domingo, 21 de novembro de 2010

Há mesmo interação antagônica entre Clopidogrel e inibidores de bombas de prótons?


Nos últimos anos, estudos observacionais e dados de agregabilidade plaquetária provocaram a legítima preocupação de que inibidores de bombas de prótons poderiam inibir a ação do Clopidogrel. Uma recente publicação do New England Journal of Medicine resolve esta questão em grande parte: trata-se do estudo CONGENT, um ensaio clínico randomizado para Omeprazol ou placebo, em 3.873 pacientes que vinham usando AAS e Clopidogrel, após síndromes coronarianas agudas ou implante de stent. Não houve aumento na incidência de eventos cardiovasculares com uso do Omeprazol, sugerindo que este não inibe a ação benéfica do Clopidogrel. Foi o primeiro ensaio clínico a testar esta hipótese, gerada por estudos observacionais.

Mais um exemplo de que hipóteses geradas por estudos observacionais muitas vezes não são confirmadas por ensaios clínicos. Nos estudos observacionais, os pacientes cujos médicos prescrevem Omeprazol tendem a ser muito diferentes dos que não recebem a droga. Isso gera um forte viés de confusão. Só um ensaio clínico randomizado para controlar perfeitamente este viés.

Também mais um exemplo de que desfechos substitutos nem sempre predizem desfechos clínicos. Estudos que avaliam agregação plaquetária sugerem que Omeprazol inibe o efeito antiagregante do Clopidogrel. Mas agora sabemos que isso não se traduz em desfechos clínicos.

Como limitação, o CONGENT foi um estudo truncado, ou seja, interrompido antes do planejado. Isso pode ser um problema, como já citamos no passado a exemplo do estudo JUPITER. Mas esse problema ocorre mais quando os autores mostram uma diferença, que quando aparece promove a interrupção do estudo. Não foi o caso, ou seja, o estudo não foi interrompido porque se detectou diferença no desfecho segurança, reduzindo a probabilidade de que o achado tenha sido artificialmente criado pela interrupção.

Outro problema que o truncamento poderia ter gerado é um reduzido poder estatístico. Mas o tamanho amostral do trabalho foi bem razoável. Calculei o poder estatístico para detecção de uma diferença absoluta de 2% em desfechos combinados. O estudo tem poder de 80%, ou seja, o truncamento não impactou muito no poder estatístico. Digo isso porque o Omeprazol reduziu sangramento maior (desfecho relevante) em torno de 2% em termos absolutos. Sendo assim, só se tornaria relevante um aumento em desfecho cardiovascular na ordem de 2%, para que o risco superasse o benefício. Pelos dados, é muito pouco provável que o estudo tenha sofrido de erro tipo I (baixo poder estatístico), foi muito parecida a incidência de desfecho cardiovascular nos dois grupos (hazard ratio = 0.99).

Mesmo assim, o guideline do ACC/AHA sobre uso de inibidor de bomba de prótons, publicado também nesta semana, questiona bastante o estudo. Baseado na teoria da conspiração farmacológica, isso é lobby dos fabricantes de inibidores de bomba mais novos, que temem perder o mercado para o velho Omeprazol.

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