segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Champix - Há Evidências de Efeito Cardiovascular?


Recentemente relatamos a suspensão da Sibutramina no mercado europeu devido aumento de eventos cardiovasculares demonstrado no maior ensaio clínico realizado, cujos resultados ainda não estão publicados. Como comentamos, a comunidade médica deveria ter esperado evidências adequadas para o uso da droga, principalmente em pacientes de risco cardiovascular aumentado.

Exemplos como este devem servir de lição para prevenirmos problemas futuros com uso precipitado de drogas ainda sem evidências adequadas. Uma medicação que já está sendo usada de forma precipitada em pacientes de risco cardiovascular aumentado é a Vareniclina (Champix), droga que serve de auxilio para cessação do tabagismo. Na semana passada, foi publicado no Circulation o artigo intitulado Efficacy and Safety of Varenicline for Smoking Cessation in Patients With Cardiovascular Disease. Este trabalho randomizou 714 tabagistas com doença cardiovascular para o uso de Vareniclina ou placebo por 12 semanas, tendo obtido maior taxa de abstinência durante uso da droga (47% vs. 14%), efeito que permaneceu meses após término do tratamento, embora em menor magnitude (19% vs. 7%). Eventos cardiovasculares não foram estatisticamente diferentes entre os grupos (7.1% vs. 5.7%; P = 0.46), o que fez os autores sugerirem segurança cardiovascular. Esta última frase precisa ser interpretada com cuidado.

Quando encontramos uma diferença estatisticamente significante, quer dizer que os grupos são diferentes. Porém quando não encontramos diferença estatisticamente significante, isto necessariamene não significa semelhança. Para que o resultado signifique semelhança é necessário que haja poder estatístico suficiente para se detectar diferença. E neste estudo não há poder estatístico adequado para eventos cardiovasculares. Com 350 pacientes por grupo, este estudo só teria poder estatístico adequado para detectar uma diferença enorme, de 6% em termos absolutos. Ou seja, o estudo não é capaz de detectar um aumento de risco de magnitude plausível, portanto não sabemos nada a respeito de segurança em pacientes com doença cardiovascular. Se esta diferença (7.1% vs. 5.7%) se mantivesse em um estudo de 10.000 pacientes, haveria significância estatística indicando que a droga aumentaria risco. Além disso, este estudo avaliou apenas risco cardiovascular em 12 semanas. VAle salientar que esta droga age no receptor da acetilcolina, podendo ter efeitos neurohumorais.

O possível aumento de eventos cardiovasculares associado a drogas como Sibutramina, inibidores seletivos da Cox-2 (Vioxx), terapia de repostição hormonal e talvez Vareniclina tem maior relevância em pacientes com risco cardiovascular aumentado. O problema é que grande parte dos obesos ou tabagistas tem risco aumentado. Desta forma, quem mais precisa parar de fumar ou perder peso é mais vulnerável a possíveis efeitos cardiovasculares indesejados. É um paradoxo, que só pode ser resolvido com evidências científicas adequadas. Por exemplo, é inadequado iniciar Champix na alta hospitalar de paciente com síndrome coronariana aguda, momento de grande vulnerabilidade para eventos cardiovasculares recorrentes. Pode ser até seguro, porém ainda não sabemos.

Desta forma, é melhor ter paciência e esperar evidências científicas adequadas para iniciar o Champix (R$ 800) em pacientes com risco cardiovascular intermediário ou alto.

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