Informações incorretas sempre existiram. Ao se tornar um termo popular, a expressão "fake news" passou a alertar pessoas e promoveu um útil ceticismo, o que não é natural da mente humana.
A mente humana evoluiu de forma crente por 200.000 anos. De fato, a psicologia evolucionista sugere que nossa capacidade única de fantasiar fenômenos abstratos foi responsável pela sobrevivência da espécie sapiens.
Como Francis Bacon declarou certa vez, "a mente humana é mais excitada por afirmativas do que por negativas". E isto foi recentemente demonstrado no tweeter e publicado na Science: "fake news spread faster than true news".
Embora tenhamos evoluído tecnologicamente e a ciência esteja no centro dessa evolução, a mente humana não teve tempo suficiente para evoluir da fantasia para o ceticismo. Os últimos 500 anos não foram suficientes para superar 200.000 anos de evolução. Biologicamente, somos crentes.
A raiz do pensamento científico é o ceticismo. Na ciência, devemos ter um método para superar nossa predisposição a acreditar. Este método é chamado de hipótese nula: começamos por não acreditar e apenas mudamos para a alternativa de acreditar depois que fortes evidências rejeitam o nulo. Como esta não é a forma natural do pensar, ser cético é cansativo e às vezes chato.
Isso está no centro de um problema científico: a falta de reprodutibilidade, bem descrita por Ioannidis em seu popular artigo do PLOS One: "most published research findings are false". E nós acreditamos nelas.
O termo "fake news" tornou-se popular há dois anos e serviu como um alerta para as pessoas, antes de se tornar impopular por razões políticas.
Com um entendimento correto de seu significado, o termo "fake news científica" pode ajudar contra o problema da reprodutibilidade científica. Mas primeiro, devemos diferenciar "fake news científica" de "fake news".
A fake news é criada por uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas com interesse comum. A fake news científica é criada por um sistema que é defeituoso: os criadores não estão sozinhos, os revisores, editores, sociedades e leitores têm que aprová-la e espalhar a mensagem com entusiasmo. E eles podem fazer isso com boa intenção.
Fake news decorre de comportamento pessoal, fake news científica é sistêmica, decorre do comportamento do universo científico.
Na fake news seu criador sabe que a notícia é falsa. Na fake news científica, o criador acredita na mensagem, uma crença reforçada por seu viés de confirmação.
A fake news tem um criador com problema de integridade pessoal. Na fake news científica, o criador sofre de integridade científica, mediada biologicamente por vieses cognitivos.
Fake news não tem evidências empíricas, fake news científica tem evidências experimentais que sugerem credibilidade.
Fake news são facilmente descartadas. Fake news científicas podem levar anos para serem descartadas. São responsáveis pelo fenômeno de "medical reversal", quando a informação inadequada conduz o comportamento médico por anos, apenas para ser revertida depois que uma evidência mais forte aparece. Foi o caso de terapias médicas que foram incorporadas como Xigris para sepse, hipotermia após parada cardíaca, beta-bloqueadores para cirurgia não cardíaca e assim por diante ...
Em seu artigo seminal sobre reversão médica, Vinay Prasad escreveu que "we must raise the bar and before adopting medical technologies".
E a última diferença: Donald Trump adora o termo "fake news", mas não tem a menor ideia do que "scientific fake news" significa.
Bem, não é que as notícias falsas científicas sejam totalmente ingênuas, há também conflito de interesses mediando o fenômeno. Mas o principal conflito vem do viés do positivismo, ou seja, autores, editores ou leitores preferem estudos positivos do que estudos negativos.
Seguindo a descrição dos vieses cognitivos da mente humana de Kahneman e Tversky, Richard Thaler surgiu com a solução para empurrar (nudge) o comportamento humano na direção certa. Nudge significa intervenções inconscientes para mudar comportamento, que poder ser mais eficazes do que argumentos racionais.
Por exemplo, para evitar que as pessoas soneguem nas declarações de impostos, em vez de explicar como é importante pagar impostos, um nudge diria apenas que "a maioria das pessoas preenche suas declarações de forma correta". Foi o mais eficaz para melhorar esse comportamento no Reino Unido.
No caso da ciência, a expressão "fake news" é tão forte que pode atuar como um estímulo à integridade científica. Sim, pode parecer politicamente incorreto, mas é um nudge disruptivo. Não basta ensinar metodologia científica, isso não tem sido suficiente, tal como recentemente mencionado por Marcia Angell, ex-editora do NEJM: "no longer possible to believe much of clinical research published".
Não penso que estamos em uma crise de integridade científica. Na verdade, acho que esse tipo de discussão nunca foi tão prevalente, o que me deixa otimista.
Mas um nudge pode acelerar o processo: antes de ler qualquer artigo, devemos fazer uma avaliação crítica de nossas crenças internas e nos perguntar: neste assunto específico, estou especialmente vulnerável a acreditar em "fake news científica"?