Recentemente foi publicado nos Annals of Internal Medicine um estudo que avaliou o pensamento de pacientes submetidos a angioplastia coronária eletiva em um hospital acadêmico de Massachusetts.
Sabemos que, à luz das melhores evidências científicas, angioplastia coronária não previne morte, nem infarto do miocárdio em pacientes com doença coronariana estável, sejam sintomáticos ou assintomáticos. Essa afirmação é embasada em ensaios clínicos randomizados de boa qualidade metodológica, como o estudo COURAGE e BARI-2D. Estes resultados se reproduzem em qualquer extensão da doença aterosclerótica, sejam indivíduos com compromentimento uniarterial, biarterial ou triarterial. Seriamente, não se questiona mais este paradigma.
O estudo em questão avaliou o que os pacientes pensavam a respeito de suas angioplastias eletivas. Pois bem, a imensa maioria (em torno de 80%) acreditava que o procedimento iria prolongar suas vidas e prevenir infarto do miocárdico. Por que será que os pacientes têm uma noção equivocada do procedimento que estão realizando? Estes não deveriam saber exatamente o porquê de seus procedimentos?
Claro que sim. Mas talvez estes não estejam sendo informados devidamente pelos médicos. Muito provavelmente, especialmente os pacientes assintomáticos. Fico imaginando como um médico sincero justificaria o procedimento para um paciente assintomático: você tem uma obstrução coronária, precisamos desobstruir, apesar de que isso não vai prevenir morte, nem infarto. O que vai fazer é prevenir sintomas. Ah, mas você não tem sintoma, é mesmo. Mas é muito importante que você nunca se esqueça de usar Aspirina e Clopidogrel depois da angioplastia, porque se não o stent pode trombosar, causando infarto e em alguns casos morte.
Percebe-se que é impossível justificar, o que nos faz pensar que provavelmente os médicos deixam a entender nas entrelinhas que o benefício é maior do que o benefício real. Só assim um procedimento desse pode parecer justificável em um paciente assintomático.
Isso está de acordo com a entrevista que foi feita com os médicos destes pacientes. A maioria dos cardiologistas reconhece a ausência de evidências, mostrando uma discordância grande de conhecimento entre eles e seus pacientes. Ou seja, há um nítido problema de comunicação. Culpa do paciente? Não sei, excluindo os oligofrênicos, provavelmente um paciente tem capacidade de entender que um procedimento não reduz mortalidade ou infarto. O que nem Einstein entenderia é porque estaria fazendo um procedimento sem benefício. Daí o problema de comunicação, ou seja, é melhor não se comunicar direito, ser vago nas observações.
Vemos com frequência angioplastia sendo indicada em indivíduos assintomáticos, cujo teste isquêmico de rastreamento para doença coronária foi positivo. Percebo que não são necessariamente os médicos intervencionistas que propõem o procedimento. Na maioria das vezes, são os próprios clínicos que se sentem mais seguros se o procedimento foi realizado.
Este trabalho é uma evidência científica de que precisamos refletir como estamos transmitindo as informações aos nossos pacientes. É um exemplo da mentalidade do médico ativo prevalecendo sobre o paradigma da medicina baseada em evidências.
Vemos com frequência angioplastia sendo indicada em indivíduos assintomáticos, cujo teste isquêmico de rastreamento para doença coronária foi positivo. Percebo que não são necessariamente os médicos intervencionistas que propõem o procedimento. Na maioria das vezes, são os próprios clínicos que se sentem mais seguros se o procedimento foi realizado.
Este trabalho é uma evidência científica de que precisamos refletir como estamos transmitindo as informações aos nossos pacientes. É um exemplo da mentalidade do médico ativo prevalecendo sobre o paradigma da medicina baseada em evidências.
Excelente post Luis! Vemos isso frequentemente e muitas vezes somos criticados por termos conduzido um paciente desse tipo clinicamente. Mas como seu médico não indicou uma intervenção vendo que você tinha uma obstrução coronária? Fica a pergunta: excesso de cuidado ou apenas um bom negócio?
ResponderExcluirAbraços.
Dr Luis,
ResponderExcluirPost muito bom! Penso que melhor do que Einstein, só Freud ou algum outro estudioso da psiquê para explicar o uso de condutas ativas no lugar de condutas com eficácia cientificamente demonstrada... Como o estudo mostra: o paciente acha que a conduta ativa irá lhe fazer bem! Infelizmente as pessoas precisam de condutas que de denotem ação para acreditarem que estão sendo beneficiadas... Nessas horas o trabalho é tanto médico quanto psicológico...
Olá professor, muito bom o post.
ResponderExcluirAcredito que essa questão do médico ativo é o que termina prevalecendo mesmo. Além disso, ter uma placa de gordura no coração(mesmo em pacientes assintomáticos) é uma coisa, que pra quem é leigo assusta bastante.
Professor, qual sua opinião com relação à religião/fé com relação à medicina? Vi um artigo outro dia(ele é de 2006) que testava orações no pós operatório de cirurgia de revascularização miocárdica. Achei os resultados interessantes e surpreendentes. O nome do artigo é esse: Study of the Therapeutic Effects of Intercessory
Prayer (STEP) in cardiac bypass patients:
A multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of receiving intercessory prayer.
Abraços
Bom que esta impressão do paciente seja colocada no papel, pois já é sensação frequente a de que os médicos não explicam bem os procedimentos aos pacientes. Difícil ver alguém tomar um tempo da consulta para isto. Além de não explicar, no caso da ATC em assintomáticos, ainda se deixa no ar que o procedimento é crucial. É como se a evidência científica fizesse parte de um mundo paralelo.
ResponderExcluirLuís,
ResponderExcluirComo sempre, uma abordagem muito interessante em temas muitas vezes varridos para baixo do tapete.
Faria apenas 3 comentários:
1) O médico assistente, ou o que ele diz, não é a única variável formadora de conceitos para o paciente leigo. A mídia, o vizinho, a esposa e o guia espiritual têm importância por vezes maiores que as palavras do médico. Talvez porque um paciente fragilizado busque a informação que ele "quer que seja verdadeira". Uso como exemplo um familiar que morava comigo e parou de tomar todos os anti-hipertensivos após ouvir na fila do supermercado que prejudicariam sua performance sexual. Tenho certeza de que informei MUITO bem os riscos/benefícios em ambientes formais e informais, mas sequer fui consultado sobre a interrupção (procurou-me quando as consequências vieram);
2) Considerando o item anterior, uma breve resenha antes da opinião 2. Ouvi muitas críticas à Igreja católica devido aos seus posicionamentos relativos ao uso de preservativos. Recentemente, o papa colocou o uso do preservativo como algo aceitável. Novamente, críticas pela demora na mudança foram ouvidas. Eu compreendo, embora não aprove, que uma instituição dogmática e conservadora leve tempo muito superior à comunidade científica para recomendar mudanças de atitudes aos seus fiéis. Convenhamos que não acertamos sempre (você nos mostra isso melhor que ninguém). Também acho compreensível que a "opinião geral" ainda veja a angioplastia como a maioria de nós cardiologistas via até pouco tempo atrás. Essa sensação corre nos poros da sociedade desde que o procedimento foi criado, levará tempo para mudar;
3) Confesso ter lido apenas o abstract do texto hoje, mas vi que 68% dos pacientes tiveram algum sintoma antes de fazer o exame. Talvez o paciente que sinta dor anginosa possa intuitivamente achar que melhorar da dor prolongue sua vida. Entretanto, prometo que lerei o artigo na íntegra para avaliar melhor minha posição nesse item.
Sei que não é sua intenção, mas gostaria de evitar o clima de "caça às bruxas" sobre os profissionais que indicaram o procedimento. O problema maior é que, mesmo sem a evidência ideal, todos temos percebido que ainda são indicados cineangiocoronariografias e angioplastias desnecessárias à luz do conhecimento atual. O fato de já existirem alguns indignados com essa situação pode ser um bom indício de uma nova prática futura.
grande abraço!
Teus comentários são sempre pertinentes e levam a gente a pensar.
ResponderExcluirO estudo em questão tem sérias críticas metodológicas e inclusive mais um-vide Jupter interrompido antes do seu final .
A questão dos PPI/Clopidogrel ainda não ficou resolvida e temos que olhar com alguma cautela em pacientes de alto risco.
Abraços
Wálmore
Obrigado pelo artigo, professor. Estava justamente procurando algo na internet que me desse alguma luz. Tanto este texto como o "Estamos Indicando Cateterismo Corretamente ?" foram de muita valia.
ResponderExcluirTive uma TVP há seis meses (ainda estou pesquisando a causa) e no hospital o ECO apontou uma acinesia que foi confirmada por um outro eco posteriormente. Depois disso, por indicação do cardiologista, fiz MAPA (resultado normal), Cintilografia que apontou uma possível "discreta isquemia" mas com prova de esforço normal. Eu não sinto nada, não fumo, não bebo, minhas taxas não são altas, os diversos ECGs que fiz nos últimos anos são normais, faço caminhadas de uma hora quase que diariamente sem exastão e o cara agora quer que eu faça um cateterismo?!?!
A sorte é que eu trabalho num posto de saúde (sou dentista e tenho 46 anos) cujo diretor é meu amigo e tb é cardilogista. Por ele não teria feito sequer a cintilografia e diz que não vê nenhuma necessidade de cateterismo. "Só para diaganóstico?" Pergunta ele.
Estava muito indeciso; Sei que não é o objetivo mas seus artigos se não sanaram minhas dúvidas ao menos me deram uma boa indicação.
Mas uma vez obrigado
Luiz Antonio
Rio de Janeiro
luizrelvas@gmail.com
Luis sensacional essa sua colocação, o interesse comercial também existe!Procedimento é diretamente proporcional ao dinheiro do fim do mês, mas sei que é difícil falar sobre essa prática sendo você um cardiologista também.
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