No filme Mandela, sobre o longo período de Nelson Mandela no presídio de Robben Island, há uma marcante passagem: Mandela consegue que um guarda do presídio passe para Winnie Mandela uma pequena barra de chocolate, como presente de Natal. Aquele fato teve um grande impacto político, pois representou a insistente luta de Mandela pelo que ele acreditava, a despeito da adversidade. Recentemente Adelina relatou em seu Blog sua surpresa ao ser presenteada no sinal de trânsito com um Sonho de Valsa. Chocolate é de fato um alimento especial, é nome de filme, nome de música, tendo uma evidente conotação romântica.
Estes sentimentos aparentemente são despertados também em cientistas. Pela lógica, chocolate seria deletério ao sistema cardiovascular, por ser rico em gordura saturada. No entanto, está publicado ahead of print no European Heart Journal o artigo intitulado Chocolate consumption in relation to blood pressure and risk of cardiovascular disease in German adults. Este é um subestudo da coorte do European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition. Os investigadores realizaram questionário alimentar em 19000 indivíduos saudáveis, realizando seguimento prospectivo de 8 anos, o que demonstrou associação entre consumo de chocolate e menor risco de infarto e AVC. Os autores então concluem: Chocolate consumption appears to lower CVD risk, in part through reducing BP. The inverse association may be stronger for stroke than for MI. Further research is needed, in particular randomized trials. Percebam o cuidado nas palavras, cuidado muitas vezes sugerido pelos revisores dos trabalhos. Este cuidado se deve à obvia limitação do estudo, o desenho observacional.
Tal como mencionamos na postagem do benefício do álcool, este tipo de estudo gera uma hipótese, que precisa ser testada em ensaios clínicos randomizados. Sempre que falamos de estudos sobre hábitos de vida há grande probabilidade de efeito de confusão denominado usuário saudável. Pode ser que as pessoas com mais predisposição de doença evitem chocolate. Por isso a importância da análise multivariada, que ajusta para estas covariáveis. Mesmo assim, nenhuma análise multivariada garante ausência de fatores de confusão residuais.
Por outro lado, este trabalho tem duas características metodológicas que o fazem uma evidência um pouco mais consistente do que a maioria dos estudos observacionais que testam o valor de hábitos de vida. Primeiro, o estudo avalia a associação com uma possível variável intermediária na relação entre chocolate e proteção cardiovascular. Ficou demonstrado que os paciente que ingerem mais chocolate têm pressão arterial mais baixa. Portanto, o estudo vai um pouco além e calcula no modelo multivariado o quanto da proteção do chocolate se deve ao seu efeito hipotensivo. Segunda característica que diferencia este estudo é a demonstração da associação linear entre quantidade de chocolate consumido e risco cardiovascular. A avaliação utilizando variáveis contínuas tem mais consistência estatística.
O trabalho é sem dúvida interessante, porém por enquanto o interesse é do ponto de vista científico. Esta não é uma informação para ser aplicada clinicamente, nem divulgada na imprensa leiga como uma descoberta de impacto clínico. Porém como de praxe, a imprensa leiga veiculou a informação de forma determinística. Vejam alguns exemplos da notícia na imprensa leiga:
BBC News: “Chocolate can cut blood pressure and help heart”
The Guardian: “It's official: Chocolate is good for you”
Daily Express: One piece of chocolate a day could save your heart
Precisamos testar com metodologia adequada o impacto clínico não só de drogas, mas também de hábitos de vida. Estes estudos podem mudar paradigmas de prevenção em alguns casos e em outros casos reforçar a necessidade de alguns hábitos de vida.
Enquanto isso, podemos comer chocolate de forma romântica e moderada, para talvez no futuro comermos de forma cientifica.
Declaração de Conflito de Interesse: sou chocólatra.
Meu caro,
ResponderExcluirObrigada pela citação e acho q vc devia conduzir um estudo q testasse isso. Contanto q me convoque para o grupo q pode comer chocolate e beber vinho... Rsrsrsrsrsrs
Um forte abraço!!
Adelina
p.s. Soube q está tb no HSR. Estive lá na UCI para te fazer uma visita mas vc não estava...Qq dia desses tento de novo ou dá uma passada lá na Nuclear para me ver. Meus melhores dias são 3as e 5as.
Não quero comer chocolate de forma científica,rs,rs... quero saborear sem pensar...mas pensando bem, o que se anda divulgando na imprensa é terrível; no dia seguinte os pacientes nos bombardeiam. Desse jeito vou ter que acrescentar na prescrição.
ResponderExcluirLuis,
ResponderExcluirconcordo com a Ursula nosso maior problema é como a imprensa divulga novas pesquisas. É bem provável que tenhamos de prescrever chocolate, talvez assima os pacientes passem a comer chocolate com maior ponderação, afinal eles não seguem muito o que nós indicamos.
Abraço,
Núbia
Pessoal,
ResponderExcluirA pesquisa só não investigou a "qualidade" do chocolate consumida pelos participantes. Acho isso fundamental, não só pelo carater cientifico mas também pela apreciação por parte dos chocolatras ou não. Aqui no Brasil é absurda a quantidade de gordura que é adiciona nos chocolates em que a maioria da população tem acesso. Mas um chocolate gourmet com uma concentração maior de cacau sempre terá o seu lugar.
Abraços
Luis Claudio,
ResponderExcluirMuito legal o seu blog - como só agora tive conhecimento do mesmo tenho visitdo diariamente e lido os posts - excelentes!
Roberto Dultra - Itabuna-Bahia
Muito bom! É sempre bom obter mais informações.
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