Este artigo nasceu de nossa discussão durante o Webinar organizado pelos STARS, o braço do Choosing Wisely liderado por estudantes de medicina de diferentes faculdades do Brasil. Neste evento, conversamos sobre o pensamento econômico como solução para os vieses cognitivos do pensamento médico.
* Artigo publicado originalmente no Jornal A Tarde
“Desejo” modula o consumo, gerando a lei de mercado: o comprador, ao comparar custo e desejo, toma uma “decisão econômica”.
Decisões médicas não seguem lei de mercado: indicações são imperativos na visão do paciente, que, mesmo sem desejo, sentem a necessidade de “consumir”, a qualquer custo. Custos pessoais e clínicos, pagos com a “própria pele” do paciente; e custos monetários, pagos pelo sistema de saúde.
Não é incomum que indicações inapropriadas em essência ou pelo excesso, sem base em evidências concretas de benefício, tornem-se “condutas baseadas em tradição”, ao invés de “baseadas em evidências”.
Para agravar o problema, surge a propaganda disfarçada de conscientização. Em revistas de grande circulação ou redes sociais com milhares de seguidores, instituições privadas em todo país alertam a população contra o perigo das doenças e da suposta importância da prevenção. E concluem, se precisar, temos os melhores médicos e equipamentos. Nos meses coloridos de conscientização, é como se todos pertencessem ao um mesmo coral, cantando o hino do consumismo médico. Embora algumas das campanhas sejam racionais e benéficas, muitas outras são antieconômicas (custo clínico > benefício clínico). Difícil para a sociedade distinguir.
Ato médico não se adequa a anúncio, é um processo de decisão compartilhada.
Em países de sistemas de saúde universais, os modelos privados são suplementares. No Brasil, o sistema privado não é um suplemento, é um objetivo de desejo do paciente. Isto porque o modus operandi dos sistemas privados influenciam o modelo mental do brasileiro quanto ao que seria ideal para um sistema de saúde. Passamos julgar a racionalidade do SUS como insuficiência em prover o necessário.
No regime atual, pacientes se tornam desejosos consumidores, médicos se sentem impelidos a agir de acordo com o modelo para terem seu espaço profissional no ecossistema e instituições privadas enviesam o pensamento de uma sociedade que precisa, mais do que qualquer outra, valorizar a racionalidade do sistema de saúde, seja público ou suplementar. Define-se, assim, um regime totalitário, no qual a desobediência pode gerar prejuízos.
A tragédia da pandemia serve de distração. A energia cognitiva depositada em discussões incessantes sobre eficácia de terapias ineficazes contra COVID-19 poderia ser, pelo menos em parte, utilizada para percebermos que tem um “rei que está nu”.
Em época que o Brasil tinha Ministro da Saúde, Prof. Adib Jatene afirmou: “é uma tragédia quando a profissão médica se confunde com comercialização. Não podemos utilizar a fé que o paciente deposita no médico em prol de vantagem comercial. Seria uma traição inominável”.
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