terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Dieta Hipossódica – Mito ou Evidência?


Recentemente comentamos sobre o artigo do New England Journal of Medicine, que estima o benefício populacional da dieta hipossódica. Exatamente, é uma estimativa, pois não há dados concretos sobre redução de eventos cardiovasculares obtidos com a dieta hipossódica. Exceto em insuficiência cardíaca, não há ensaios clínicos randomizados que avaliam o benefício clínico da dieta hipossódica, comparando com a dieta usual. Só existem ensaios clínicos randomizados que avaliam o efeito hipotensor da dieta hipossódica. Ou seja, o que sabemos é que esta dieta reduz a pressão arterial, uma variável fisiológica. Se este efeito fisiológico leva a um benefício clínico, é outra história.
Variáveis fisiológicas ou laboratoriais são chamadas de desfechos substitutos. Supõe-se que o efeito em um desfecho substituto venha a provocar um benefício clínico, mas isso não é garantido. Por exemplo: há drogas que reduzem arritmia, mas aumentam morte súbita (Flecainide); há drogas que aumentam fração de ejeção do ventrículo esquerdo, mas aumentam mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca (Vesnarinone); há drogas que aumentam o HDL-colesterol, mas aumentam mortalidade (Torcetrapib); há drogas que controlam hipertensão, mas aumentam eventos cardiovasculares (Doxasozin); há drogas que reduzem peso, mas aumentam eventos cardiovasculares (Sibutramina). Etc.

Acredita-se que reduzindo a pressão arterial com a dieta, haja redução de eventos cardiovasculares. A estimativa feita pelo artigo do NEJM é baseada no benefício clínico do efeito hipotensor de certas drogas. Por isso é uma extrapolação do que acontece com as drogas. Esta ausência de certeza foi tema de um comentário publicado no Journal of American Medical Association nesta semana. Que avalie o efeito clínico da dieta hipossódica, só há estudos observacionais. E sabemos que os estudos observacionais são sujeitos às variáveis de confusão: foram os estudos observacionais que indicaram benefício cardiovascular da terapia de reposição hormonal, dado derrubado pelos ensaios clínicos, que mostraram justamente o contrário. Estudos observacionais mostraram benefício cardiovascular da Vitamina E, dado também anulado pelos ensaios clínicos. O mesmo pode ocorrer com a dieta hipossódica, pois as pessoas que comem menos sal provavelmente têm outros hábitos favoráveis à saúde. Estes hábitos são variáveis de confusão.

Mesmo assim, os dados dos estudos observacionais de dieta hipossódica são controversos: há 6 estudos sugerindo benefício, 5 estudos sugerindo efeito neutro e 4 estudos que mostram malefício desta dieta. Alguns inclusive sugerem o padrão de curva J, onde doses baixas são benéficas, mas doses muito baixas de sal são maléficas.

Desta forma, precisamos reconhecer a limitação desta evidência e ponderar nossas decisões no consultório e nossas recomendações de saúde pública. Devemos pedir para os pacientes não exagerarem no sal, mas não temos evidência para exagerar nesta recomendação.
Inclusive minha sugestão no post anterior a respeito da necessidade de medidas efetivas de saúde pública pode ter sido exagerada e não embasada em evidência. Melhor do que propor medidas de saúde pública imediatas, devemos propor a realização de ensaios clínicos randomizados para resolver esta questão.

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