Os resultados dos trabalhos apresentados no congresso do American College of Cardiology servem principalmente para lembrar o principal paradigma da Medicina Baseada em Evidências: plausibilidade não é suficiente para garantir benefício e antes de propor novas condutas médicas precisamos demonstrar eficácia. Muitas vezes a evidência final não mostra exatamente o que esperamos, pois prever a reação de sistemas biológicos é impossível – são sistemas complexos, caóticos. Segundo, os resultados dos principais trabalhos mostram que oferecer mais tratamento nem sempre é a melhor escolha.
Em resumo os trabalhos apresentados na sessão principal do congresso mostram que (1) em diabéticos, reduzir a pressão arterial sistólica para menos que 120 mmHg não é melhor do que a meta de 140 mmHg (ACCORD); (2) em pacientes com fibrilação atrial persistente, controlar a freqüência cardíaca para menos que 80 bpm não é melhor do que a meta de 110 bpm (RACE II); (3) em diabéticos, utilizar fibrato não oferece benefício adicional, apenas estatina é suficiente (ACCORD); (4) em pré-diabéticos, o uso precoce de hipoglicemiante oral e valsartan não protege o paciente contra eventos cardiovasculares, nem reduz incidência de diabetes (NAVIGATOR); (5) após angioplastia com stent farmacológico, o uso de Clopidogrel por mais de 1 ano não oferece benefício adicional (DES-LATE); (6) neste mesmo tipo de paciente, associar um terceiro antiagregante plaquetário, Cilostazol, não traz benefício (CILON-T).
Interessante, os 6 trabalhos que havíamos selecionado como mais importantes foram negativos. Nenhum nos induz a utilizar mais tratamento. O problema é que alguns destes tratamentos já vinham sendo propostos, uns pela indústria (Cilostazol) e outros por guidelines respeitáveis (meta de pressão e freqüência cardíaca). É o caso do entusiasmo superando as evidências.
A Mentalidade do Médico Ativo mais uma vez se mostra inadequada. Muitas vezes os médicos se sentem bem ao tratar com mais drogas, pois isso gera uma sensação de estar protegendo mais os pacientes. Porém nem sempre isso é verdade.
Vejam a questão do primeiro trabalho, o ACCORD, que nega o benefício do tratamento agressivo da pressão arterial em diabéticos. Seu autor, Dr. Cushman, é também um dos autores do JNC, o guideline americano sobre o tratamento de HAS. Em uma discussão informal, neste congresso, ele admitiu ter sido voto vencido quando o JNC recomendou tratar mais agressivamente a pressão arterial de diabéticos. Em sua opinião, esta foi uma recomendação sem base científica, que implica em maior número de drogas, maiores dosagens e mais efeitos colaterais, tal como ficou demonstrado no estudo ACCORD. Vale salientar que este estudo foi financiado pelo NIH, portanto sem influência da indústria farmacêutica.
O mesmo raciocínio pode ser feito com o controle da freqüência cardíaca; vinha sendo recomendada uma meta de 80 bpm, sem evidências. No estudo apresentado hoje, o número de drogas, dosagens e efeitos colaterais também foram maiores no grupo de tratamento rigoroso da freqüência cardíaca.
Se por um lado, estes resultados podem ser vistos como negativos (ausência de benefício), por outro lado demonstram de que os esquemas terapêuticos baseados em evidências são efetivos, e melhorar o que já fazemos bem não é muito fácil. Filosoficamente, os dados apresentados podem ser interpretados como positivos no sentido de que não há necessidade em complicar mais o que já fazemos. Não precisa prescrever tanta droga. Já usamos AAS e Clopidogrel após angioplastia, não precisa usar Cilostazol também.
O que mais me surpreendeu foi a ausência de benefício em prolongar por mais de um ano o Clopidogrel. Este eu esperava que fosse positivo. A incidência de desfechos no segundo ano após angioplastia foi abaixo do esperado, portanto o estudo teve um poder estatístico abaixo do planejado inicialmente. Isso nos faz pensar que se o estudo tivesse o dobro de pacientes talvez mostrasse benefício. Por outro lado, se a incidência de eventos foi tão baixa, mesmo que haja benefício em prolongar o Clopidogrel, a redução de eventos será de pequena magnitude em termos absolutos. Além disso, os presentes dados não mostram nenhuma tendência.
Portanto, tudo converge para uma medicina baseada no princípio da economia. Ou seja, só prescrever o que for necessário. E necessário é o que reduz eventos de acordo com ensaios clínicos.
Todos estes estudos já estão publicados ahead of print no New England Journal of Medicine. Agora é hora de ler os artigos de forma integral. Com certeza veremos detalhes não perceptíveis nas apresentações do congresso.
Em resumo os trabalhos apresentados na sessão principal do congresso mostram que (1) em diabéticos, reduzir a pressão arterial sistólica para menos que 120 mmHg não é melhor do que a meta de 140 mmHg (ACCORD); (2) em pacientes com fibrilação atrial persistente, controlar a freqüência cardíaca para menos que 80 bpm não é melhor do que a meta de 110 bpm (RACE II); (3) em diabéticos, utilizar fibrato não oferece benefício adicional, apenas estatina é suficiente (ACCORD); (4) em pré-diabéticos, o uso precoce de hipoglicemiante oral e valsartan não protege o paciente contra eventos cardiovasculares, nem reduz incidência de diabetes (NAVIGATOR); (5) após angioplastia com stent farmacológico, o uso de Clopidogrel por mais de 1 ano não oferece benefício adicional (DES-LATE); (6) neste mesmo tipo de paciente, associar um terceiro antiagregante plaquetário, Cilostazol, não traz benefício (CILON-T).
Interessante, os 6 trabalhos que havíamos selecionado como mais importantes foram negativos. Nenhum nos induz a utilizar mais tratamento. O problema é que alguns destes tratamentos já vinham sendo propostos, uns pela indústria (Cilostazol) e outros por guidelines respeitáveis (meta de pressão e freqüência cardíaca). É o caso do entusiasmo superando as evidências.
A Mentalidade do Médico Ativo mais uma vez se mostra inadequada. Muitas vezes os médicos se sentem bem ao tratar com mais drogas, pois isso gera uma sensação de estar protegendo mais os pacientes. Porém nem sempre isso é verdade.
Vejam a questão do primeiro trabalho, o ACCORD, que nega o benefício do tratamento agressivo da pressão arterial em diabéticos. Seu autor, Dr. Cushman, é também um dos autores do JNC, o guideline americano sobre o tratamento de HAS. Em uma discussão informal, neste congresso, ele admitiu ter sido voto vencido quando o JNC recomendou tratar mais agressivamente a pressão arterial de diabéticos. Em sua opinião, esta foi uma recomendação sem base científica, que implica em maior número de drogas, maiores dosagens e mais efeitos colaterais, tal como ficou demonstrado no estudo ACCORD. Vale salientar que este estudo foi financiado pelo NIH, portanto sem influência da indústria farmacêutica.
O mesmo raciocínio pode ser feito com o controle da freqüência cardíaca; vinha sendo recomendada uma meta de 80 bpm, sem evidências. No estudo apresentado hoje, o número de drogas, dosagens e efeitos colaterais também foram maiores no grupo de tratamento rigoroso da freqüência cardíaca.
Se por um lado, estes resultados podem ser vistos como negativos (ausência de benefício), por outro lado demonstram de que os esquemas terapêuticos baseados em evidências são efetivos, e melhorar o que já fazemos bem não é muito fácil. Filosoficamente, os dados apresentados podem ser interpretados como positivos no sentido de que não há necessidade em complicar mais o que já fazemos. Não precisa prescrever tanta droga. Já usamos AAS e Clopidogrel após angioplastia, não precisa usar Cilostazol também.
O que mais me surpreendeu foi a ausência de benefício em prolongar por mais de um ano o Clopidogrel. Este eu esperava que fosse positivo. A incidência de desfechos no segundo ano após angioplastia foi abaixo do esperado, portanto o estudo teve um poder estatístico abaixo do planejado inicialmente. Isso nos faz pensar que se o estudo tivesse o dobro de pacientes talvez mostrasse benefício. Por outro lado, se a incidência de eventos foi tão baixa, mesmo que haja benefício em prolongar o Clopidogrel, a redução de eventos será de pequena magnitude em termos absolutos. Além disso, os presentes dados não mostram nenhuma tendência.
Portanto, tudo converge para uma medicina baseada no princípio da economia. Ou seja, só prescrever o que for necessário. E necessário é o que reduz eventos de acordo com ensaios clínicos.
Todos estes estudos já estão publicados ahead of print no New England Journal of Medicine. Agora é hora de ler os artigos de forma integral. Com certeza veremos detalhes não perceptíveis nas apresentações do congresso.
Muito bom. As evidências sólidas ajudam a moderar o entusiasmo. Tanto o entusiasmo não interessado quanto aquele com ânimo de lucro.
ResponderExcluirLuis,
ResponderExcluirFoi ótimo ter no Blog os resultados dos principais estudos do ACC e as reflexões que os acompanham.
Percebe-se também que quando os trabalhos se estendem para provar desfechos “hards”, o que antes parecia eficaz não encontra significância.
Muitos estudos começam com seus objetivos apoiados em desfechos substitutos e na evolução para trabalhos com objetivos de mortalidade e outros eventos cardiovasculares, os resultados nem sempre se confirmam.
Pode comentar sobre a confiabilidade destes desfechos substitutos, quando da interpretação dos seus resultados, e também da validação externa dos mesmos?
Luis
ResponderExcluirÓtima sua análise sobre os resultados deseses estudos discutidos no ACC, principalmente a metanalise sobre SCA e o ACCORD. Como muitos colegas ainda não tem acesso ao seu blog, vou sugerir alguns desses estudos para discussão da análise crítica da literatura no nosso congresso. Que você acha?