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Estes resultados são diferentes dos dois outros grandes ensaios clínicos voltados para esta questão: o FRISC e o RITA-3, ambos realizados no final da década de 90. O seguimento de 5 anos do FRISC não mostrou redução de mortalidade, mas mostrou redução de infarto. O seguimento de 5 anos do RITA-3 mostrou redução de morte cardiovascular e infarto. Análises de subgrupo demonstram que estes benefícios se limitam a pacientes de maior risco.
Mas qual onde está a verdade? No ICTUS ou nos FRISC/RITA-3.
Primeiro, estes estudos discordam basicamente nos pacientes de risco alto, pois o FRISC e o RITA-3 também não mostravam benefício nos subgrupos de menor risco. Nos pacientes de risco alto, todos estes estudos estão certos para suas épocas. A diferença é que o FRISC e o RITA-3 foram realizados em uma era quando o tratamento farmacológico era menos efetivo. Por exemplo, naquela época não se utilizava Clopidogrel, a terapia com estatina após síndromes coronarianas agudas não tinha benéfico comprovado, e os principais estudos comparando enoxaparina e heparina não fracionada ainda não haviam sido publicados quando do início da randomização.
Isso nos faz concluir que à luz do tratamento farmacológico atual (ICTUS), não há benefício da estratégia invasiva em relação à prevenção de infarto e óbito cardiovascular. Por outro lado, há um benefício da estratégia invasiva demonstrado pelo ICTUS, que é a redução na necessidade de rehospitalização por sintomas recorrentes, ou seja, mais uma vez qualidade de vida.
Vejam que interessante: é a mesma coisa demonstrada pelo estudo Courage em pacientes estáveis, o benefício é em qualidade de vida. O paradigma não é diferente em síndromes coronarianas agudas! Na verdade os dados a respeito de procedimentos de revascularização em geral são sempre mais consistentes quando o desfecho é controle de sintomas e menos consistentes quando os desfechos são infarto ou morte. O que reduz eventos cardiovasculares maiores é o tratamento farmacológico.
E é fácil de explicar o porque: a doença aterosclerótica representa um acometimento difusa nas artérias coronárias e não um problema focal. Quanto se faz angioplastia, o tratamento é limitado a uma placa aterosclerótica que foi dilatada, sobrando umas 200 placas menores que continuaram da mesma forma. Por outro lado, quando se administra uma droga todas estas 201 placas são tratadas.
E então, esta evidência quer dizer que não devemos realizar angioplastia em pacientes com SCA? Claro que não. Primeiro, nos pacientes que não estabilizam, este é o melhor caminho. Segundo, os pacientes se beneficiam do controle dos seus sintomas e isso previne reinternamentos. Na verdade, quando se opta por uma estratégia seletiva, isso não quer dizer contra-indicar cateterismo ou revascularização, pois de acordo com o protocolo, 54% dos pacientes acabam recebendo revascularização.
Por outro lado, a informação de que não há benefício em morte e infarto, nos permite contemporizar a realidade do paciente, podendo decidir pelo mais ou menos invasivo. Em pacientes de alto risco, a tendência é ser mais invasivo, porém podemos ser mais conservadores naqueles com maior risco de sangramento, pré-dialíticos, anatomia previamente conhecida e complexa, considerando também a opção do paciente. Sabendo que na maioria dos pacientes o real benefício se limita a qualidade de vida, ficamos mais livres para uma decisão individualizada.
Não basta saber se um tratamento é ou não benéfico. Precisamos ir além e avaliar sempre o tipo de benefício e a magnitude deste benefício. Assim fica mais fácil tomar decisões baseadas em evidências.
Assim como o post anterior sobre o assunto, excelente tópico ao chamar a atenção de como a MBE quebra "universalismos terapêuticos" ao demonstrar qual conduta tem melhores desfechos primários em cada grupo. O conhecimento médico muda, reberando na abordagem terapêutica.
ResponderExcluirEsse post vai ser de grande ajuda nas discussões de emergências clínicas...
É uma pena que apesar de todas evidencias os serviços continuam implantando stents em geral pela indicaçao do hemodinamicista sem a presença do clínico.
ResponderExcluirA era dos stents revestidos trouxe um problema eterno ao Clínico.
Nenhum Oftalmo/Dentista/C.Geral opera sem retirar o Clopidogrel, mesmo numa simples Cirurgia de Catarata.
Temos que mudar nosso posicionamento em relação as indicações e reforçar o tratamento clínico.
O que desmoraliza é quando esse paciente tratado Clìnicamente cai num serviço e já volta com a conduta.
Essa cruzada-MDE ainda vai longe.
Wálmore