domingo, 15 de julho de 2018

Ozonioterapia e as oxigenações indevidas de condutas médicas



Ozonioterapia foi assunto de destaque na semana passada, provocado por reportagem do Fantástico. Fantástico está no seu papel de transformar fatos cotidianos em coisas sensacionais. Porém o sensacionalismo específico pode deixar nublada a visão geral. Focamos tanto em uma árvore, que perdemos a noção da floresta. 

Ozonioterapia não é uma distorção em meio a uma medicina rigorosamente científica. A oxigenação de condutas fúteis é um fenômeno comum, de alta prevalência, tanto em terapias alternativas, como na medicina tradicional do ocidente. 

Focar a discussão em casos caricaturais, sob a forma de "escândalo", pode gerar a impressão de algo inusitado. Mas esta história não tem nada de inusitada em se tratando de medicina. Precisamos evitar uma discussão maniqueísta, entender posturas fantasiosas como fenômenos sociais, dialogar com a sociedade a fim de promover alfabetização científica. Nosso problema não é apenas ozonioterapia.

Dito isso, vamos ao assunto específico, pois o caricatural também é interessante. 

Nesta postagem, revisarei as evidências sobre ozonioterapia, colocando este tratamento no patamar de suas evidências. Em seguida, ampliaremos a discussão de como lidar com essas questões. Por fim, discutiremos: dentre o manancial de condutas médicas fantasiosas, desde homeopatia a angioplastia coronária em pessoas assintomáticas, qual a relevância da ozonioterapia. 

No último domingo, a reportagem do Fantástico. Na terça, o Conselho Federal de Medicina publicou no Diário Oficial que considera a ozonioterapia um procedimento experimental. Por outro lado, o senado aprovou o projeto de lei autorizando a prescrição de ozonioterapia em todo território nacional e o SUS incluiu este tratamento no rol de práticas integrativas

Quem está certo?

Em postagem recente coloquei que talvez pudéssemos considerar práticas integrativas que oferecem efeito benéfico simultâneo (bem estar), pois esta característica dispensa evidências probabilísticas do impacto da conduta. Desde que não substituíssem coisas importantes e o custo fosse aceitável. Este não é o caso da ozonioterapia, que se propõe a oferecer impacto em desfechos futuros (melhora de dor, cicatrização de feridas). Sendo assim, ozonioterapia requer evidências empíricas de seu benefício.

A princípio me parece coerente o posicionamento do Fantástico e do CFM contra a ozonioterapia. Por outro lado, devo reconhecer que essa minha percepção decorre do meu viés do ceticismo, que me faz encarar ozonioterapia como fantasia, antes mesmo de analisar as evidências. Por enquanto, eu tenho apenas uma crença de que ozonioterapia é uma conduta inadequada. Devo, portanto, controlar meu preconceito, dar alguns passos atrás e tentar analisar evidências externas sem influência das minhas evidências internas (crenças).


O nível de evidência da ozonioterapia


Foi ao PUBMED ... acrônimo PICO …

Ao saber que ozonioterapia "serve para tudo" não usei a palavra-chave de P (população), pois todas as populações de doenças poderiam receber essa terapia, como acontece com muitas condutas pseudocientíficas. Também dispensei a palavra-chave de O (outcome), pois se não estou restringindo a doença, fica difícil restringir o desfecho da doença. Assim, minha pesquisa no PUBMED foi baseada apenas na palavra-chave que definia I de intervenção: “ozone therapy" ou simplesmente “ozone”. Ao restringir esta pesquisa ao título, o PUBMED retornou 8.825 artigos.

Em seguida, restringi a pesquisa a Clinical Trials, pois são os ensaios clínicos que testam a eficácia questionada pelo Fantástico. Aparecem 254 ensaios clínicos publicados em revistas indexadas no PUBMED. 

Achei estranho que o Conselho Federal de Medicina afirma no seu portal que a "Comissão para Avaliação de Novos Procedimentos em Medicina avaliou mais de 26.000 trabalhos sobre o tema".  Mesmo que eu não tenha pesquisado em todas as bases de dados que contém revistas de menor impacto, 26.000 é muito diferente que 254. Ao pesquisar “aspirina” no título de qualquer tipo de artigo, PUBMED me retornou 16.000. Será que tem mais trabalho com ozonioterapia do que com aspirina?

Mas vamos voltar ao que importa. Uma leitura rápida do título dos 254 artigos me trouxe insights interessantes: um bom número de estudos contém no título a expressão “ensaio clínico randomizado, duplo cego” e há revistas de alto impacto publicando sobre o assunto, tais como PLOSONE, J Applied Phyisiology, Chest. Não parece ser aquele tipo de assunto publicado apenas em revistas pseudocientíficas. Os cenários clínicos mais abordados pelos artigos são de odontologia, doenças reumáticas, feridas em membros inferiores e alergia. 

Qual a qualidade destes estudos?

Prosseguindo na revisão, seria impossível ler todos os 256 trabalhos. Mas existem as revisões sistemáticas da literatura, que se bem feitas nos dão noção da totalidade das evidências. Assim, restringi minha pesquisa a Systematic Reviews, resultando em 5 artigos. 

Todas as 5 revisões sistemáticas concluem que não há comprovação da eficácia da ozonioterapia. Três revisões são taxativas quanto ao baixo nível de evidência dos poucos trabalhos existentes e não sugerem qualquer tendência. E duas revisões sugerem um benefício na conclusão (forçado), mas reconhecem que mais estudos são necessários para confirmar. 

Merecem destaque duas revisões da Cochrane, uma sobre úlceras de membros inferiores e outra sobre prevenção de cáries. Ambas encontraram apenas poucos trabalhos, pequenos, de baixa qualidade, que não devem influenciar nosso pensamento.

Desta forma, tirei duas conclusões de minha revisão: o assunto é encarado pela comunidade científica como uma terapia que merece o benefício da dúvida, justificando a existência de linhas de pesquisa e trabalhos publicados em boas revistas. Segundo, diferentemente de outras áreas em que há trabalhos de qualidade para influenciar nosso pensamento, este é o caso em que ainda não há evidências suficientes para aumentar, nem evidências que reduzam a probabilidade da terapia ser eficaz. 

Ozonioterapia é diferente de homeopatia. No primeiro, dados empíricos poucos nos informam. No segundo, há estudos de boa qualidade que sugerem ausência de benefício além do placebo.

Ozonioterapia também é diferente de condutas médicas tradicionais em que as evidências de boa qualidade sugerem ausência de benefício e por vezes algum malefício, porém continuam enraizadas: angioplastia coronária em assintomáticos, rastreamento de câncer de próstata, reposição de vitamina D. 

Por exemplo, para falar de minha especialidade. Como cardiologista, sou entusiasta de um tratamento que desobstrui coronárias sem necessidade de uma traumática cirurgia (angioplastia). Porém a má indicação faz de uma conduta verdadeiramente eficaz nas situações certas se tornar um tratamento fantasioso para situações inadequadas. Estatísticas americanas mostram que apenas metade das angioplastias eletivas são claramente apropriadas. Boa parte são realizadas em pacientes estáveis (não reduz desfechos) e assintomáticos (não melhoram sintomas, pois estes não existem). Este é um tipo de situação também fantasioso, porém mais difícil de entender como fantasioso. 

Embora não existam trabalhos capazes de influenciar nosso pensamento (nem para mais, nem para menos) quanto à ozonioterapia, a probalidade pré-teste deste tratamento ser eficaz é muito pequena, o que faz da probabilidade pós-teste mais baixa do que a angioplastia coronária, que começa com uma plausibilidade muito maior. Por outro lado, homeopatia tem probabilidade pré-teste muito baixa e estudos negativos, terminando na probabilidade pós-teste mais baixa do que ozonioterapia. 

Dentro de um espectro de coisas que não funcionam, ozonioterapia está entre homeopatia e angioplastia. No extremo inferior, homeopatia tem probabilidade pré-teste baixa e testes negativos. No extremo superior, angioplastia tem probabilidade pré-teste alta e testes negativos. E no meio está ozonioterapia com probabilidade pré-teste baixa e sem testes que mudem essa probabilidade. Essa é uma análise espectral bayesiana. 


O que significa experimental?


O CRM definiu ozonioterapia como experimental, dando a conotação de que não há comprovação científica. Corretíssimo com base em nossa revisão. Mas aí surge uma questão: o que é experimental?

Não ter comprovação científica é uma condição suficiente para uma conduta ganhar o rótulo de experimental? Se fosse assim, pintar o cabelo de azul em novembro para prevenir câncer de próstata seria uma conduta experimental. 

“Experimental” é um termo lacônico, não ajuda a população entender o nível de evidência a respeito de alguma coisa. Temo que para alguns o “experimental” conote algo promissor, que frente a uma situação em que o tradicional não funcionou, possa ser uma opção. 

Proponho que o termo "experimental" seja usado para condutas não comprovadas, porém com probabilidade pré-teste alta, uma boa dose de plausibilidade biológica e com trabalhos iniciais promissores. 

Ao dialogar com a população sobre esses assuntos, devemos ser claros e aproveitar para gerar uma cultura científica. Eu publicaria que não há estudos de qualidade sobre ozonioterapia. Não se pode concluir nada do ponto de vista empírico. A luz do conhecimento atual, qualquer ozonioterapia estaria sendo implementada com base em crença.


Por que justamente ozonioterapia?


Compreendo que ozonioterapia seja uma reportagem mais sensacionalista e fácil para ilustrar pseudociência em um programa como o Fantástico. Afinal, não é tão fácil de explicar porque exame de próstata não previne morte por câncer ou porque desentupir uma obstrução estável não traz benefícios em desfechos cardiovasculares maiores. Portanto, entendo os editores do Fantástico, afinal este é um programa feito para ser fantástico.

Mais difícil de compreender (ou concordar) é porque a comunidade médica escolhe seletivamente o que  considerar pseudocientífico. Esta seletividade não contribui verdadeiramente para a alfabetização científica da população.

Por que atacamos ozonioterapia e nos fantasiamos de científicos em outros tratamentos fúteis, alguns mais agressivos do que água ozonizada. Ou por que o CRM se posiciona contra ozonioterapia e ao mesmo tempo reconhece como especialidade médica a prática de oferecer soluções hiper diluídas (a ponto de não sobrar nenhuma molécula) sob a premissa de benefício futuro, sem demonstração de benefício em trabalhos com alto nível de evidência?

A discussão sobre uma fantasia específica que não faz parte nossa prática clínica deve servir de estímulo para avaliarmos nossas próprias práticas. Cada um de nós, em nossas próprias especialidades, deve fazer um exercício autocrítico. Quando estamos fantasiando os benefícios de exames de rastreamento, superestimando o benefício de tratamentos, sem levar em conta o custo ao paciente, prognosticando as coisas de forma tendenciosa e univariada? O anticientífico permeia todas as áreas, em inúmeras situações. 

O que seria pior, rastrear câncer de próstata, não salvar vidas e provocar impotências e incontinências? Realizar angioplastia coronária em situação inapropriada? Submeter o paciente a uma sessão fútil de quimioterapia, mas de alto custo? Ou tratar qualquer coisa com água ozonizada? É difícil dizer o que é pior.

Há argumentos de que terapias alternativas fazem pessoas deixar de realizar terapias tradicionais. Eu gostaria de ver evidências epidemiológicas do fenômeno da troca de terapias importantes por ozonioterapia. Estes são casos anedóticos ou temos evidências epidemiológicas de uma prevalência substancial do problema?

Medicina tem muito de pseudocientífico e isso não ocorre apenas nas terapias complementares, alternativas ou integrativas, como a homeopatia ou ozonioterapia. Isso ocorre com condutas sofisticadas, como rotinas cardiológicas ou oncológicas, para falar nos dois principais grupos de doenças no mundo civilizado.

Ozonioterapia é um pseudocientífico caricatural. Temo que a atenção demasiada no caricatural ofusque um fenômeno mais amplo e normalize nossas tradicionais terapias oxigenadas e disfarçadas de científicas. 


---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Conheça nosso curso online de medicina baseada em evidências, clicando aqui.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Copa do mundo baseada em evidências: Brasil será campeão?



Aviso aos comentaristas esportivos que não precisamos de explicação se o Brasil perder da Bélgica. E se o Brasil ganhar, não precisam explicar que Neymar está evoluindo a cada jogo (variabilidade) ou Coutinho recebeu melhores instruções de Tite e voltou ao seu jogo inicial (regressão à média). 

Tudo falácia narrativa. 

Convenhamos que a evolução da qualidade de Neymar entre os jogos está mais para uma pequena variabilidade do que para uma nítida mudança. O jogador apresenta mais ou menos o mesmo padrão ao longo dos jogos. A diferença é que o Brasil empatou no primeiro jogo e ganhou nos demais. As vitórias progressivas geram interpretações superestimadas de melhora progressiva do time. 

Mas se quisermos acreditar em uma clara evolução, não é difícil encontrar comparações e estatísticas que apontem para isso, deletando observação contraditórias (viés de confirmação). Até que um dia o Brasil perca e Neymar faça um jogo medíocre. Vamos ter que inventar alguma convulsão no quarto do hotel para justificar uma variabilidade que poderia ser vista como parte da natureza das coisas? Lembrem de 98, não precisávamos inventar uma justificativa para o óbvio de que o time de Zidane seria o favorito naquela final dentro da França. 

Mas porque um Blog médico ousa fazer um postagem sobre futebol? Fuga do tema? Nada disso, estamos falando da mesma coisa. 

Palavras originalmente médicas como “diagnóstico” e “prognóstico” são muito usadas no meio futebolístico e “tática de jogo” poderia ser traduzido como “tomada de decisão”. A verdade é que nos comportamos parecidos no futebol e na medicina, e o entrelace desses dois ambientes pode ser instrutivo. 

Falácias narrativas acima descritas são se restringem ao futebol. 

Passamos a vida criando falácias narrativas ("meu paciente infartado com choque cardiogênico sobreviveu porque implantei um balão intra-aórtico") que sustentam condutas sem base em evidências. É uma pena, pois perdemos a oportunidade de aprender com nossa experiência, pois falácia narrativa é a melhor forma de desaprender com a experiência prática. 

Mas vamos voltar ao futebol, o que importa nesses tempo de Copa.

Se o Brasil tivesse perdido para o México pelo acaso da entrada no gol de algumas daquelas bolas perigosas, muito provavelmente os comentários sobre a qualidade do jogo de Neymar não seriam os mesmos. Imagino que estariam dizendo que Neymar não teria evoluído como se esperava ao longo dos jogos. 

Já Neymar, quando faz o gol, comemora fazendo sinal de "cala a boca", sem perceber que foi uma sorte Gabriel Jesus não tem conseguido tocar na bola e ter sido ele o detentor do gol. 

Neymar, seu gol não tem o nível de evidência para mandar ninguém calar a boca. Mas concordo que esses especialistas não têm o nível de evidências para transformar sua variabilidade de qualidade de jogo (típica da natureza) em uma deficiência que precisa evoluir. Até porque você não varia tanto, fica entre um percentil 70 e 80 de qualidade quase o tempo todo. 

Tite, vamos parar de dizer que Neymar está evoluindo para voltar ao seu status normal,  pois esse mesmo jogador foi melhor contra a Áustria (amistoso pré-copa) do que contra a Suíça. Não é evolução! É variabilidade, Tite!

Comentaristas esportivos e técnicos de futebol vivem de falácias narrativas (exceto Tostão, que tem a humildade de dizer que não acreditemos em suas previsões), procuram explicações causais retrospectivas. 

Depois do primeiro jogo cheguei a ouvir em uma mesa redonda da Sport TV: “Tite não é um técnico tão bom quanto se diz”. Independentemente da qualidade de Tite (eu acho que é o melhor técnico do Brasil depois de Telê), é caricatural elogiar Tite ao longo de 2 anos e no primeiro empate na Copa criticar sua qualidade.

Tudo isso, seja no pensamento futebolístico ou médico, decorre da desvalorização do acaso.

O futebol é um esporte dos mais imprecisos. 
Medicina é uma profissão das mais imprecisas.

A magia do futebol está em sua capacidade de dar espaço ao acaso. Vide a eliminação da Espanha pela Rússia, nos pênaltis. Coisa que nunca aconteceria no Basquete, onde a incidência de cestas é muito maior do que o número de gols em um jogo de futebol. Assim, um jogo de futebol não consegue ser uma amostra representativa da realidade. Diferentemente do futebol, o número de desfechos no basquete varia de 150 a 200 cestas. Portanto, se um time pior começar ganhando, na medida em que os desfechos aumentam com o progredir do jogo, o acaso vai se desfazendo e a causa (melhor time) vai tomando forma. Basquete é um esporte anti-acaso, feito para que ganhe o melhor. 

Futebol é um esporte pró-acaso, por isso esses resultados inusitados não são em nada surpreendentes.  Se medicina é a ciência da incerteza, o futebol é o esporte da incerteza. 

Uma copa do mundo é totalmente o contrário do Basquete! Portanto, seria o ambiente onde deveríamos aproveitar para discutir a magia do acaso, ao invés de causalidades construídas sob falsas premissas. 

A copa do mundo não foi feita para diagnosticar a melhor seleção do mundo.
Assim como a prática clínica, repleta de acaso e vieses, não serve para criar conceitos científicos. 

Uma caso bem sucedido não valida o tratamento aplicado. Uma vitória da Rússia não a valida como melhor do que a Espanha.

E não precisam dizer que a era do estilo de jogo espanhol está superada ...

E quase a Argentina ganha da excelente seleção da França ...

Vendo a França jogar, julgo que o time é melhor que o Brasil. Mas a gente deve manter as esperanças se formos para as semi-finais, pois em um imprevisível jogo de futebol, tudo pode acontecer. O Brasil pode ganhar e depois ser campeão do mundo.

Predições Médicas e Futebolísiticas


Medicina é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade. 

Quando estamos diante de um ambiente com alto grau de incerteza (futebol e medicina), modelos probabilísticos são menos acurados. O problema é que os modelos mentais tornam-se ainda menos acurados. Ou seja, em um mundo instável, a preferência por modelos matemáticos (em detrimento da intuição humana) deve ser ainda mais forte. 

Portanto, em situações prognósticas incertas, clínicos devem se munir de modelos multivariados que retornem a probabilidade de um evento ocorrer. Assim como comentaristas esportivos devem confiar menos em suas opiniões e usar um pouco mais de estatística. 

Mas também devemos estar cientes de que esses modelos não nos dão certeza, apenas uma resposta probabilística. 

O estatístico americano Nate Silver desenvolveu um modelo probabilístico baseado no histórico de décadas de copa do mundo e também no histórico dos atuais jogadores de cada seleção. Neste modelo, o Brasil tem 30% de probabilidade de se tornar hexacampeão. 

Puxa, apenas 30% ? 

Apenas não, pois o Brasil é o favorito, a seleção com maior probabilidade de ser campeão, seguida pelos 15% da França. No início da copa o Brasil tinha 19%, mas claro que com a progressiva eliminação de seleções, essa probabilidade vai aumentando. 

E então, devemos ficar otimistas ou pessimistas?

Otimistas se pensarmos que somos a seleção mais provável de ganhar, porém pessimistas se pensarmos que é mais provável perder a Copa do que ganhar. 

Podemos dizer que temos 30% de probabilidade de ganhar ou 70% de probabilidade de perder. Frases de mesmo significado, porém de um impacto bem diferente em nossas mentes. 

Este fenômeno psicológico de valorização de uma probabilidade com base na forma como esta é explicitada ocorre igualzinho em medicina. Escolhas de pacientes e de médicos variam substancialmente de acordo com a forma como as coisas são colocadas. Se o enfoque é no ganho ou na perda.

Em um tipo de câncer de pulmão, cirurgia é um tratamento que promove melhor sobrevida do que radioterapia. Porém cirurgia tem o inconveniente do risco do procedimento. Esta é uma situação ideal para testar o viés de aversão à perda.

Em um clássico estudo, investigadores dividiram pacientes em 2 grupos. O primeiro receberia a informação de que 90% sobrevivem à cirurgia versus o segundo grupo que ficou sabendo que 10% morrem na cirurgia. No primeiro caso (enfoque no ganho - sobrevida), 82% dos entrevistados optaram pela cirurgia, comparado a apenas 56% de opção pela cirurgia no segundo grupo que enfocava risco (perda).

E assim nós vamos tomando decisões, sem perceber a influência do irracional de nossos vieses cognitivos. Nossas escolhas não são tão racionais quando achamos ser.


E o Brasil na Copa?


Sugiro o viés do otimismo. Copa do Mundo serve para nos distrair por um mês a cada quatro anos. Pelo menos um mês de diversão depois de inúmeros meses de notícias políticas, econômicas e judiciais bombásticas. 

Arrisco dizer que seria bom para o Brasil sermos campeões. Pois economia é influenciada por otimismo e nada como uma dose de otimismo político-econômico mediada por um engano cognitivo vindo da sensação de campeões do mundo. Pode ser que haja uma influência maior do que pensamos. Ou pode ser que não haja, mesmo assim seria uma alegria momentânea.

Sendo assim, concluo: é melhor pensar que temos 30% de probabilidade de sermos campeões, o dobro da probabilidade da França! E temos 62% de probabilidade de ganhar da Bélgica na sexta-feira, segundo Nate Silver.

Por outro lado: caso a gente não seja campeão, não precisamos inventar causas específicas, apenas nos lembrar que tínhamos 70% de probabilidade de perder a copa do mundo. 

Assim, aproveitamos do otimismo a priori e da serenidade a posteriori. Essa é minha sugestão para os “milhões em ação” da torcida brasileira: futebol baseado em evidências

E sexta-feira tem mais ...