Para entender melhor tudo isso, precisamos revisar a história com base em evidênicas.
A polêmica começa em 2007 quanto o renomado cardiologista Steve Nissen, da Cleveland Clinic, publica no New England Journal of Medicine uma metaanálise de 42 ensaios clínicos randomizados, indicando que a Rosiglitazona aumenta o risco de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos (risco relativo = 1.43; 95% IC, 1.03 - 1.98; P = 0.03). Esta meta-análise é polêmica não só por sua conclusão, mas pelos fatos que envolveram sua publicação. Em um episódio escandaloso, Steven Haffner, um dos revisores do trabalho submetido ao NEJM, simplesmente entregou o estudo a representantes da GlaxoSmithKline. Estes marcaram uma reunião com Steve Nissen, que com receio de ser intimidado gravou o teor da conversa.
Mas voltando às evidências: algumas críticas foram feitas à meta-análise pelo Editorial e por Letters to the Editor. Por exemplo, falta de acesso aos dados de pacientes individuais, falta de uniformidade entre os estudos na definição de eventos, critérios de exclusão de alguns estudos da meta-análise e algumas escolhas de métodos estatísticos. Estas limitações são verdadeiras, porém a meu ver representam características inerentes a meta-análises, não problemas específicos deste estudo. Enquanto meta-análise, a evidência é de qualidade satisfatória. Mas como já comentamos em postagem passada, meta-análise representa um nível de evidência menos robusto do que um grande ensaio clínico randomizado.
Então como proceder?
De acordo com o famoso ensaio clínico UKPDS, da década de 90, drogas como Metformina ou Sulfonilureias não só têm efeito hipoglicemiante, como também reduzem eventos cardiovasculares (mais consistente com Metformina). Este é o tipo de evidência ideal para indicar a utilização de uma droga. Porém o FDA liberou a Rosiglitazona para comercialização tendo como base apenas benefício no desfecho substituto ação hipoglicemiante. Mesmo antes da polêmica meta-análise, por que prescrever uma droga nova que não sabemos o efeito clínico, em lugar de drogas que já sabemos que reduzem eventos clínicos?
Dados americanos mostram que médicos prescrevem Avandia como primeira escolha, associada a Metformina ou associada a Sulfonilureia. Errado ser primeira escolha e errado preferir glitazona/metformina ou glitazona/sulfonilureia, ao invés de metformina/sulfonilureia (estas últimas com benéficio clínico comprovado). O FDA liberou uma droga tendo como base um fraco nível de evidência e os médicos prescreveram uma droga sem eficácia clínica comprovada. A indicação já era fragilizada desde o início, então quando surge um indício de que pode ser deletéria, fica ainda mais questionável a prescrição de Avandia. É algo semelhante à associação de Ezetimibe e Sinvastatina (Vytorin). Não se justifica prescrever Vytorin ao invés de uma estatina potente. Vytorin não tem evidência clínica, enquanto a segunda tem benefício clínico comprovado.
Se o FDA não tivesse liberado a droga apenas com base em seu efeito hipoglicemiante, teria evitado um grande problema. Do ponto de vista clínico, o potencial malefício da droga ainda é uma questão indefinida, talvez o ensaio clínico TIDE traga uma resposta definitiva. Do ponto de vista político, deixo para cada um julgar se a droga deve ser suspensa do mercado.