domingo, 28 de fevereiro de 2010

Senado Americano versus Rosiglitazona








Na semana que passou, o assunto mais discutido no meio cardiológico foi o Relatório do senado americano sobre o caso da Rosiglitazona. Após dois anos de investigação, os senadores Max Baucus e Chuck Grassley concluíram que o Avandia (GlaxoSmithKline) deve ser retirado do mercado. Este hipoglicemiante oral, agonista do receptor PPAR, aumenta a sensibilidade à insulina em pacientes com diabetes tipo 2, tornando-se um blockbuster de vendas no mundo, a partir de sua comercialização em 1999. No entanto, em 2007 surgiram evidências de que a droga aumenta a incidência de infarto agudo do miocárdio. A investigação do senado mostrou que dois especialistas do FDA haviam recomendado que o Avandia fosse retirado do mercado, porém este posicionamento não deve ter agradado à Diretora deste órgão, Janet Woodcock, que ordenou a formação de outro comitê para avaliar a questão. O senado americano considera um conflito de interesse o fato do mesmo grupo que libera uma droga para comercialização, avalia se a mesma deve permanecer no mercado quando surgem novas evidências. Claro, os indivíduos que liberaram tendem a resistir a evidências indicando que sua decisão pode ter sido precipitada. No mesmo tom enfático, os senadores criticaram a postura da GlaxoSmithKline em tentar “intimidar médicos de opinião independente e minimizar o risco cardiovascular da Rosiglitazona”, e até mesmo consideraram antiético o ensaio clínico TIDE (em andamento), o qual randomiza pacientes diabéticos de alto risco cardiovascular para o uso da droga.

Para entender melhor tudo isso, precisamos revisar a história com base em evidênicas.

A polêmica começa em 2007 quanto o renomado cardiologista Steve Nissen, da Cleveland Clinic, publica no New England Journal of Medicine uma metaanálise de 42 ensaios clínicos randomizados, indicando que a Rosiglitazona aumenta o risco de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos (risco relativo = 1.43; 95% IC, 1.03 - 1.98; P = 0.03). Esta meta-análise é polêmica não só por sua conclusão, mas pelos fatos que envolveram sua publicação. Em um episódio escandaloso, Steven Haffner, um dos revisores do trabalho submetido ao NEJM, simplesmente entregou o estudo a representantes da GlaxoSmithKline. Estes marcaram uma reunião com Steve Nissen, que com receio de ser intimidado gravou o teor da conversa.

Mas voltando às evidências: algumas críticas foram feitas à meta-análise pelo Editorial e por Letters to the Editor. Por exemplo, falta de acesso aos dados de pacientes individuais, falta de uniformidade entre os estudos na definição de eventos, critérios de exclusão de alguns estudos da meta-análise e algumas escolhas de métodos estatísticos. Estas limitações são verdadeiras, porém a meu ver representam características inerentes a meta-análises, não problemas específicos deste estudo. Enquanto meta-análise, a evidência é de qualidade satisfatória. Mas como já comentamos em postagem passada, meta-análise representa um nível de evidência menos robusto do que um grande ensaio clínico randomizado.
Passados dois anos, foi publicado no Lancet, o ensaio clínico RECORD, que randomizou 4.447 pacientes para Rosiglitazone ou metformina/sulfonilureia. Este estudo não mostrou aumento na incidência do desfecho primário, definido como o combinado de morte cardiovascular ou hospitalização cardiovascular. O resultado é favorável à Rosiglitazona, porém devemos perceber que infarto do miocárdico foi a principal preocupação gerada pela meta-análise e este desfecho não foi definido como primário, nem o estudo tinha poder estatístico para mostrar aumento da incidência deste evento isoladamente. Na verdade, houve uma tendência a aumento de infarto e aumento estatisticamente significante de internamento por insuficiência cardíaca. Portanto, a ausência de evidência de efeito deletério no desfecho primário do estudo RECORD não representa evidência de ausência de efeito deletério. Ainda é uma questão em aberto.

Então como proceder?

De acordo com o famoso ensaio clínico UKPDS, da década de 90, drogas como Metformina ou Sulfonilureias não só têm efeito hipoglicemiante, como também reduzem eventos cardiovasculares (mais consistente com Metformina). Este é o tipo de evidência ideal para indicar a utilização de uma droga. Porém o FDA liberou a Rosiglitazona para comercialização tendo como base apenas benefício no desfecho substituto ação hipoglicemiante. Mesmo antes da polêmica meta-análise, por que prescrever uma droga nova que não sabemos o efeito clínico, em lugar de drogas que já sabemos que reduzem eventos clínicos?

Dados americanos mostram que médicos prescrevem Avandia como primeira escolha, associada a Metformina ou associada a Sulfonilureia. Errado ser primeira escolha e errado preferir glitazona/metformina ou glitazona/sulfonilureia, ao invés de metformina/sulfonilureia (estas últimas com benéficio clínico comprovado). O FDA liberou uma droga tendo como base um fraco nível de evidência e os médicos prescreveram uma droga sem eficácia clínica comprovada. A indicação já era fragilizada desde o início, então quando surge um indício de que pode ser deletéria, fica ainda mais questionável a prescrição de Avandia. É algo semelhante à associação de Ezetimibe e Sinvastatina (Vytorin). Não se justifica prescrever Vytorin ao invés de uma estatina potente. Vytorin não tem evidência clínica, enquanto a segunda tem benefício clínico comprovado.

Se o FDA não tivesse liberado a droga apenas com base em seu efeito hipoglicemiante, teria evitado um grande problema. Do ponto de vista clínico, o potencial malefício da droga ainda é uma questão indefinida, talvez o ensaio clínico TIDE traga uma resposta definitiva. Do ponto de vista político, deixo para cada um julgar se a droga deve ser suspensa do mercado.

Um comentário:

  1. Luis, excelente sua avaliação; imparcial, colocando os fatos atuais de forma clara e, como temos que constantemente ficarmos atentos à pressão da indústria farmacêutica. Cada vez mais é impressindível ao médico entender de estatística, mais especificamente medicina baseada em evidências, e fudamentalmente trata-se de um trabalho randomizado? se tem poder estatístico e qual o desfecho primário de cada trabalho!!!!! Lembrando a Sibutramina!!!! Uma abraço. Neudson Gomes

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