estas questões, não podemos afirmar ao certo se esta evidência é verdadeira.

Segunda pergunta: relevância. Devemos lembrar que significância estatística é diferente de significância biológica. Apesar da diferença ter sido estatisticamente significante, um escore de beleza de 4.4 não é tão diferente de 3.7. Do ponto de vista prático, a beleza é igual nos dois tipos de médico, pois esta diferença numérica não deve ser tão perceptível a olho nu. Portanto, o resultado não é relevante.

Terceiro ponto, aplicabilidade. Qual a validade externa deste trabalho realizado apenas em um hospital de Barcelona. Isto se aplica à realidade da Espanha como um todo? Isto se aplica ao Brasi?. Não sabemos. Portanto não podemos afirmar que o resultado é aplicável à nossa realidade.

Em conclusão, sob o crivo da medicina baseada em evidências, este interessante artigo não deve influenciar nossa conduta clínica, ou conduta social.

Por falar nisso, há uma nova nomenclatura nos Estados Unidos, que chama médicos clínicos de médicos cognitivos, enquanto os demais são chamados de médicos intervencionistas. Você prefere ser um médico cognitivo ou um médico intervencionista? Qual o mais elegante?

Implante Desnecessário de Stents Coronários



Em Baltimore, o laboratório de cardiologia intervencionista com maior número de procedimentos não é o da Universidade de Johns Hopkins, nem o da Universidade de Maryland. O laboratório mais movimentado está em um hospital privado, o St. Joseph Medical Center. Este hospital realiza 6.5oo procedimentos coronários percutâneos por ano e detém o número de 100.000 stents coronários implantados desde 1980.


Uma reportagem de 15 de janeiro no Baltimore Sun traz a notícia de que este hospital sofreu uma auditoria federal, a qual detectou que 369 pacientes nos últimos dois anos realizaram angioplastia com implante de stent de forma desnecessária. O St. Joseph Medical Center reconheceu o resultado da investigação e enviou cartas informando a estes pacientes que eles receberam tratamento desnecessário.


Isto não é uma particularidade deste hospital. Nos últimos anos, dois outros médicos intervencionistas foram processados nos Estados Unidos por implantes de stents desnecessários. Muitos seguem a mentalidade do médico ativo, definida como a noção de que médico bom é aquele que indica procedimentos, cirurgia, tratamentos complexos, drogas novas. Os médicos se sentem mais seguros em indicar procedimentos (mesmo que desnecessários) do que assumir a responsabilidade de que um procedimento não é necesssário. Este é um exemplo de que também podemos ser responsabilizados pelo que fazemos, não só pelo que deixamos de fazer.


Este tipo de fenônemo é facilitado pelo distanciamente de decisões médicas baseadas em evidências. Decisões baseadas puramente em intuição ou experiência pessoal facilitam a adoção de tratamentos que trazem benefícios comerciais, porém são desprovidas de benefício clínico.


O cardiologista intervencionista responsável pelo laboratório, Mark G. Midei, está afastado de suas atividades. Que sirva de exemplo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Paradigma do Paraquedas

Medicina baseada em evidências é definida como a utilização da melhor evidência corrente na tomada de decisões médicas. Melhor evidência corrente às vezes não são estudos de alta qualidade científica, pois estes não estão presentes em várias circunstâncias clínicas. Muitas vezes não há um grandes ensaio clínico randomizado para uma certa decisão terapêutica, ou um grande estudo de coorte para resolver uma questão prognóstica. Desta forma, cabe à medicina baseada em evidências identificar circunstâncias onde se justifica tomar condutas clínicas mesmo sem a evidência ideal. Mas como saber que circunstâncias são estas?
Há duas circunstância gerais que se aplicam neste caso: plausibilidade extrema ou gravidade extrema. O primeiro caso ocorre quando a situação é tão plausível que se torna anti-ético exigir que a conduta seja condicionada à realização de um ensaio clínico. Não precisamos randomizar indivíduos que pulam de um avião para uso de para-queda ou placebo para saber que a terapia do para-queda reduz a mortalidade. Daí o paradigma do para-queda, que tem vários exemplos médicos: uso de diurético no edema agudo de pulmão, troca de valvas cardíacas defeituosas, correções de cardiopatia congênita grave, implante de marca-passo no bloqueio átrio-ventricular total. Estas são situação são de plausibilidade extrema, aplicadas corretamente, a despeito da inexistância de ensaios clínicos. Há outas situações, as de gravidade extrema. Por exemplo, choque cardiogênico decorrente de embolia pulmonar. A terapia trombolítica fica indicada, pela situação da gravidade extrema, ou seja, é tão alta a mortalidade, que se determina uma terapia mesmo sem um ensaio clínico randomizado.

O problema é que são inúmeras as situações onde se adota uma terapia na ausência de evidências e na ausência de situações que impliquem em gravidade extrema ou plausibilidade extrema: uso de ezetimibe para redução do colesterol; uso de terapia de reposição hormonal para redução de eventos cardiovasculares; uso de rimonabant para perda de peso; preferir novos anti-hipertensivos sem comprovação de benefício clínico, em detrimento de anti-hipertensivos mais antigos com benefício comprovado; e assim por diante. São múltiplos os exemplos. E aí entra a pressão da indústria farmacêutica, a qual convence grande parte da comunidade médica a adotar condutas sem evidências, porém lucrativas em vários sentidos.

Medicina baseada em evidências não é ser inflexível e só adotar condutas plenamente validadas. Cabe ao médico separar as situações onde é necessário mais flexibilidade e situações onde as evidência ideais devem ser aguardadas pacientemente. Aí entra a experiência clínica que não é a antítese da evidência, mas sim um requisito importante na tomada de decisão.

Por fim, medicina baseada em evidências não é um purismo científico feito para agradar acadêmicos. É a utilização do conhecimento médico em benefício do paciente em primeiro lugar.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Screening para Ca de Próstata - Há Evidências?


Em resposta à postagem sobre screening para câncer de mama, recebemos um interessante comentário de Dr. José Carlos Lima: “Também precisamos conversar sobre a biopsia de próstata, pois 76% delas são brancas. Muitas vezes se biopsia próstatas infectadas. Você pode imaginar a conseqüência?” Faz sentido.


No ano passado, foi publicado no New England Journal of Medicine um grande ensaio clínico, envolvendo 76.693 homens entre 50 e 75 anos, randomizados para screening anual (toque retal + PSA) ou controle (N Engl J Med 2009;360:1310-9). No grupo controle a realização do screening não era obrigatória, ficava a critério do indivíduo. Após 10 anos de seguimento, não houve redução de mortalidade relacionada ao câncer de próstata com o screening rotineiro. Vale salientar que 40% dos voluntários no grupo controle fizeram algum tipo de screening por conta própria, o que pode ter diluído o benefício da terapia. Este potencial viés é inerente ao tipo de estudo, pois seria antiético proibir que os indivíduos fizessem exames. Por outro lado, isto não invalida os resultados, pois a proporção de pessoas submetidas ao screening foi bem diferente entre os dois grupos.


Em 2008, em artigo publicado no Annals of Internal Medicine, o U.S. Preventive Services Task Force afirmou que não havia evidências suficientes para recomendar o screening: “For men younger than age 75 years, evidence is inadequate to determine whether screening improves health outcomes. Therefore, the balance of harms and benefitscannot be determined.


E ainda lembrou: “The harms of screening include the discomfort of prostate biopsy and the psychological harm of false-positive test results. Harms of treatment include erectile dysfunction, urinary incontinence, bowel dysfunction, and death. A proportion of those treated, and possibly harmed, would never have developed cancer symptoms during their lifetime.”


Naquela época, o Task Force lembrou que o ensaio clínico acima citado estava em andamento e brevemente poderia contribuir para esclarecer a questão. Pois bem, agora que este trabalho está publicado, sabemos que este representa uma evidência contrária ao screening da forma como foi proposto.


Em 2009, Esserman et al publicaram uma interessante revisão no JAMA, onde afirmam:
Screening may be increasing the burden of low-risk cancers without significantly reducing the burden of more aggressively growing cancers and therefore not resulting in the anticipated reduction in cancer mortality. To reduce morbidity and mortality from prostate cancer and breast cancer, new approaches for screening, early detection, and prevention for both diseases should be considered.”


Dá para perceber que o benefício da pesquisa rotineira para câncer de próstata não é tão óbvio como se pensa.

Magnitude do Benefício de Antidepressivos


Na medicina ocidental, é relativamente comum a prescrição de antidepressivos no intuito de resolver casos de depressão leve a moderada. Porém os ensaios clínicos que demonstram efeito antidepressivo superior ao placebo se limitaram a estudar pacientes com depressão severa. Em artigo publicado semana passada no JAMA (JAMA 2010;303:47-53), foram combinados sob a forma de meta-análise 6 trabalhos que incluíram um amplo espectro de gravidade de depressão, estudando um número representativo de pacientes com depressão leve a moderada. O efeito da terapia foi medido pela Escala de Depressão de Hamilton, que foi aplicada antes e depois do tratamento. Foi consistente a observação de que o efeito das drogas é igual ao placebo em pacientes com depressão leve a moderada, ao passo que pacientes com depressão severa o benefício das drogas é significativo.
Portanto, em casos mais leves de depressão, principalmente os que se confundem com as angústias comuns do ser humano, o uso de drogas antidepressivas não parece ser o melhor caminho. Há caminhos alternativos.

Mensurando a Magnitude do Benefício

Os formadores de opinião muitas vezes exageraram na medida da magnitude do benefício trazido por uma nova terapia.
Exemplo: recentemente chamamos a atenção para o estudo PLATO, que mostrou o Ticagrelor como superior alternativa ao Clopidogrel na prevenção de eventos isquêmicos, sem aumentar sangramento. Sem dúvida isso é uma vantagem, mas no final da postagem lembramos “embora o Ticagrelor seja uma evolução farmacológica, não é uma panacéia”.

Mas esta semana Greg Stone escreveu no Lancet (ahead of print): “ticagrelor as a landmark event that will redefine the care of ACS patients.” Exagero, pois a sua superioridade em relação ao Clopidrogrel não é de grande magnitude, com número necessário a tratar (NNT) para prevenção de eventos combinados acima de 50.

The primary endpoint, the rate of CV death, MI, and stroke, was reduced from 10.7% in the clopidogrel arm to 9.0% in the ticagrelor arm, a highly significant (p=0.0025) reduction of 16%”. Primeiro, significância estatística não é igual a significância clínica. O valor de P muito pequeno não significa grande benefício, significa uma pequena probabilidade do acaso. Segundo, redução relativa do risco (16%) não retrata bem magnitude do benefício. Se jogarmos dois cartões na megasena, aumentamos em 100% a probabilidade de ganharmos. Mas do ponto de vista absoluto, o aumento é mínimo, de 1/50 milhões para 2/50 milhões. Então devemos calcular a redução absoluta do risco = 10.7% - 9% = 1.7%, o que dá um NNT de 100/1.7 = 59 para prevenir um evento. Existe superioridade do Ticagrelor em relação ao Clopidogrel, mas esta modesta.

Em conclusão, quando falamos de benefício de uma terapia, não podemos pensar de forma dicotômica. Após concluir por um benefício, devemos sempre mensurar corretamente a magnitude deste benefício. Assim tomaremos decisões médicas mais corretas ao decidir de forma individualizada entre o novo e o velho.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Dabigatran é o Alterego da HBPM

Recentemente chamamos atenção do estudo RE-LY que comprovou a eficácia de um antitrombínico direto como forma de anticoagulação crônica. Há semelhanças interessantes entre esta promissora droga e o que representou o advento da heparina de baixo peso molecular (HBPM) quando do seu lançamento na década de 90. Vejam:
(1) HBPM não precisa de controle do TTPa, devido a sua previsibilidade de ação. Da mesma forma, o Dabigatran não precisa de controle do TP.
(2) Disfunção renal severa é uma contra-indicação relativa para HBPM, pois se perde a previsibilidade de sua ação. Neste caso, deve-se preferir a alternativa antiga, heparina não fracionada. Da mesma forma, Dabigatran também deve ser evitada em pacientes com disfunção renal severa, pois esta é excretada via renal. Neste caso, deve-se preferir a alternativa antiga, Warfarina.
(3) HBPM tinha custo elevada no seu início, com uso limitado aos hospitais privados; hoje o seu uso é universal. Dabigatran será droga de alto custo e por alguns anos restrita às classes A e B. Quando cair a patente ser tornará mais disponível à população carente.
Parece uma história sendo contada de novo. É a lei do eterno retorno. A história se repete de tempos em tempos.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Doações para o Haiti

Abaixo está o link da United Nation Foundation para doações ao Haiti. Neste caso, não precisamos de evidências científicas para saber do impacto de nossa ajuda.
http://www.unfoundation.org/

Quando a Evidência é Impopular - Mamografia

Há inúmeros exemplos de conflitos entre a comunidade e evidências científicas de alta qualidade. Estas situações provocam desconsideração da ciência em prol da popularidade. O mais recente e ilustrativo exemplo é o da indicação de mamografia em mulheres de 40-49 anos. No final do ano passado foi publicado pelo US Preventive Services Task Force (órgão não governamental), nos Annals of Internal Medicine, uma criteriosa análise de evidências científicas, que recomendou contra a realização rotineira de mamografia nesta população-alvo (Ann Intern Med. 2009;151 (10):716-726). Esta recomendação provocou forte reação por parte de vários setores da sociedade: imprensa leiga, políticos, médicos radiologistas e mastologistas, que contagiaram o público leigo com a idéia de que aquelas recomendações eram estapafúrdias e irresponsáveis. Durante as discussões presenciadas na CNN, Jornal Nacional, Folha de São Paulo, Jornal A Tarde (para citar alguns de fácil acesso entre nós), pouco se falou de evidências científicas.
Passadas algumas semanas e acalmados os ânimos, o JAMA publicou em seu último número 4 editoriais diferentes, onde os autores foram unânimes em reconhecer que o Task Force está correto. A questão é simplesmente de ponderar risco e benefício. Mamografia (que é um exame de acurácia medíocre) apresenta benefícios (prevenção de morte especificamente por câncer de mama) e malefícios (falsos diagnósticos de câncer de mama). Na faixa etária de 40-49 anos, se precisa realizar screening anual em 2.000 mulheres para prevenir uma morte do câncer de mama, ou seja, a magnitude do benefício é pequena. Tão pequena que não há certeza que existe, pois a significância estatística é boderline. E o maior problema é que tudo isso ocorre à custa de uma grande quantidade de diagnósticos errados, podendo chegar (pasmem) a 400 falso-positivos em cada 2.000 mulheres que realizam mamografia anual no período de 10 anos. Ou seja, para cada morte (por câncer de mama) prevenida, ocorrem 400 diagnósticos falso-positivos. Estes falso-positivos têm conseqüências psicológicas e físicas (biópsias desnecessárias). Mas o pior é que vários destes casos de falso-positivos não são corrigidos pelo resultado da biópsia. Estimativas provenientes de ensaios clínicos sugerem que, dentre estas 2.000 mulheres, 10 delas são tratadas com cirurgia, quimioterapia ou radioterapia sem ter câncer nenhum. Isso porque biópsia é um exame bom, mas não é perfeito e não corrige todos os erros da mamografia. Desta forma, mesmo reduzindo morte por câncer de mama, não será surpresa se estudos futuros mostrarem que a mortalidade total não se altera ou até mesmo aumenta. Há necessidade de estudos maiores para responder esta questão.

Por estes convincentes motivos, o Task Force não recomenda mamografia de rotina, devendo esta decisão ser individualizada pelo perfil de risco da paciente. O problema é que essa recomendação não é popular. Popular é o sensacionalismo da imprensa leiga interessada em aumentar sua audiência, dos políticos interessados em aumentar seu número de votos e até mesmo de médicos preocupados com a diminuição de sua receita.

A Medicina é voltada para prevenir mortes, mas também para promover qualidade de vida. Não há sentido em sugerir uma conduta de rotina cujo benefício é mínimo (se houver), ao custo de piora da qualidade de vida de um grande número de pessoas. Por fim, lembro mais uma vez que todas estas colocações dizem respeito ao uso indiscriminado, de rotina, em todas as mulheres de 40-49 anos.

Esta mesma reflexão se aplica ao screening de doença coronária em pacientes assintomáticos. Precisamos refletir e discutir mais estes assuntos.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Interpretação do Escore de Cálcio Coronário

Está bem estabelecida a associação entre o nível de calcificação coronária e a incidência de eventos cardiovasculares. Esta associação é independente dos fatores de risco clássicos e estudos de coorte prospectiva demonstram que o escore de cálcio agrega algum valor à predição de risco obtida pelo Escore de Framingham (incremento na estatística-C de 0.05). Normalmente o escore de cálcio é interpretado por uma tabela que descreve a relação entre a categoria de calcificação e a probabilidade de eventos cardiovasculares em 10 anos. Porém esta metodologia é demasiadamente simplória. Devemos nos lembrar que não é só o escore de cálcio que tem valor prognóstico independente do Framingham. O Escore de Framingham também tem valor prognóstico independente da calcificação. Portanto, a interpretação do escore de cálcio deve levar em conta a probabilidade de eventos estimada pelo Framingham. Mas como fazer isso?
Modelos matemáticos provenientes de análises multivariadas fornecem os coeficientes de regressão de cada característica do paciente, ou seja, o peso do escore de cálcio e de cada fator de risco na predição da probabilidade de um evento cardiovascular (BMC Medicine 2004, 2:31). Utilizando estes modelos consideramos o quadro clínico e o escore de cálcio para estimar o risco.

Por exemplo, imaginem um homem de 60 anos, hipertenso, tabagista, colesterol LDL = 150 , HDL = 40. De acordo com o Escore de Framingham este paciente tem o risco de 29% em desenvolver um evento cardiovascular nos próximos 10 anos (risco alto). Se o escore de cálcio dele for zero, significa que seu risco é baixo? Não, pois o risco integrado (cálcio + Framingham) fica em 12%, ou seja, é intermediário. Mesmo sem nenhum ponto de calcificação.

Por outro lado, um homem de 40 anos, sem fatores de risco (baixo risco de Framingham), com escore de cálcio = 400 não tem alto risco. Ele tem risco intermediário, ou seja, 12%.
É simplesmente a integração baseada em ciência da clínica com o exame complementar.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Pré-operatório Não Embasado em Ciência

Uma das áreas onde a conduta médica tem sido mais baseada em mito do que em evidência é a avaliação cardiovascular pré-operatória de cirurgia não cardíaca. Alguns atos médicos não oferecem benefício ao paciente, porém são comumente indicados nesta situação: realização rotineira de teste ergométrico ou exames funcionais mais complexos; procedimentos de revascularização antes da cirurgia não cardíaca; uso de beta-bloqueadores. Está demonstrado cientificamente que estas condutas não reduzem incidência de infarto perioperatório, sendo que o uso de beta-bloqueador pode aumentar mortalidade de acordo como o maior dos estudos (POISE). Este estudo iniciou o uso da droga 24 horas antes da cirurgia e a dose foi relativamente alta. Isso pode ter sido o motivo para o resultado negativo, o que justifica a realização de novos estudos. Porém este raciocínio não é suficiente para justificar o uso destas drogas no pré-operatório, pelo menos até que segurança e eficácia de esquemas alternativos sejam comprovadas em estudo de tamanho amostral adequado. Quanto à revascularização, ensaios clínicos randomizados demonstram que não há redução de eventos quando comparado à conduta conservadora.

Este foi o tópico de uma lúcida Perspectiva escrita por Chopra et al, no último número dos Archives of Internal Medicine (http://www.annals.org/content/152/1/47/T2.expansion.html).
Vejam o trecho principal:
"Many current perioperative practices reinforce an unsustainable increase in health care expenditure. For instance, perioperative coronary revascularization does not improve outcomes in patients with stable coronary disease. Similarly, perioperative stress testing benefits far fewer patients than current implementation rates justify, and indiscriminate perioperative β-blocker therapy can cause harm when not directed to clearly defined, at-risk patient population. Perioperative medicine has thus come to represent an excellent target for health care reform and must strive to become more evidence-based in an era of unprecedented and increasing health care costs. "

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Há Guidelines e Guidelines

Muitos ingenuamente acreditam que as recomendações contidas em guidelines obrigatoriamente representam o que existe de melhor em termos de conduta médica. Muitas vezes isso é verdade, outras vezes não. No ano passado foi publicado um interessante artigo no JAMA mostrando que um número maior que o aceitável das recomendações em cardiologia não tem embasamento em evidências. Hoje foi publicado nos Archives of Internal Medicine (Arch Intern Med. 2010;170(1):27-40) mais uma evidência neste sentido. Pesquisadores da Harvard avaliaram 27 guidelines sobre estratégias de prevenção primária em cardiologia, todos publicados por países do primeiro mundo, em língua inglesa e disponíveis no Medline. Em primeiro lugar, observou-se que 41% dos guidelines não reportaram devidamente os conflitos de interesse dos autores. Em segundo lugar, os autores avaliaram o rigor científico dos guidelines, utilizando o instrumento AGREE (Qual Saf Health Care 2003;12:18–23), que leva em consideração 7 itens: métodos de pesquisa das evidências, critérios para seleção das evidências, método para formulação de recomendações, avaliação de benefício vs. risco, nível de embasamento de cada recomendação, procedimentos de revisão externa do documento e processo de atualização do documento. Após esta criteriosa avaliação, 37% dos guidelines foram considerados de baixo rigor científico. Conseqüentemente, percebemos que não basta ser guideline para ser bom.
Este fenômeno está presente também no Brasil. Por exemplo, a Diretriz Brasileira sobre Prevenção de Doenças Cardiovasculares em Mulheres no Climatério (Sociedade Brasileira de Cardiologia) publicou em 2008 a infeliz afirmação que "existem evidências de benefícios cardiovasculares quando a TRH é iniciada na transição menopáusica ou nos primeiros anos de pós-menopausa". Este fato motivou o excelente artigo “Reposição Hormonal e Doença Cardiovascular: uma Diretriz Contrária à Evidência” do Dr. Flávio Fuchs, publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia. A última Diretriz de Dislipidemia sugeriu que o resultado da proteína C-reativa ou ultrassom de carótidas são capazes de reclassificar o risco cardiovascular dos indivíduos. Esta recomendação também é contrária ao pequeno valor prognóstico adicional que estes marcadores demonstram nos trabalhos científicos. No intuito de corrigir estas distorções, Dr. Anis Rassi Jr., quando Coordenador de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia na gestão 2006/2007, normatizou as diretrizes, com medidas tomadas para reduzir conflitos de interesses e aumentar o rigor científico das mesmas. Pena que a gestão 2008/2009 da Sociedade Brasileira de Cardiologia derrubou a normatização do Dr. Rassi, voltando à estaca zero e ao mundo dos conflitos de interesse.
O fato é que nós médicos precisamos saber analisar criticamente a qualidade dos guidelines, da mesma forma que avaliamos a qualidade de um artigo científico. Devemos lembrar que quem escreve os guidelines não são entidades divinas, são pessoas sujeitas a limitações técnicas naturais e muitas vezes a conflitos de interesse. Portanto, precisamos separar o joio do trigo. Para isso, existem os critérios AGREE de qualidade dos guidelines (Qual Saf Health Care 2003;12:18–23).

sábado, 9 de janeiro de 2010

Radiação nos Aeroportos

Após a tentativa de atentado no vôo da Delta de Amsterdan para Detroid no dia 25 de dezembro, o governo americano está voltando a utilizar backscatter scanners para vasculharem o corpo dos passageiros na entrada dos portões de embarque. Estes aparelhos vinham sendo substituídos por uma versão que não oferece radiação ionizante, porém a imagem é de pior qualidade. Com o pânico gerado pelo quase atentado, o Transportation Security Administration passou a priorizar a qualidade das imagens, voltando à preferência pelos backscatter scanners que utilizam radiação ionizante. Desta forma, o governo americano está adquirindo 450 novos backscatter scanners, para serem colocados nos aeroportos do país. E não é só nos Estados Unidos, Inglaterra e França estão com a mesma tendência.
The New York Times chamou a atenção nesta semana para o risco de câncer provocado por estes aparelhos em época da guerra contra o terror. Individualmente o risco é muito baixo, pois a quantidade de radiação é mínima, correspondente a 1% da radiação de um exame comum de raio-x. Porém o impacto pode ser maior do ponto de vista populacional. Ou seja, considerando o grande número de pessoas a serem escaneadas de forma repetida, o número absoluto de casos de câncer atribuídos ao problema pode não ser desprezível. Em 2002, um relatório do National Council on Radiation Protection and Measurements sobre estes equipamentos afirmou que “não poderia excluir a possibilidade de câncer fatal, quando um grande número de pessoas é exposto a doses baixas de radiação”.
Pessoalmente, acho que tudo é uma questão de risco/benefício. Tem que se avaliar se o benefício da prevenção de mortes por atentados terroristas suplanta o risco de morte por câncer. Ou seja, calcular o NNT para prevenção de um atentado e comparar com o NNH para morte por câncer.

Ischemia Trial

Tendo como base estudos como o Courage, hoje sabemos que mesmo na doença arterial coronária extensa (comprometimento triarterial, por exemplo), o tratamento clínico tem a mesma eficácia que o tratamento intervencionista na prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes com doença coronária estável. No entanto, no estudo Courage todos os pacientes realizaram coronariografia antes da randomização. Não sabemos ao certo se podemos tomar nossa decisão de tratamento clínico sem a informação anatômica da coronariografia. Pela lógica sim, mas isso precisa ser demonstrado.
A boa notícia é que o National Institute of Health está planejando o ISCHEMIA Trial (http://www.asnc.org/content_8718.cfm), um ensaio clínico randomizado de 6.000 pacientes. Neste estudo, indivíduos com isquemia moderada a severa na cintilografia ou no eco-estresse serão randomizados para tratamento invasivo ou tratamento clínico antes do cateterismo, que só será realizado no braço invasivo. Portanto dentro de alguns anos estará preenchido este gap de conhecimento e possivelmente reduziremos de forma substancial a solicitações de coronariografia invasiva, a qual leva ao impulso de intervenção (reflexo óculo-estenótico).

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Homeopatia e a Medicina Baseada em Ciência

Homeopatia é um fenômeno da medicina. A quantidade de adeptos à homeopatia é fenomenal, considerando que (1) seu mecanismo é totalmente desprovido de plausibilidade científica e (2) não há evidência científica comprovando sua eficácia. Plausibilidade não é uma condição suficiente para provar eficácia, mas normalmente o que é eficaz é plausível. Por isso que plausibilidade biológica é um dos critérios de causalidade de Hill. Então vamos analisar a plausibilidade do mecanismo de ação da homeopatia: primeira regra, semelhante cura semelhante (homeo). Para curar um problema, nós precisamos administrar uma substância que cause este mesmo problema. Segunda regra, antes de administrar nós devemos diluir tanto essa substância que não sobre nenhuma molécula na solução. Desta forma, a solução terá um efeito curativo e quanto mais diluído, melhor. À luz da ciência do século XXI ou até mesmo do paradigma científico não determinístico, isso é plausível? Claro que não. Mas de onde veio uma idéia tão estranha. Dá para explicar, essa idéia foi criada pelo médico alemão Samuel Hahnemann em 1796, época em que a medicina parecia mais uma fábrica de horrores. Fazer nada muitas vezes era melhor do que as terapias propostas na época. E como disse o historiador Richard Gordon, “A história da medicina é, em grande parte, a substituição da ignorância por mentiras.”
E quanto às evidências de ensaios clínicos? Nós sabemos que há ensaios clínicos para todos os resultados. Inclusive essa é uma boa área para encontrar exemplos didáticos sobre vieses científicos. Isso ficou bem exemplificado na meta-análise publicada no Lancet em 2005 (Lancet 2005;366:726-32): dentre 110 estudos sobre homeopatia, apenas oito foram considerados de alta qualidade científica. Claro, a meta-análise destes oito estudos não mostrou efeito terapêutico da homeopatia. Inclusive, este estudo mostrou que quanto pior a qualidade do estudo, mas positivo o efeito terapêutico da homeopatia.
Neste caso, estou do lado da indústria farmacêutica. É uma injustiça. Depois de anos e milhões de dólares de investimento em uma molécula, sabemos que boa parte dos ensaios clínicos não comprova o benefício esperado e tudo cai por terra. Por outro lado, os homeopatas não precisam demonstrar nada, nem mesmo criar novas moléculas. É como ter um passaporte para fazer o que quiser. Que privilégio.
Mas tudo tem um lado bom, inclusive homeopatia. Assim com tem um lado muito bom acreditar em Papai Noel, sem ironia. É a magia do mundo encantado. O efeito placebo pode ser terapêutico e acredito ser uma forma de terapia válida se resolver o problema do paciente. Há casos em que o efeito placebo é realmente efetivo, como terapia de dor crônica, por exemplo.
Além disso, precisamos refletir que a medicina complementar oferece uma abordagem mais holística, onde o médico provavelmente está mais atendo à alma do seu paciente, conversa um pouco mais, talvez olhe mais nos olhos de seu paciente. Este é um aspecto positivo da medicina complementar, com a qual nós médicos cartesianos precisamos aprender.
Mas dizer que homeopatia tem efeito biológico, sem demonstrar isso de forma científica é extrapolar. Isso é ser anticientífico, mesmo que a gente tente estender nosso pensamento para um paradigma menos cartesiano que o habitual.
Resolvi transmitir um pouco da minha visão sobre esta popular terapia complementar, pois hoje recebi um filme muito interessante de nossa colega Denise Matias. É um filme do programa de comédia inglês That Mitchell and Webb. Como toda sátira, é exagerado, mas com fundo de verdade. Não deixem de ver, dura apenas dois minutos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Perda de Peso Baseada em Evidências


Como vemos acima, é muito comum propostas de dietas milagrosas, nada ou pouco baseada em evidências. Independente da quantidade de livros e marqueteiros, precisamos avaliar o que existe de científico nisso tudo.
Nos últimos anos, três ensaios clínicos randomizados de pequeno tamanho amostral (60 - 300 pacientes) foram publicados no New England Journal of Medicine, comparando a dieta focada na redução de gordura (convencional) com a dieta focada na redução de carboidrato (estilo Atkins). Estes trabalhos sugeriam que a dieta que prioriza a redução de carboidrato promovia maior redução de peso, porém dois deles tinham seguimento de apenas seis meses. O terceiro trabalho observou que a superioridade da dieta pobre em carboidrato se perdia após seis meses.
Em 2009 foi publicado na mesma revista (NEJM 2009;360:859-73) o maior ensaio clínico randomizado (800 pacientes, IMC = 33 ± 4 Kg/m2), comparando estas duas estratégias, em seguimento de dois anos. Este estudo demonstrou que tanto faz, ou seja, os diferentes tipos de dieta apresentaram a mesma redução de peso, em torno de 4 Kg após dois anos.
Desta forma, estamos embasados para escolher a dieta que se adapta melhor à realidade cultural e social da cada paciente em particular. Não adianta marqueteiros tentarem nos convencer que suas dietas milagrosas são opções superiores. O que importa mesmo é a aderência do indivíduo à dieta.

Retrospectiva 2009: Estudo PLATO (Ticagrelor)

Em setembro do ano passado foi publicado o estudo PLATO no New England Journal of Medicine (N Engl J Med 2009;361:1045-57), o qual comparou o novo antiagregante plaquetário Ticagrelor versus Clopidogrel no tratamento de pacientes com síndromes coronarianas agudas. Este foi um ensaio clínico randomizado envolvendo 18.000 pacientes, financiado pela indústria farmacêutica produtora do novo produto. Quando comparado à terapia padrão com Clopidogrel, o Ticagrelor demonstrou redução de eventos cardiovasculares à custa de redução de infarto não fatal e óbito em seguimento de 12 meses (9.8% vs. 11.7%). Mas qual a magnitude deste benefício: grande, moderada, pequena? Calculando o NNT, percebemos que precisamos tratar 52 pacientes com Ticagrelor (ao invés de Clopidogrel) para prevenir um evento cardiovascular ou tratar 91 pacientes para prevenir um óbito. Estes números (NNT > 50) indicam que o benefício não é de grande magnitude, representa algo como moderada magnitude na melhor das hipóteses.

Geralmente se espera que um antitrombótico mais potente aumente sangramento, como foi o caso do Clopidogrel vs. placebo (CURE) e do Plasugrel vs. Clopidogrel (TRITON). De fato, isso também ocorreu com o Ticagrelor, em relação a sangramento não cirúrgico, que foi maior (NNH 142). A vantagem do ponto de vista de sangramento é que o Ticagrelor tinha que ser suspenso por 24 horas antes da cirurgia, enquanto Clopidogrel era suspenso por 5 dias. Mesmo assim, a incidência de sangramento maior foi igual nos dois grupos. Ou seja, não precisa esperar tanto para operar quando está em uso de Ticagrelor, sem aumentar sangramento cirúrgico. Isto porque esta droga tem o efeito mais rapidamente revertido após sua suspensão, quando comparado a Clopidogrel.
Porém devemos fazer algumas ressalvas: primeiro, o estudo avaliou pacientes de moderado a alto risco para eventos isquêmicos recorrentes (por exemplo, 80% com troponina positiva, 60% com infradesnível do ST). Para pacientes de menor risco (e menor probabilidade de cirurgia de emergência) a magnitude do benefício será menor, sem o benefício de menor sangramento cirúrgico. Para estes, ficaria mais bem indicado o Clopidogrel, principalmente naqueles com alto escore de risco para sangramento; segundo, o estudo PLATO estudou conjuntamente duas patologias diferentes (IAM com supra e SCA sem supra). Misturou apples and oranges. E não mostrou análise de subgrupo. Este resultado se deve mais aos pacientes com supra ou sem supra (ou aos dois)? Terceiro, por motivo que não ficou claro, 20% do grupo Clopidogrel não utilizou dose de ataque. Aqui valeria também uma análise mostrando o possível efeito deste viés.

Desta forma, embora o Ticagrelor seja uma evolução farmacológica, não é uma panacéia. Ainda há espaço para a indicação do Clopidogrel. Uma equação envolvendo magnitude de benefício, risco de sangramento e custo da nova terapia permitirá uma decisão individualizada a respeito de qual das duas drogas deverá ser usada.

E quanto ao Plasugrel? Acho que esse nasceu morto.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Limite às Mesadas da Indústria Farmacêutica

Reportagem do New York Times aborda a questão de docentes receberem salário da indústria farmacêutica e indica que a Harvard começa a se preocupar com estas mesadas. Vejam trechos da reportagem abaixo.

Harvard Teaching Hospitals Cap Outside Pay
By DUFF WILSON
Published: January 2, 2010

The owner of two research hospitals affiliated with the Harvard Medical School has imposed restrictions on outside pay for two dozen senior officials who also sit on the boards of pharmaceutical or biotechnology companies. The limits come in the wake of growing criticism of the ties between industry and academia. The rules, which became effective on Friday, impose limits specifically on outside directors who guide some of the nation’s biggest companies.
Senior officials at the two hospitals, Massachusetts General and Brigham and Women’s Hospitals in Boston, must limit their pay for serving as outside directors to what the policy calls “a level befitting an academic role” — no more than $5,000 a day for actual work for the board. Some had been receiving more than $200,000 a year. Also, they may no longer accept stock.
Criticism has been mounting in recent years as the conflicting roles of some medical leaders have been disclosed through Congressional investigations, lawsuits and reports in the news media. Those disclosures have raised questions about bias and the cost and quality of patient care at the nation’s medical institutions.
Harvard, in particular, has come under scrutiny from Senator Charles E. Grassley of Iowa, a leader of Congressional inquiries into the influence of money in medicine.
We’re the first to go in this deep, and we’re still into it only up to our knees,” said Dr. Eugene Braunwald, a Harvard professor and former Partners chief academic officer who was chairman of the policy-writing group. He said the group had “a very spirited debate” before announcing its compromise in general terms in April, much of it effective in 2010.
“We thought it was a very good idea to have institutional officials serve on boards, but we did not want to have personal enrichment,” Dr. Braunwald said.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Primeito Transplante Cardíaco Infantil da Região Centro-oeste


O Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (antigo INCOR-DF) realizou o primeiro transplante cardíaco infantil da Região Centro-oeste. A cirurgia foi realizada em uma menina de um ano e sete meses, com miocardiopatia dilatada em estágio avançado. O feito foi anunciado após cinco dias da cirurgia realizada, quando a criança já estava extubada.

O transplante cardíaco em crianças costuma ter 85% de sobrevida em 10 anos. Além do DF, só três cidades no Brasil realizam transplantes de coração em crianças: São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza.

Parabéns à equipe de cardiopediatria e aos cirurgiões responsáveis.
Jorge e Cris Afiune, vocês são demais.

Obama e A Medicina Baseada em Evidências


“…too many doctors are making decisions without the evidence of research. A recent study, for example, found that only half of all cardiac guidelines are based on scientific evidence. That means doctors may be placing a stent when adjusting a patient’s drugs and medical management is equally effective – driving up costs without improving a patient’s health.”


Junho de 2009, Barack Obama em discusso no American Medical Association

sábado, 2 de janeiro de 2010

O Valor da Meta-análise

Meta-análise é a metodologia estatística de combinar resultados de diferentes trabalhos identificados em uma revisão sistemática sobre um tema específico. Esta forma de publicação representa uma importante ferramenta da medicina baseada em evidências, principalmente na ausência de um ensaio clínico de tamanho suficiente para provar eficácia terapêutica. Neste caso, meta-análises de ensaios clínicos pequenos ou médios são utilizadas para responder questões com um poder estatístico compatível com grandes ensaios clínicos. Precisamos então refletir sobre qual o nível de evidência de uma meta-análise dentro da hierarquia científica. Uma boa meta-análise substitui um grande ensaio clínico randomizado?
Um estudo publicado em 1997 no New England Journal of Medicine por um grupo da Universidade de Montreal ajuda a refletir sobre esta questão: Discrepancies between Meta-analysis and Subsequent Large Randomized Controlled Trials (N Engl J Med 1997;337:536-42). Naquele estudo, foram comparados os resultados de 12 grandes ensaios clínicos randomizados e controlados com as meta-análises que os precederam: as meta-análises não previram corretamente o resultado dos ensaios clínicos em 35% das vezes. Um exemplo clássico em cardiologia foi a expectativa positiva gerada por uma meta-análise sobre o uso de magnésio no infarto do miocárdio. Esta expectativa foi desbancada pelo grande ensaio clínico ISIS-4, que não mostrou benefício do magnésio. Desta forma, embora as meta-análises sejam de grande valor, a palavra final depende de um grande ensaio clínico, com poder estatístico adequado para responder a questão de interesse.