O Projeto Genoma gerou grande expectativa de evolução da nossa capacidade de prognosticar o surgimento e evolução de doenças. Esta expectativa tem sido frustrada por evidências contrárias ao determinismo genético. Acaba de ser publicado no
Journal of the American Medical Association o mais importante estudo que avalia o valor prognóstico da genética na predição de eventos cardiovasculares em indivíduos previamente saudáveis:
Association Between a Literature-Based Genetic Risk Score and Cardiovascular Events in Women, por Ridker et al. Este é um estudo de coorte prospectiva que acompanhou por 12 anos 19.000 mulheres originalmente saudáveis, registrando a incidência de eventos cardiovasculares (infarto, AVC, revascularização ou morte).
Considero este o mais importante trabalho, pois é o primeiro a avaliar conjuntamente todos os potencias polimorfismos previamente associados a eventos cardiovasculares (ou a fatores de risco para eventos cardiovasculares). Esta avaliação conjunta foi feita através de escores genéticos. Utilizando o banco de dados do
National Human Genome Research Institute, os autores criaram um escore que leva em consideração todos os 101 polimorfismos associados a eventos cardiovasculares ou fenótipos intermediários (fatores de risco). Um segundo escore foi gerado utilizando apenas os 12 polimorfismos associados a eventos cardiovasculares. Houve associação dos escores com eventos cardiovasculares, porém após ajuste para fatores de risco (fenótipos intermediários), a informação genética não permaneceu preditora independente. Da mesma forma, o escore não aumentou a capacidade discriminatória (estatística-C), nem promoveu reclassificação significativa quando comparada a escores clínicos de predição de risco.
A idéia do determinismo genético levava crer que o acesso a informações de gens teria grande valor preditor de eventos clínicos. No entanto, percebe-se hoje que a avaliação de fenótipos intermediários (colesterol, pressão arterial, glicemia, etc) reflete a integração da genética com fatores ambientais, resultando em maior capacidade preditora do que a avaliação genética isolada. Outro dado interessante é o fato da história familiar ter melhor poder preditor do que a análise genética, indicando que a primeira reflete não só similaridades genéticas entre familiares, mas também comportamentais e ambientais.
A tecnologia avança e novos biomarcadores surgem com potencial prognóstico. Mas não basta o potencial da plausibilidade biológica, a palavra final está nas evidência científicas. Do ponto de vista prognóstico, as evidências definitivas vêm de estudos de coorte prospectiva, onde o novo biomarcador é testado não só do ponto de vista de significância estatística, mas também é avaliada a questão da relevância clínica (valor incremental – discriminação e reclassificação). Este tipo de evidência indica que não há utilidade clínica em utilizar genética para predição de um primeiro evento cardiovascular.
Este é mais um exemplo de que o modelo científico determinístico não explica todos os fenômenos biológicos. Estes são mais complexos do que o pensamento cartesiano é capaz de perceber. A evolução científica depende da mudança do pensamento para um modelo não determinístico.
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