Geralmente em vésperas de Copa do Mundo surgem questionamentos por parte da mídia ou de pacientes a respeito do potencial efeito maléfico das fortes emoções provocadas pelos jogos do Brasil. Na Copa passada tudo não passava de especulação. Porém hoje há uma interessante evidência científica a respeito do impacto cardiovascular dos jogos da Copa. Recentemente, fui lembrado por meu aluno Rodrigo Viana a respeito do artigo intitulado Cardiovascular Events during World Cup Soccer, publicado no New England Journal of Medicine, em 2008.
Este foi um estudo realizado durante a Copa da Alemanha, nos arredores de Munique, o qual quantificou o número de atendimentos por síndromes coronarianas agudas nos dias de jogos da Alemanha, comparando com dias em que a Alemanha não jogou e com épocas fora da Copa do Mundo. Interessante a observação de que a incidência de eventos cardiovasculares em dias de jogo da Alemanha foi em média 2.6 vezes maior quando comparado aos dias sem jogos da Alemanha. Mais interessante ainda é observar um gradiente crescente entre a incidência de eventos de acordo com a dificuldade do jogo. Por exemplo, os jogos que se associaram a maior risco foram as quartas de final (Alemanha x Argentina) e a semifinal (Alemanha x Itália), comparados aos jogos da primeira fase. Já o jogo que disputou o terceiro lugar na Copa (Alemanha x Portugal) não apresentou aumento na ocorrência de eventos cardiovasculares, pois aí não tinha mais emoção. Isto é o que se chama de relação dose-resposta (dose de estresse e resposta de eventos), que é um dos critérios de causalidade. Interessante notar que os eventos decresciam em número na medida em que as horas passavam depois do jogo, ou seja, a maior concentração de eventos ocorreu próximo ao jogo. Por tudo isso, os achados parecem consistentes.
Este é um tipo de estudo denominado ecológico, ou seja, se descreve a frequência geral de eventos, sem levar em conta o paciente individualmente. Serve para comparar dados epidemiológicos entre populações ou tendência temporal em uma mesma população, com o foi o caso deste trabalho. Claro que se fosse um estudo de coorte prospectiva, que levasse em consideração características individuais dos pacientes, os dados seriam mais consistentes. Mas para o caso aqui presente, este desenho seria impraticável, pois a probabilidade de eventos em um dado dia da vida de um paciente é ínfima, o que tornaria quase inexistente o surgimento de eventos em uma coorte com número determinado de indivíduos.
Os autores tiveram o cuidado de computar apenas os eventos que ocorreram em moradores da região estudada, para evitar o viés de aumento de eventos decorrente do aumento de pessoas na cidade, maior que em época fora da Copa.
Desta forma, podemos considerar esta evidência como provavelmente verdadeira, sendo o melhor que podemos obter em termos de dado científico. Mas além de avaliar a veracidade da informação, devemos avaliar a relevância.
Neste sentido, os autores concluíram “In view of this excess risk, particularly in men with known coronary heart disease, preventive measures are urgently needed.” Baseado nisso, poderíamos considerar que nossos pacientes cardiopatas não deveriam assistir a nenhum jogo do Brasil, ou deveriam assistir com a ambulância do SAMU na porta. Porém isso seria um exagero, provocada pela exagerada conclusão apresentada no artigo.
Baseado neste estudo, podemos inferir em termos relativos que o risco de apresentar um infarto durante o jogo do Brasil é 2-3 vezes maior do que fora do jogo. No entanto, o estudo não fez quantificação de risco absoluto. Nem poderia fazer, pois como um estudo ecológico, os autores apenas contaram quantas pessoas se apresentaram nas emergência com síndrome coronariana aguda, sem considerar o denominador, ou seja, sem calcular risco (número de eventos/número de indivíduos expostos). Sendo assim, não temos a probabilidade de um indivíduo que está assistindo a um jogo apresentar um infarto neste momento.
Na verdade, mesmo sendo 2-3 vezes maior do que em outros momentos, o risco de um indivíduo apresentar um infarto durante o jogo é ínfimo, pois aqui estamos nos referindo a apenas um dia na vida do paciente. Imaginem, quando a gente estima risco baseado no Framingham, consideramos 10 anos. Mesmo uma pessoa de alto risco em 10 anos (risco = 20%), tem uma probabilidade pequena de ter um evento cardiovascular em um dia específico de sua vida = 0.005% (20%/3650 dias). Além disso, uma pessoa não apresenta um infarto porque teve um momento de estresse, mas sim porque tem uma doença coronariana vulnerável. O estresse é apenas o gatilho. Se o gatilho não decorrer do jogo da Copa, vai decorrer de outro momento na vida da pessoa.
Afinal, a vida é feita de emoções. Este é o raciocínio que devemos aplicar quando nos questionam se um idoso cardiopata deve ir à formatura do neto, pois a emoção poderia causar um evento cardiovascular. Salvo situações de extrema instabilidade, estas pessoas devem participar da vida, devem ir à formatura, assim como assistir ao jogo do Brasil na Copa.
O artigo discutido é interessante, tem valor científico, mas seria um erro aplicar este conhecimento para limitar os pacientes de ver os jogos. Sejamos razoáveis.
Por falar nisso, este Blog entrará em recesso para assuntos científicos durante a Copa. Se conseguirmos conexão de internet na África do Sul, faremos uma cobertura da Copa on line, sempre sob o paradigma baseado em evidências.
Este foi um estudo realizado durante a Copa da Alemanha, nos arredores de Munique, o qual quantificou o número de atendimentos por síndromes coronarianas agudas nos dias de jogos da Alemanha, comparando com dias em que a Alemanha não jogou e com épocas fora da Copa do Mundo. Interessante a observação de que a incidência de eventos cardiovasculares em dias de jogo da Alemanha foi em média 2.6 vezes maior quando comparado aos dias sem jogos da Alemanha. Mais interessante ainda é observar um gradiente crescente entre a incidência de eventos de acordo com a dificuldade do jogo. Por exemplo, os jogos que se associaram a maior risco foram as quartas de final (Alemanha x Argentina) e a semifinal (Alemanha x Itália), comparados aos jogos da primeira fase. Já o jogo que disputou o terceiro lugar na Copa (Alemanha x Portugal) não apresentou aumento na ocorrência de eventos cardiovasculares, pois aí não tinha mais emoção. Isto é o que se chama de relação dose-resposta (dose de estresse e resposta de eventos), que é um dos critérios de causalidade. Interessante notar que os eventos decresciam em número na medida em que as horas passavam depois do jogo, ou seja, a maior concentração de eventos ocorreu próximo ao jogo. Por tudo isso, os achados parecem consistentes.
Este é um tipo de estudo denominado ecológico, ou seja, se descreve a frequência geral de eventos, sem levar em conta o paciente individualmente. Serve para comparar dados epidemiológicos entre populações ou tendência temporal em uma mesma população, com o foi o caso deste trabalho. Claro que se fosse um estudo de coorte prospectiva, que levasse em consideração características individuais dos pacientes, os dados seriam mais consistentes. Mas para o caso aqui presente, este desenho seria impraticável, pois a probabilidade de eventos em um dado dia da vida de um paciente é ínfima, o que tornaria quase inexistente o surgimento de eventos em uma coorte com número determinado de indivíduos.
Os autores tiveram o cuidado de computar apenas os eventos que ocorreram em moradores da região estudada, para evitar o viés de aumento de eventos decorrente do aumento de pessoas na cidade, maior que em época fora da Copa.
Desta forma, podemos considerar esta evidência como provavelmente verdadeira, sendo o melhor que podemos obter em termos de dado científico. Mas além de avaliar a veracidade da informação, devemos avaliar a relevância.
Neste sentido, os autores concluíram “In view of this excess risk, particularly in men with known coronary heart disease, preventive measures are urgently needed.” Baseado nisso, poderíamos considerar que nossos pacientes cardiopatas não deveriam assistir a nenhum jogo do Brasil, ou deveriam assistir com a ambulância do SAMU na porta. Porém isso seria um exagero, provocada pela exagerada conclusão apresentada no artigo.
Baseado neste estudo, podemos inferir em termos relativos que o risco de apresentar um infarto durante o jogo do Brasil é 2-3 vezes maior do que fora do jogo. No entanto, o estudo não fez quantificação de risco absoluto. Nem poderia fazer, pois como um estudo ecológico, os autores apenas contaram quantas pessoas se apresentaram nas emergência com síndrome coronariana aguda, sem considerar o denominador, ou seja, sem calcular risco (número de eventos/número de indivíduos expostos). Sendo assim, não temos a probabilidade de um indivíduo que está assistindo a um jogo apresentar um infarto neste momento.
Na verdade, mesmo sendo 2-3 vezes maior do que em outros momentos, o risco de um indivíduo apresentar um infarto durante o jogo é ínfimo, pois aqui estamos nos referindo a apenas um dia na vida do paciente. Imaginem, quando a gente estima risco baseado no Framingham, consideramos 10 anos. Mesmo uma pessoa de alto risco em 10 anos (risco = 20%), tem uma probabilidade pequena de ter um evento cardiovascular em um dia específico de sua vida = 0.005% (20%/3650 dias). Além disso, uma pessoa não apresenta um infarto porque teve um momento de estresse, mas sim porque tem uma doença coronariana vulnerável. O estresse é apenas o gatilho. Se o gatilho não decorrer do jogo da Copa, vai decorrer de outro momento na vida da pessoa.
Afinal, a vida é feita de emoções. Este é o raciocínio que devemos aplicar quando nos questionam se um idoso cardiopata deve ir à formatura do neto, pois a emoção poderia causar um evento cardiovascular. Salvo situações de extrema instabilidade, estas pessoas devem participar da vida, devem ir à formatura, assim como assistir ao jogo do Brasil na Copa.
O artigo discutido é interessante, tem valor científico, mas seria um erro aplicar este conhecimento para limitar os pacientes de ver os jogos. Sejamos razoáveis.
Por falar nisso, este Blog entrará em recesso para assuntos científicos durante a Copa. Se conseguirmos conexão de internet na África do Sul, faremos uma cobertura da Copa on line, sempre sob o paradigma baseado em evidências.
Mestre, você é mesmo multi. Estávamos esperando notícias apenas após dia 08 de junho.
ResponderExcluirQue bom que suas conclusões foram razoáveis e que os riscos de infarto são pequenos durante o jogo, até mesmo porque, com a precariedade do SAMU (pelo menos na minha cidade)e pelo que as pessoas têm esperado da escalação do técnico Dunga, o número de mortes por DCV não caberiam em nenhum placar!
ResponderExcluirLuis,
ResponderExcluirpelo que entendi você está indo para África do Sul?
Cuidado com o coração. Ver o jogo no campo aumenta o risco de IAM quando comparado com quem assiste na TV?
Abraço,
Olá Luis, tudo bem?
ResponderExcluirPasseando por seu blog percebi que em algumas postagens você critica a relação de alguns alimentos (chocolate, vinhos, sal, etc.) com eventos cardiovasculares. Será que você poderia fazer algo semelhante com o café? Já ouvi muitas histórias a respeito, entretanto nenhuma baseada em evidências.
Cordialmente,
Aline Adães
Interessante q minha mãe por esses dias me disse: "Ihh, vem copa aí, acho q vc vai trabalhar bastante com o povo infartando, estressado com os jogos". E eu lhe respondi:"Que nada, em dia de festa ninguém fica doente". Me baseava na queda de nossas agendas com eventos festivos - vide carnaval, Natal, São João. Mas o No reduzido de exames q faço nessas épocas, de fato, têm resultados mais alterados - ou seja, só compareceu quem realmente precisava...
ResponderExcluirMais um comentário com gol de placa seu.
Lhe vejo dia 08/06, antes do embarque (vc vai mesmo?) para a África. Até lá!!
Adelina, vou dia 13 de junho para África, verei 4 jogos do Brasil. Depois volto para ver daqui o Brasil ser campeão.
ResponderExcluirMesmo sendo baixo o risco, seria prudente fazermos recomendações aos nossos pacientes sabidamente cardiopatas para que não se empolguem tanto em dias de jogos, pp se contra Argentina ou França rsrsrs...
ResponderExcluirInfarto no miocárdio por conta de emoções muito altas, está cada vez mais comum. Gostei muito da sua matéria.
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