quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Mito da Caverna de Platão, o Axé e a Medicina Pouco Embasada em Evidências



Qual a ligação entre axé e medicina? A resposta está no Mito da Caverna de Platão.

Este Mito conta a história de homens que nasceram dentro de uma caverna e vivem acorrentados de frente para a parede. Tudo o que eles podem ver é a sombra do que está lá fora, portanto sua perspectiva de vida é bastante limitada. Inclusive, estes homens acreditam que tudo que existe no mundo são aquelas sombras, pois não nunca tiveram contato com outra realidade.

Do ponto de vista cultural, o axé está para a Bahia, assim como a Caverna estava para aqueles homens. Embora desprovido de qualidades artísticas, o axé é massificante e ocupa o espaço de outros movimento culturais que ousem se manifestar na Bahia. O que não é axé tem dificuldade de crescer. Aliás, tudo que não é carnaval tem dificuldade de evoluir nesta terra. Temos o melhor carnaval do Brasil, isso nos basta, não precisamos de mais nada. A orla Barra-Ondina pode ficar sucateada a vida inteira, pois sua função é esperar seu curto período de esplendor no melhor carnaval do Brasil, durante 7 dias no ano. A Praia do Porto pode feder o ano inteiro, especialmente no verão, pois somos a terra do carnaval, nossa auto-estima é intocada. O carnaval baiano é a Caverna de Platão dos dias atuais.

Fico a imaginar se artistas como Gil e Caetano tivessem surgido nos dias atuais, época de esplendor do axé. Será que teriam despontado? Será que se tornariam conhecidos? Será que o massificante axé, com suas Ivetes e Cláudias, dariam espaço para estes verdadeiros artistas baianos?

Porém não devo me alongar no axé, pois careço de intelectualidade para isso e este é um Blog voltado para discussão científica. Só ousei falar desta tema, pois estou contagiado pelo maravilhoso clima de carnaval que povoa nossa terra esta semana e este contágio me fez lembrar de nossa medicina.

Em medicina, há fenômenos parecidos com o axé, que distanciam a prática clínica das evidências científicas. São idéias massificantes, que ofuscam a verdade científica, atendendo a interesses específicos. Interesses de diversas ordens.

A começar pelo interesse da indústria farmacêutica. Somos massificados pelos argumentos a favor de drogas baseados apenas em desfechos substitutos, argumentos que muitas vezes ocorrem em detrimentos de drogas com comprovação de eficácia em desfechos clínicos. Marcou o ano 2011 o massificante lobby a favor das drogas anorexígenas, inúteis (perda de 3 Kg em média, de acordo com ensaios clínicos randomizados) e prejudiciais (infarto, depressão). Ponto para a ANVISA, que restringiu e/ou proibiu varias destas drogas, a despeito do protesto (sem argumentos científicos, apenas argumentos emocionais – todos) de alguns obesos e de alguns médicos de obesos. Somos massificados pela indústria farmacêutica, que nos presenteiam com viagens e resorts sob a justificativa de eventos científicos. 

Há também o interesse de aparentar ser um médico resolutivo, adotando a “mentalidade do médico ativo”. Isso nos faz optar por condutas extravagantes, de alto custo, sem benefício e às vezes maléficas. Angioplastia é um tratamento revolucionário, admirável e benéfico quando bem indicado. Porém este tratamento é a toda hora banalizado por indicações estapafúrdias, assim como a África foi banalizada pela homenagem que Claudinha Leite lhe prestou neste que é o melhor carnaval do mundo.

Estes fenômenos dificultam a evolução do pensamento médico na direção do paradigma baseado em evidências, da mesma forma que o axé dificulta o progresso cultural e social da Bahia.

Plantão criou este Mito para nos lembrar de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade. A luz da verdade, contra os interesses escusos que aprisionam o pensamento médico, são as evidências científicas bem analisadas e aplicadas.

Vejo um grande valor no axé. Lembrar-nos que somos a toda hora tentados por pensamentos massificantes, sem embasamento cultural ou científico. Mas se por acaso tiverem me visto algum dia perdido na Avenida, já me justifico. Não sou de ferro, também tenho direito de dançar de vez em quando na Caverna de Platão.  

11 comentários:

  1. Isso sem nos remetermos ao poder alienador que o carnaval exerce. Alguém se lembra das aulas de história, na qual a política do 'pão e circo' era a extratégia do governo romano para fazer com que seu povo não desse a devida atenção aos problemas sociais?
    Pra mim o carnaval é a versão tupiniquim desta estratégia.
    Michael

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  2. "Colé de mermo", Luís, eu adorava tentar ir trabalhar e tá tudo fechado por causa do "Bloco da Camisinha". E dá-lhe Axé. Esse treco é tão massificante que a vida por vezes se limita ao planejamento dos reages preparativos para o próximo carnaval. Depois achamos ruim quando falam mal da gente.
    Abraço saudoso

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  3. Caro amigo Luis, simplesmente excelente!

    Axé!!!

    RD

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  4. Mestre
    Excelente artigo
    abs
    Lândia

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  5. Bacana Luis! O grande barato da vida e poder entrar e sair de qualquer caverna (realidade possivel) , sabendo que sao apenas cavernas....

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  6. Professor o senhor esqueceu que este ano o axé deu lugar ao pagode. O que ratifica ainda mais o que foi refletido sobre a auto-estima. Viva a nossa Caverna de Platão!!!

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  7. Luis Cláudio, um dia imaginei que viver na Bahia seria como uma realidade paralela, onde os problemas do mundo e as dificuldades da vida não passassem pela cabeça de sue povo, ou das pessoas que não são povo. Me perguntava sempre, como era possível que diante de uma caótica organização quase anárquica, sobrevivíamos impolutos na posição de donos da alegria! O bahiano é um povo a mais de mil... uma frágil e desfigurada sensação de auto-confiança que não entendi. O palhaço que já não tem mais graça! Ou como diz Nizan Guanaes: Salvador e sua orla como a careca do Bel Marques! E aí muito descompromissadamente porque nunca tinha ouvido falar de vc, caio em seu blog e começo a entender algumas coisas que fazem mais sentido que justificativas. Não sou bahiano. Já vivi, vivo, hoje contemplo de longe e saber que existem pessoas não afogadas nessa dalítica realidade estimula meus poucos neurônios herdados à lutar por melhores. Parabéns por ser assim. Abraço. Tiago Cavalcante

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  8. Querido Luis, maravilhosas palavras. Vamos fazer como Platao: buscar a essencia das coisas para além do mundo sensivel! Abraço, etiene.

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  9. Querido Luis, maravilhosas palavras. Vamos fazer como Platao: buscar a essencia das coisas para além do mundo sensivel! Abraço, etiene.

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  10. Boa Tarde Luis, parabéns por sua explanação. Há pouco tempo estive nos arredores da Bahia (extremo norte de Minas) e fiquei abismada com tamanha limitação cultural. Às 20h, aniversário da cidade (???), uma pracinha cheia de crianças e seus pais a aproveitarem a tal festa...a música alta era um axé de mais baixo escalão, que eu não ousaria repetir...Fiz uma pesquisa de opnião com conhecidos de várias idades, a resposta inicial é de que ninguém gostava, "MAS SE COLOCASSE QUALQUER OUTRO TIPO DE MÚSICA SERIA UM FIASCO..." Hã? Ao contrário do que ocorre nas grandes cidades, tratava-se de alimentar culturalmente UMA PRAÇA!! E sem perceber, a sexualidade muito precoce, discriminção de gênero e a violência, vão avançando sorrateiramente... Meive Furtado (meivefurtado@hotmail.com).

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