A revista TIME contribuiu negativamente com a saúde pública, quando publicou na semana passada uma reportagem questionando o benefício de estatinas em mulheres. Esta reportagem teve grande repercussão no público americano, reduzindo a aderência das mulheres a este tipo de terapia. Ao reduzir a aderência, uma droga eficaz nos ensaios clínicos torna-se menos efetiva no mundo real. E este foi o resultado da infeliz reportagem.
Não há base científica para a TIME negar o benefício deste tipo de droga em mulheres. Em boa parte das postagens deste Blog, nós questionamos o benefício de drogas que não possuem comprovação científica. Porém no caso das estatinas é o contrário. Apesar de ser mais divertido questionar paradigmas vigentes, neste caso preciso reconhecer a existência de evidências científicas comprovando benefício e segurança, em ambos os sexos.
A reportagem da revista TIME afirma que o benefício comprovado em homens não se estende a mulheres, ao passo que os efeitos colaterais, como dor muscular, são mais freqüentes em mulheres.
Yet there is little evidence that they prevent heart disease in women. Researchers who have broken out and analyzed the data on healthy female patients in these trials found that the lifesaving benefit, which extends to men, does not cross the gender divide. What's more, there's evidence that women are more likely than men to suffer some of the drugs' serious side effects, which can include memory loss (?), muscle pain and diabetes (?).
Um fato verdadeiro é que mulheres são subrepresentadas nos ensaios clínicos, ou seja, o número de homens é sempre maior do que o número de mulheres. Isso faz com que análises de subgrupo mostrem nos homens resultados mais convincentes do ponto de vista estatístico. Porém isso é efeito do tamanho amostral. A correta análise de subgrupo é aquela que procura verificar se há uma mesma tendência do efeito observado nos subgrupos específicos. Não se deve esperar significância estatística em cada subgrupo, pois um SUBgrupo tem menor número de pacientes, levando a menor poder estatístico.
Além disso, estudos mais recentes em prevenção primária, como o HPS e JUPITER, mostram nítida consistência do benefício da estatina em ambos os sexos. Talvez a confusão venha do fato de que a redução absoluta de risco é menor nas mulheres, pois em geral o risco cardiovascular é menor neste grupo. Mas isso não quer dizer que as mulheres não se beneficiam. De fato, ao considerar a relevância do tratamento, um maior número de homens terá indicação da terapia, quando comparado a mulheres, pois a indicação leva em conta o risco cardiovascular. Mas se uma mulher tiver um risco que justifique a estratégia preventiva, a droga está indicada da mesma forma que nos homens. Vale salientar que, com base em evidências, o nível de risco necessário para indicar estatinas é cada vez menor.
Além disso, estamos falando de prevenção de infarto, AVC ou morte versus o efeito adverso de dor muscular. Ou seja, o efeito colateral enfatizado pela reportagem não se compara qualitativamente ao benefício da droga. Mesmo assim, se alguém não tolerar estatina por dor muscular (fato infrequente, mesmo em mulheres), suspende-se a droga, sem prejuízo para o paciente. O prejuízo maior seria não tentar usar uma terapia benéfica por medo de dor muscular.
A imprensa leiga tem um conflito de interesse inerente, que é a necessidade de audiência. Desta forma, as reportagens são feitas para causar impacto. Às vezes este impacto vem da supervalorização de uma terapia ou exame novo, como se estes fossem panacéias. Outras vezes, a imprensa tenta causar impacto trazendo uma visão crítica sobre coisas bem estabelecidas. As duas situaçõe são inadequadas. A comunidade médica precisa ficar atenta para exigir uma imprensa baseada em evidências.
Excelente post (como sempre) Luis.
ResponderExcluirÉ extremamente importante corrigir as distorções da imprensa leiga e, principalmente, de forma substanciada como você o faz. A responsabilidade de imprensa é enorme e os danos causados podem ser muito grandes, até pela influência de parte menos crítica da comunidade médica.
Quanto à representação do sexo feminino nos estudos, recentemente foi publicado um estudo mostrando que há subrepresentação também nos estudos experimentais.
Wald, C., & Wu, C. (2010). Of Mice and Women: The Bias in Animal Models Science, 327 (5973), 1571-1572 DOI: 10.1126/science.327.5973.1571
Segue uma resposta embasada nas evidências.
ResponderExcluirStudy Question: Is statin therapy effective for primary prevention of cardiovascular disease (CVD) in women?
Methods: Data from the JUPITER study were used for this analysis. A total of 6,801 women ≥60 years, and 11,001 men ≥50 years were included in the study. All participants had a C-reactive protein level ≥2 mg/L and a low-density lipoprotein cholesterol <130 mg/dl. Subjects were randomized to rosuvastatin or placebo and followed for a median of 1.9 years. In addition, a meta-analysis of randomized placebo-controlled trials using statins for primary prevention among women was performed to examine additional trials, including JUPITER. A total of 20,147 women, mean age 60-69 years, were included in the meta-analysis.
Results: Absolute CVD event rates, per 100 person-years in JUPITER, were 0.57 for women randomized to rosuvastatin and 1.04 for women randomized to placebo, and 0.88 for men randomized to rosuvastatin and 1.54 for men randomized to placebo. The relative risk (RR) reduction was 0.54 (95% confidence interval [CI], 0.37-0.80) for women and 0.58 (95% CI, 0.45-0.73) for men. Among women participants from JUPITER, there was a significant reduction in revascularization/unstable angina and nonsignificant reductions in secondary events such as myocardial infarction, stroke, and death. In the meta-analysis of 13,154 women, a significant reduction in primary CVD events was observed with statins (RR, 0.63; 95% CI, 0.49-0.82) and a nonsignificant reduction in total mortality (RR, 0.78; 95% CI, 0.53-1.15).
Conclusions: The authors concluded that data from the JUPITER trial suggest that statins reduce primary CVD events among women, with a relative risk similar to that observed in men. Further data from a meta-analysis supported this conclusion.
Perspective: These data support the use of statins in primary prevention of CVD events among women, particularly those ages ≥60. Identification of long-term risk in women will assist clinicians in identifying women who will receive the greatest primary risk reduction from statin therapy.
Circulation 2010; 121: 1069-1077