Toninho Cerezo foi demitido do
cargo de técnico do Vitória. Impressionante como este tipo de atitude dos clubes
reflete uma completa ignorância a respeito do fenômeno de regressão à média (motivo de postagem prévia neste Blog).
Pode parecer pedante achar que os presidentes do Vitória ou Bahia, carentes de
inteligência, tenham condição de entender estatística. Mas não é querer demais,
pois em países da
Europa e nos Estados Unidos, pessoas que trabalham com esporte
têm o conhecimento básico da aleatoriedade dos fenômenos para não se deixar
levar pela idiota crença de que trocar toda hora um técnico bom por outro
técnico bom vai resolver o problema do time.
A esta altura, vocês devem estar
se perguntando o que tem a ver Cerezo com o fenômeno de regressão à média. Como
já explicado neste Blog, este conceito indica que após uma medida extrema, a
medida seguinte provavelmente será menos extrema do que a primeira. Após uma
sequência aleatória de derrotas (ou empates), a tendência é que a sequência seguinte seja de
menos derrotas, ou mais vitórias.
Nos Estados Unidos há o mito de
que dá azar o esportista aparecer na capa da Sports Illustrated. Não é incomum
que após a reportagem de capa da Sports Illustrated, o atleta não tenha um
desempenho na próxima prova tão bom quanto anteriormente. Mas isso é fácil de
explicar pelo fenômeno de regressão à média. O que levou à reportagem de capa
foi um desempenho extraordinário na última prova. Pelo fenômeno, este
desempenho provavelmente será seguido por outro desempenho menos extraordinário.
Não tem nada a ver com a aparição na capa. Simplesmente esta aparição estava
associada ao um fenômeno de extremo sucesso.
Estatisticamente, não é difícil
de explicar. Todo desempenho é o resultado da qualidade do atleta + uma parcela
de aleatoriedade (chance, sorte). Um desempenho extraordinário resulta do
atleta ser muito bom e também da sorte naquela dia. Sorte é acaso, se a sorte
foi muito grande em um dia, é normal que seja menor no dia seguinte. Da mesma
forma, um péssimo desempenho tende a ser seguido por um desempenho melhor.
Além de nossa incompreensão
cotidiana quando à presença do fenômeno de regressão, há um segundo processo
mental que gera equívoco na interpretação de fatos cotidianos. Temos uma
tendência nata de perceber ordem em fenômenos que na verdade são aleatórios.
Imaginem que a probabilidade de um time mediano de basquete ganhar é 1/3 (33%).
Isto fará com que em 100 jogos, o time ruim ganhe 33 jogos e perca 66 jogos. Nossa
mente espera que o time tenha sempre a sequência ganha-perde-perde-ganha-perde-perde.
Mas não é exatamente assim, a coisa pode funcionar diferente. Às vezes ocorre
ganha-ganha-perde-perde-perde-perde, o que representa 33% também. Mas quando o
presidente do clube brasileiro percebe uma sequência de 4 derrotas, se
desespera e demite logo o técnico, sem parar para pensar que esta sequência
pode ser mero resultado do acaso, não significa piora do time
mediano. Já o CEO do time americano de basquete sabe que 4 derrotas
consecutivas é simplesmente a forma como os resultados se arrumaram para que
desse 66% de derrotas. A sequência era meramente aleatória, porém nossa mente é
treinada para perceber ordem em qualquer coisa.
Estes fenômenos que exemplifiquei
com fatos do esporte estão também presentes no pensamento científico e
médico. Primeiro fenômeno, regressão à média: um paciente em crise de dor lombar tende a
melhorar naturalmente, pois crise é um extremo e na semana seguinte a medida da
intensidade da dor tenderá regredir à média. Utilizando o fenômeno de regressão
à média, tratamentos “alternativos” ganham o rótulo de efetivos baseados apenas
na tendência de regressão da intensidade da dor nos dias ou semanas
subseqüentes. Segundo fenômeno, o fato de que a aleatoriedade não se apresenta sempre
com cara de aleatório: não é porque os primeiros 3 casos submetidos ao
tratamento tiveram sucesso, que o tratamento deve ser eficaz. Daí a importância
dos estudos possuírem um tamanho amostral suficiente para diluir fenômenos
casuais.
Toninho Cerezo saiu, vai ser
substituto por não sei quem (não importa) e a próxima sequência de jogos do Vitória vai ser um pouco melhor do que a última. Essa prática esportiva de trocar técnicos na
dependência de sequências casuais de jogos é o maior marcador de como os
dirigentes do futebol brasileiros são limitados em inteligência. Nos
Estados Unidos todo time de basquete, football, baseball,
qualquer coisa, tem um serviço de estatística, onde tudo é computado
profissionalmente. Não espero que seja assim neste nosso país, mas que pelo
menos os responsáveis fossem um pouco menos ignorantes.
Mas qual o problema de ter uma
postura ignorante? Isto é apenas futebol, que é feito de folclore, o
importante é a resenha no dia seguinte. Talvez não seja bem assim,
principalmente neste que se diz o país do futebol e vai sediar a próxima Copa
do Mundo. Isso demonstra que futebol não é brincadeira e deveria haver uma
postura inteligente em tudo que diz respeito a este esporte. De burrice em
burrice, como diz Romário esta Copa do Mundo será o “maior roubo da história”.
Mais fácil roubar quando no universo permeia ignorância e falta de senso
crítico.
Na medicina, quando não há senso crítico quanto à aleatoriedade dos fenômenos, fica mais fácil da
indústria farmacêutica convencer médicos do valor de drogas ineficazes ou de
médicos charlatões convencer pacientes da eficácia de falsos tratamentos.
Ainda bem que sou Bahia e meu
técnico é Falcão. Aliás, essa frase não tem sentido. O destino de Falcão será o
mesmo: em breve, ele será demitido pelo fenômeno de regressão à média; ou
receberá uma proposta milionária do Flamengo quando Joel Santana for demitido
pelo mesmo fenômeno de regressão à média.
Atualização: Três meses depois desta postagem, na mesma semana de 16 de julho, Falcão foi demitido do Bahia e Joel Santana do Flamengo.
Atualização: Três meses depois desta postagem, na mesma semana de 16 de julho, Falcão foi demitido do Bahia e Joel Santana do Flamengo.
Luis parabéns por mais está postagem. Relevante, com uma analogia surpreendente e que com certeza possiblitará aos mais leigos melhor compreensão desse conteúdo. Abs Clarcson
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