segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O Paradoxo da Obesidade



É de conhecimento geral que a obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular em indivíduos previamente saudáveis. Esse pensamento tem sido extrapolado para a população já portadora de doença cardiovascular, onde também se interpreta a obesidade como um fator prognóstico negativo. No entanto, as evidências epidemiológicas demonstram o contrário, ou seja, obesidade tem um fator protetor ou pelo menos neutro nas pessoas que já são portadoras de doenças cardiovasculares. Pelo fato deste fenômeno ser contrário ao que se considera plausível, chama-se isso de Paradoxo da Obesidade.

A primeira possível explicação do Paradoxo é a presença de variáveis de confusão provocando este resultado aparentemente espúrio. Porém, só de pensar um pouco percebemos ser mais provável que variáveis de confusão contribuam para um pior, e não melhor, prognóstico nos obesos, pois estes têm maior prevalência de diabetes, hipertensão, dislipidemia, hábitos de vida inadequados (sedentarismo, tabagismo, dieta pouco saudável) e até mesmo nível sócio-econômico inferior aos não-obesos. Mesmo assim, obesidade é um fator protetor. Porque?
Uma variável de confusão que pode contribuir com este fenômeno é a idade, pois os obesos desenvolvem doença cardiovascular mais precocemente que os não obesos. Ou seja, os primeiros são mais jovens na época do evento cardiovascular. Mas o Paradoxo permanece após ajuste estatístico para a variável idade.

Em janeiro deste ano foi publicado no European Heart Journal mais uma evidência a favor do Paradoxo da Obesidade. Durante nove anos, foram acompanhados 4.880 pacientes submetidos a angioplastia coronária, sendo evidenciado que pacientes com sobrepeso apresentaram menor mortalidade, quando comparados ao pacientes com peso normal. Após ajuste para variáveis de confusão (idade, fatores de risco, nível sócio-econômico, extensão da doença coronária), os indivíduos com sobrepeso permaneceram com risco de morte menor do que os pacientes com peso normal (Harzard Ratio = 0.59; 95% IC = 0.39 – 0.90). Já os obesos apresentaram o mesmo risco dos pacientes com peso normal. Este estudo avaliou apenas mortalidade geral, não descrevendo mortalidade cardiovascular. Porém estudos prévios também mostram este fenômeno com a variável mortalidade cardiovascular (Meta-análise - Lancet 2006).

Intrigante, não? Então, sobrepeso é bom?

Devemos sempre ter em mente que os sistemas biológicos são complexos e nem sempre a lógica de um pensamento reducionista prevalece. Podem existir fenômenos biológicos que justifiquem o Paradoxo, ou seja, a associação entre sobrepeso e prognóstico favorável pode ser causal. Por exemplo, os autores do trabalho chamam atenção de que o tecido adiposo produz receptor solúvel do TNF, que pode neutralizar os efeitos deletérios do TNF-alfa.

Na verdade, esta é uma área que futuros trabalhos ajudarão a entender melhor. Em ciência, é importante que a observação não seja enviesada com uma visão preconceituosa. Ou seja, temos que partir da premissa de que é possível que o Paradoxo represente uma relação de causalidade entre sobrepeso e bom prognóstico. Isso pode ou não ser verdadeiro.

Enquanto isso, devemos reconhecer que em pacientes com doença cardiovascular o efeito da obesidade pode ser algo diferente do que indica o senso comum. Se por um lado, não vamos recomendar que as pessoas com doença cardiovascular ganhem peso, por outro lado, devemos evitar o mantra dogmático da perda de peso nesta população. Podemos ser ponderados e razoáveis na interpretação das particularidades de nossos pacientes com sobrepeso.

5 comentários:

  1. Caro Luis Cláudio,
    Parabéns pelo excelente blog. Ainda sobre obesidade, acho interessante lembrar que existem trabalhos que sugerem um efeito protetor da obesidade sobre o risco de tuberculose. Estes também sugerem que um IMC reduzido aumenta o risco de tuberculose. Uma das explicações possíveis estaria na produção de citocinas como interferon. Mas o certo é que precisamos entender melhor os efeitos da obesidade.
    Abraço
    Francisco Sampaio

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  2. Primeiro, excelente post! A ilustração também foi muito bem escolhida!
    Com relação ao assunto tratado, lembro-me de ter visto uma aula do Dr Gilson Feitosa em que ele falava do paradoxo da obesidade, mas com ênfase na mortalidade por ICC. Ainda fiquei me questionando se não seriam os efeitos indesejados do excesso de peso que poderiam antagonizar as repercussões hemodinâmicas da ICC. (Acabou ficando só no questionamento e não fui procurar nada sobre o assunto...)
    Gostei da sugestão na abordagem! Individualização no tratamento favorece desfechos positivos. Focar mudança qualitativa no estilo de vida e avaliação perfil metabólico pode ser muito mais efetivo do que simplesmente perder peso sem critérios. O “pode” é porque devo buscar evidências científicas sobre essa hipótese...

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  3. Talvez estudos de seguimento de pacientes que realizaram cirurgias bariátricas, comparando novos eventos cardiovasculares entre portadores de doenças cardiovasculares prévia a cirurgia e aqueles anteriormente saudáveis, ajudassem a embasar esta questão !

    Rafael Freitas

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  4. Luiz,

    Excelente imagem ilustrativa, mas o que tiramos como lição é que ainda há muita coisa a se conhecer sobre a obesidade. Será aqui caberia dizer que "presença de evidência não é evidência de presença?"

    Ursula Burgos

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  5. Olá Luiz. a falta de confiabilidade no IMC intermediário (sobrepeso, por exemplo) pode contribuir para resultados conflitantes nessa área. IMC extremo (obesidade grau 2 e 3, por exemplo) possui um nível de confiabilidade maior para demonstrar realmente um excesso de gordura corporal. É necessário métodos mais confiáveis para avaliação da composição corporal nesse público classificado como sobrepeso pelo IMC

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