Recentemente os colegas Danilo e Marcus Picoral me chamaram a atenção através deste Blog para um trabalho publicado no British Medical Journal, o qual avalia a acurácia do CHADSVASc para predizer desfechos em pacientes com fibrilação atrial, não anticoagulados.
Este trabalho é uma análise retrospectiva feita da Dinamarca, a partir dos registros do diagnóstico de internamento (CID) contidos no sistema de saúde daquele país. Os autores cruzaram o registro ambulatorial de que o paciente tinha fibrilação atrial com um eventual registro hospitalar de internamento por acidente vascular cerebral. Desta forma, dá para perceber que a validade interna dos dados apresentados neste trabalho é menor do que se fosse uma coorte de pacientes com fibrilação atrial para fins científicos. Não obstante, esta evidência não pode ser descartada, pois sua metodologia permitiu a análise de uma amostra de tamanho sem precedentes em 70.000 pacientes.
Este inédito tamanho amostral proporcionou (agora assim) que as estimativas do risco de AVC em cada pontuação do CHADSVASc fossem mais precisas, visto que os intervalos de confiança foram estreitos o suficiente para que cada faixa se diferenciasse em risco de AVC (menor superposição). Vale salientar que os valores encontrados diferem dos contidos na tabela que o Guideline Europeu apresentou, baseada em dados quase imaginários. Desta forma, agora temos uma tabela verdadeira, que nos permite saber qual o risco de acordo com o valor do CHADSVASc. Embora sejam dados provenientes de códigos de internamento, acho que o estudo agrega valor pelo seu tamanho amostral (os erros ficam um pouco mais diluídos).
Por outro lado, esse trabalho traz um dado concreto que reafirma nossa análise feita na postagem anterior: a acurácia discriminatória (entre quem vai e quem não vai ter AVC) do CHADSVASc é idêntica à do CHADS. Neste estudo de 70.000 pacientes, a estatísticas-C do CHADSVASC analisado em toda sua amplitude de valores (0-9) é 0.79, comparada a 0.80 do CHADS2 no seguimento de 10 anos. Ou seja, CHADSVASC de fato não é melhor.
Quem lê só o resumo do estudo, sai com a impressão de que as estatísticas-C do CHADSVASc são melhores. Porém a análise que demonstrou isso foi a que testou ambos os escores simplificados, ou seja, 3 possibilidades de classificação apenas (baixo, médio ou alto risco). Esta é uma forma inadequada de utilizar estatística-C, a qual funciona melhor para variáveis numéricas ou para ordinais que possuem vários possibilidades de resposta. A análise que vale é aquela que testou a estatística-C usando toda a amplitude dos escores. Nesta, eles são iguais, como descrito no parágrafo acima.
O artigo conclui que CHADSVASc is more valid for stroke prediction in patients categorised as being at low and intermediate risk by the CHADS scheme.
Eles dizem isso porque os pacientes classificados com de baixo risco pelo CHADSVASc realmente têm menor incidência de eventos embólicos (0.66%) do que os pacientes classificados como de baixo risco pelo CHADS (1.24%). Por outro lado (isto eles não dizem), os pacientes classificados como de alto risco pelo CHADSVASc têm menor incidência de eventos embólicos (5.72%) do que os pacientes classificados como de alto risco pelo CHADS (7.97%).
É trocar uma coisa pela outra. Por isso que o CHADSVASC não tem uma estatística-C melhor do que o CAHDS, não é superior.
O que é mais importante, identificar pacientes de alto risco ou de baixo risco? No mínimo, as coisas são igualmente importantes.
Impressionante, Luís. Ainda não havia visto esse artigo. Soa como advogar um conceito e não buscar a verdade científica... Creio que caiba uma carta ao editor com seus comentários. Abraço.
ResponderExcluirMuito bom Luís. Esclarecedor.
ResponderExcluircristiano cruz
Interessante, como sempre, esta postagem Luis.
ResponderExcluirOs Escores de Risco clínico e cirúrgico têm sido muito usados na medicina moderna, sendo muito valorizado pelos residentes e graduandos por sua objetividade.
Muitas vezes,contudo, não paramos para refletir sobre a função real de um ESCORE de RISCO: PREDIZER O RISCO DE EVENTO RELACIONADO AOS CONSTITUINTES DO ESCORE.
Assim, apenas considerar quem é de baixo, médio ou alto risco não deve satisfazer ao usuário do escore. É importante a reflexão que Luis nos proporcionou: QUÃO BOM É O ESCORE PARA DISCERNIR SOBRE O RISCO INDIVIDUAL? A ESTATÍSTICA C (NOSSA MAIS NOVA AMIGA) MOSTRA UM BOM PODER DISCRIMINATÓRIO DO ESCORE PARA TODOS OS NÍVEIS DE RISCO? OU O ESCORE É MELHOR EM PREDIZER QUEM É DE ALTO RISCO APENAS?
É isso, precisamos nos cercar de informações e leitura antes de adotarmos uma verdade como nossa e aplicá-la aos nossos pacientes, principalmente no que diz respeito aos RÓTULOS ou CLASSIFICAÇÕES DE RISCO...
Marcia Cristina