sexta-feira, 16 de abril de 2010

Estatina Causa Diabetes?



Uma recente meta-análise publicada no Lancet sugere que o uso de estatina causa diabetes, idéia que parece pouco plausível. No entanto, muitas vezes coisas verdadeiras não parecem plausíveis, o que nos mostra que precisamos respeitar as evidências, desde que sejam de boa qualidade. Portanto, vamos avaliar a qualidade desta evidências.

Tudo começou com o fato do ensaio clínico JUPITER ter demonstrando aumento na incidência de diabetes com uso de rosuvastatina no cenário de prevenção primária. No entanto, esta observação do JUPITER tinha probabilidade considerável de ser devido ao acaso. Apesar de naquele estudo o valor de P para incidência de diabetes ter sido estatisticamente significante, este não refletia a verdadeira probabilidade do acaso. Primeiro, porque diabetes não foi desfecho primário, o que provoca o problema das múltiplas comparações. Ou seja, inúmeros desfechos colaterais são avaliados de uma só vez, podendo surgir significância estatística em algum deles, simplesmente por acaso. Segundo, surgimento de diabetes não foi um desfecho pré-especificado, ou seja, foi relatado no estudo porque apareceu como significativo. Terceiro, este desfecho não foi definido de forma objetiva, dependia da impressão do médico. O valor da glicemia, um desfecho mais objetivo, não apresentou diferença entre os grupos. Quarto, o desfecho não foi adjudicado, ou seja, revisado por uma auditoria, como se faz com qualquer desfecho importante. Portanto, este dado do JUPITER não é suficiente nem para gerar uma hipótese.
Mesmo assim, gerou a hipótese para que se realizasse esta meta-análise de 13 ensaios clínicos randomizados, todos com a mesma limitação do JUPITER na avaliação de diabetes. Ou seja, combinou-se um monte de estudos que não tinham diabetes como desfecho pré-definido, nem objetivamente definido, nem adjudicado. Em 7 dos 13 estudos nem mesmo analisado este desfecho havia sido. Foi por solicitação dos autores da meta-análise que os autores dos estudos voltaram aos seus registros e colheram esta informação. Sabe-se lá como.

Outra importante questão é que o estudo JUPITER foi o estudo com maior tendência para aumento de diabetes com estatina e este foi o maior estudo dentre os 13 incluídos. Muito maior que a maioria dos outros, o que dá um peso maior a ele no cálculo do resultado final. Porém o que mais preocupa é o seguinte: o mesmo estudo que gerou uma hipótese implausível é incluído na meta-análise que vai responder a questão. É o mesmo que utilizar o conhecimento da probabilidade pré-teste de doença para laudar a imagem de um exame diagnóstico. Claro que a interpretação da imagem do teste vai ser influenciada pelo que se sabe previamente. Outra analogia: quando se cria um escore prognóstico a partir de uma amostra, este deve ser validado em outra amostra, diferente da que foi utilizada para a derivação do escore. Para evitar o erro da repetição. Considerando que a hipótese não foi criada a partir da plausibilidade, mas sim de um achado possivelmente espúrio do JUPITER, seria necessário ter excluído este estudo da meta-análise em questão. Aí sim seria uma validação da hipótese gerada pelo JUPITER.

Parece-me uma idéia que surgiu de um argumento falho (análise inadequada do JUPITER), que foi confirmada por repetição de erros metodológicos, inlcuindo o mesmo dado falho do JUPITER. Estas evidências estão mais para um boato de que estatina aumenta diabetes do que para a verdade científica.

Alguns já estão discutindo que o benefício da estatina supera muito este potencial malefício de surgimento de diabetes. Acho que a discussão nem chega neste nível. Como já comentei anteriormente, devemos analisar com cuidado as meta-análises.

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