* Artigo publicado hoje no Jornal A Tarde por Luis Correia
Em meados do
século XX, a evolução tecnológica e científica nos trouxe tratamentos de grande
relevância. Antes disso, a maioria das condutas eram empíricas e inefetivas.
Fazíamos uma medicina que tentava apenas reduzir o sofrimento ou proporcionar a
falsa idéia de que algo benéfico estava sendo utilizado. No início do século
passado, não havia antibióticos, anti-hipertensivos, medicamentos para baixar
colesterol ou marca-passos.
Esta fase foi
seguida de uma grande evolução nos últimos 50 anos, tirando a medicina de um
estágio medieval para uma prática efetiva e embasada em evidências. Neste
contexto, o primeiro ensaio clínico publicado (British Medical Journal) data de 1948, quando se comprovou pela
primeira vez que um antibiótico (estreptomicina) reduzia significativamente a
mortalidade de pacientes com tuberculose, quando comparado ao tratamento
limitado ao repouso. Começava a era da medicina baseada em evidências.
Por outro lado,
no início do século XXI, passamos a experimentar outro fenômeno: a medicalização da população. O principal
mecanismo criador da medicalização
são as novas definições de doença, caracterizadas pela redução dos limites de
referência do que antes considerávamos normal. É comum que a redução destes
limites ocorra sem o devido embasamento científico, sendo mais motivados pelo
afã de prevenir doenças, ou por conflitos de interesses. Isto faz com que, do
dia para a noite, surjam populações inteiras de novos doentes, antes
considerados normais.
Há alguns anos,
diabetes era definido como glicemia de 140 mg/dl, depois esta definição foi
reduzida para 125 mg/dl e agora já se considera que glicemia de 100 mg/dl não é
normal, criando-se o conceito de pré-diabetes. Embora o conceito de
pré-diabetes tenha certo valor, este tem sido inadequadamente utilizado para
justificar uso de medicações, sem base científica suficiente. Temos também o
advento da pré-hipertensão, rótulo que já cabe a pessoas com pressão arterial
de 120 x 80 mmHg. Está cada vez mais difícil ser normal.
A primeira
vista, isto pode ser interpretado como uma conduta cuidadosa, típica do
paradigma preventivo de que é melhor se preocupar antes que o problema se torne
uma questão mais grave. No entanto, esta conduta representa mais uma forma de overdiagnosis. Em paralelo ao
afrouxamento da definição das doenças, a indústria farmacêutica realiza estudos
de má qualidade, que tentam demonstrar benefício do uso de medicamentos nestas
condições. Estes que mostram resultados insuficientes, que são “vendidos” de forma
sedutora, levando à adoção de terapias desnecessárias. Assim surge o overtreatment.
Recentemente, o
Jornal Nacional noticiou que os médicos agora consideram que o valor ideal de
colesterol LDL (colesterol ruim) é 70 mg/dl. Porém, a média de LDL-colesterol
na população é 120 mg/dl, sendo muito difícil que uma pessoa saudável tenha
colesterol LDL de 70 mg/dl. Desta
forma, um grande número de pessoas, antes definidas como portadores de
colesterol adequado, agora estão insatisfeitas com seu colesterol. Como dieta
reduz apenas 5-10% e exercício não tem impacto algum, restará apenas medicação
para que as pessoas tenham um ótimo colesterol. De posse dessas novas
definições, se inicia o marketing simulteamente voltado para médicos e
pacientes. Um marketing efetivo, pois quem não quer ter colesterol ótimo?
Tudo isso ocorre
em detrimento de uma escolha conscienciosa e científica, tal como proposto pela
medicina baseada em evidências. Está mais para medicina baseada em fantasia,
uma lucrativa fantasia.
Por outro lado,
precisamos lembrar que verdadeiros fatores de risco, como colesterol elevado,
diabetes e hipertensão, não devem ser negligenciados, necessitando de
tratamento na maioria das vezes com medicação. Nestes casos, existe comprovação
científica de benefício.
Diagnóstico e
tratamento são as ações primordiais da prática médica e devem ser feitos para
quem precisa, na hora que se precisa e com criterioso embasamento científico.
concordo plenamente. muitos tratamentos e medicamentos novos são patrocinados por fabricantes ou indústria farmacêutica. dessa forma como confiar plenamente nos dados destas pesquisas ?
ResponderExcluirParabéns Luiz Claudio ! Excelente análise, como Geriatra fico preocupado, pois além do overdiagnosis, temos um aumento de iatrogenias medicamentosasa entre os idosos
ResponderExcluirPenso que a maioria da classe médica não está tão preocupada com as tais iatrogenias. E quanto aos laboratórios muito menos e por motivos óbvios... Sim, as pesquisas feitas por eles deixam muito a desejar e sabemos novamente o porquê também... Muita enganação, empurroterapia e marketing em prol do vil faturamento. Mundo cão pra faturar e matar o povão!
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