sexta-feira, 2 de abril de 2010

Eficácia não é o mesmo que Efetividade

Os ensaios clínicos randomizados, placebo-controlados, representam o modelo mais adequado para demonstração da eficácia de uma droga. Neste ambiente controlado contra fatores de confusão e vieses dos mais diversos, uma conduta médica tem seu benefício comprovado, ou seja, eficácia estabelecida. Não há melhor desenho de estudo para avaliar eficácia.

Por outro lado, devemos estar conscientes de que eficácia é diferente de efetividade. Efetividade é o benefício de uma conduta médica no mundo real. Este conceito parte da premissa de que nem tudo que é eficaz, consegue ser efetivo. O melhor time de basquete do mundo, o dream team, perdeu para a Argentina na semifinal das olimpíadas de 2004, ficando apenas com a medalha de bronze. Por quê? Porque nas olimpíadas as circunstâncias dos jogos são diferentes do mundo da NBA. Ou seja, o Dream Team é eficaz, mas não foi efetivo nas olimpíadas.

Stephen Covey, um dos mais renomados acadêmicos sobre efetividade administrativa, tem um conceito interessante sobre eficácia e efetividade aplicado à vida pessoal. Uma pessoa pode ser eficaz em alguma atividade: um empresário conseguir sucesso financeiro; um cientista conseguir publicar um artigo em revista de impacto; um esportista ganhar uma competição. Porém a verdadeira efetividade na vida é conseguir contemplar de forma equilibrada todos os setores de valor: físico, material, emocional, espiritual, social. É o equilíbrio disso tudo que nos trará felicidade, ou seja, efetividade.

Voltando à medicina, o mesmo pode ocorrer com condutas terapêuticas. Uma droga farmacologicamente competente nem sempre consegue reproduzir seus benefícios na prática. Não por culpa da droga, mas devido às circunstâncias práticas que distanciam os ensaios clínicos do mundo real. O primeiro motivo é a ausência da prática da medicina baseada em evidências. Muitas vezes a informação existe, mas os médicos não a incorporam por ignorância ou porque as evidências vão de encontro com suas crenças. Outra possibilidade é a aplicação incorreta das evidências. Em 1999 foi publicado o ensaio clínico RALES, que demonstrou redução de mortalidade com espironolactona em pacientes com insuficiência cardíaca. Em 2004, foi publicado no NEJM um estudo observacional, mostrando vertiginoso aumento da utilização desta droga, porém acompanhado de vertiginoso aumento dos internamentos por hipercalemia. Os médicos estavam prescrevendo a droga para pacientes que não haviam sido testados no ensaio clínicos, incluindo aqueles com disfunção renal.

Há 5 anos, foi publicado no JAMA um estudo mostrando que até 30% dos pacientes com síndromes coronarianas agudas recebem a dose incorreta de heparina. Este erro na prescrição provoca um resultado não efetivo (aumento de mortalidade por sangramento) de uma terapia eficaz. Outras vezes a limitação é na logística da assistência médica.

Angioplastia primária é uma terapia mais eficaz do que trombólise no infarto. No entanto, quando o atraso para o início da angioplastia é maior que 90 minutos, este tratamento eficaz perde sua efetividade. Outras vezes, é o paciente responsável pela falta de eficácia, quando este adere de forma insatisfatória à terapia.

Como resolver esta questão? Primeiro realizando estudos de eficácia, Outcome Research. Estes são estudos observacionais, cujo objetivo não é testar a hipótese de eficácia, e sim verificar como as coisas estão sendo aplicadas na prática clínica. Estes tipos de estudo detectam problemas, e servem de base para estratégias que devem ser testadas para uma melhor aplicação da evidência científica.

Portanto, a medicina baseada em evidência não estuda apenas eficácia. Avalia também o mundo real, testando até que ponto o que é eficaz consegue ser também efetivo. Devemos ficar atentos para estes tipos de estudos observacionais, pois a implementação das condutas nem sempre é fácil e requer conhecimento dos potenciais obstáculos que devemos superar.

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