sábado, 7 de agosto de 2010

Ensaio sobre o Efeito Placebo

Virou moda uma tal de pulseira EFX. Muitas pessoas conhecidas estão usando. Semana passada vi Júnior, ex-jogador da seleção e comentarista da TV Globo, usando uma dessas pulseiras na transmissão do jogo do Vitória e Santos. Aquela imagem me causou um questionamento: será que essas pessoas acreditam nessa estória? Dentro da pulseira tem um chip (testado pela NASA) que dá equilíbrio físico e emocional ao usuário. Andei perguntando às pessoas que usam e todos dizem que experimentaram uma mudança significativa depois deste investimento de R$ 150,00. Tenho duas hipóteses para explicar o fenômeno: ou a pessoa não quer admitir que foi enganada, ou essa é uma evidência a favor do efeito placebo. Nego-me a aceitar uma terceira hipótese de um efeito real da pulseira, pois isso carece de plausibilidade. Só poderia aceitar, se fosse demonstrado cientificamente: um estudo randomizado e cego, para pulseira sem chip versus com chip.

Em medicina, temos várias demonstrações do efeito placebo. Vejamos alguns exemplos.

Ultimamente tenho me surpreendido com a quantidade de pacientes idosos que relatam ter melhorado da dor em joelho após uso de Glucosamina.. Alguns mandam até buscar no exterior. Como os pacientes me perguntam se há efeito cardiovascular adverso, resolvi ler sobre o assunto e me surpreendi com um grande ensaio clínico randomizado (GAIT Trial), metodologicamente bem desenhado, publicado no New England Journal of Medicine, demonstrando que Glucosamina tem o mesmo efeito do placebo no controle da dor em joelho. Ou seja, não há eficácia relacionada ao princípio ativo da substância.

Outro clássico exemplo: acupuntura para dor lombar. O último número do New England Journal of Medicine traz uma discussão sobre esse tratamento e cita ensaios clínicos randomizados que mostram ser o efeito analgésico da acupuntura na dor lombar semelhante ao efeito do sham (simulação) de acupuntura. O principal estudo foi publicado no Archives of Internal Medicine e randomizou 638 pacientes para três grupos: acupuntura, simulação de acupuntura e ausência de intervenção. Os pacientes que não fizeram nada não experimentaram melhora da dor. Já os pacientes de acupuntura obtiveram melhora de seu sintoma, porém a melhora foi experimentada de igual maneira pelos pacientes que foram submetidos apenas à simulação.

Ou seja, pelo menos em relação à dor lombar, acupuntura não tem eficácia além do placebo. Não sei quanto às outras indicações, pode ser até que para outra coisa este tratamento seja eficaz. Existe até alguma plausibilidade biológica, visto que teoricamente o tratamento pode estimular terminações nervosas. Mas eu nunca pesquisei a respeito de outras situações clínicas. Aos amigos acupunturistas, comentem sobre as evidências sobre as outras indicações.

Já a homeopatia, essa carece de qualquer plausibilidade biológica (vide postagem prévia) e está bem demonstrado que não há benefício. Não é falta de evidências, é evidência de que não é benéfico. Como já comentado anteriormente, o parlamento inglês realizou uma excelente revisão sistemática sobre o assunto, concluindo que o sistema de saúde público não mais deveria pagar nenhum tipo de tratamento homeopático.

Já mencionamos também que antidepressivo em paciente com depressão leve não traz benefício além do placebo, isso comprovado por uma revisão sistemática que também foi tema de postagem prévia.

Ao passo em que estas evidências falam contra eficácia de certas condutas médicas, estas são também evidências de que existe de fato um efeito placebo. Verifiquem que estes exemplos sempre correspondem à esfera de tratamento da dor ou humor. Estas são as situações mais susceptíveis ao efeito placebo. Em situações relacionadas a desfechos clínicos maiores, do tipo morte cardiovascular, é pouco provável o efeito placebo.

A questão que merece reflexão é a indicação de tratamentos com base apenas no efeito placebo. Muitos argumentam que o importante é o que o paciente melhore, independente se o efeito é placebo ou não. Essa é uma discussão sociológica. Imaginem uma sociedade que aceite uma série de condutas sem eficácia comprovada. Iria virar algo meio anárquico, não acham? Voltaríamos ao tempo do curandeirismo? Correríamos o risco de perder o norte científico para definição de condutas médicas. Seria uma regressão, uma involução que geraria desaparecimento do paradigma da medicina baseada em evidências científicas. Cada um faria o que deseja sob o argumento do efeito placebo. Por isso, acho este raciocínio um tanto perigoso. Mas isso é uma questão de debate.

Além disso, o efeito placebo requer que o paciente acredite que a terapia seja cientificamente eficaz. Portanto há uma questão ética em usar uma terapia sob a premissa de eficácia, sabendo-se que no fundo o efeito é apenas placebo. Além do mais, algumas destas terapias tem custo elevado. Seja custo financeiro, seja custo relacionado a efeitos adversos. Antidepressivos quando aplicados a pacientes com depressão leve têm apenas efeito benéfico proveniente do placebo, porém tem efeitos farmacológicos adversos conhecidos de todos nós.

Portanto, sob o paradigma da medicina baseada em evidências, o efeito placebo não deve justificar uma conduta terapêutica. A não ser quando falamos de medidas de estilo de vida. Recomendar uma boa sessão de cinema a um paciente com câncer vai lhe tornar mais seguro e gerar um bem estar, que pode ter benefícios clínicos. Ou recomendar atividade física, uma sessão de Yoga, relaxamento, tudo isso sem a máscara da premissa de eficácia clínica, porém com um benefício psicológico verdadeiro.

Quanto à pulseira EFX, a indicação depende do gosto. Se a pessoa considerar elegante, deve usar. O problema é que, como diz um amigo meu, essa pulseira é gin (cafona). Até nisso, o uso é duvidoso.

11 comentários:

  1. Excelente noticia o retorno do blog. O post, como os anteriores, muito equilibrado e esclarecedor.
    Espero que iniba alguns colegas de prescrever" a 'pulseirinha'.

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  2. Mesmo antes de ler o comentário de Barral já senti o que todo mundo...que bom que voltou! Não perguntei nada pessoalmente para não botar pressão, mas já estava sentindo a falta destas tiradas impagáveis, mas sempre baseadas em evidências - agora até lança enquetes...meu voto é de que esta é uma evidencia a favor do efeito placebo; e nem pense em fazer o tal estudo cego, quero minha pulseira com chip!

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  3. Que bom que voltou!
    Tenho a certeza que todos estavem sentindo falta de seus comentários.
    Márcia Noya

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  4. Excelente Luis.
    Em pouco tempo, teremos alguns exemplares que brilham no escuro. Ou que tocam MP3.

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  5. A acupuntura já resolveu meus piores torcicolos e já tratou pelo menos um dos comentaristas acima com razoável sucesso (mais de uma vez!). Parece se aproveitar da origem embriológica comum entre pele e sistema nervoso com a promoção da liberação de adenosina e outros neurotransmissores no SNC quando a estimulação de um (via curto-circuito) ativa o mapa cerebral do setor doente. Contrapontisticamente, tem sido usada em veterinária (cavalos de corrida, principalmente).
    Que não confundamos a ausencia de evidência com a evidência de ausência.

    Na minha prática clínica, anedoticamente, uso com frequência para descongestionar o nariz das gestantes e para tratar náuseas e vômitos na sala de recuperação sem ter que recorrer ao hediondo plasil ou ao caro ondansetron!
    A pulseirinha por sua vez está no pulso de Kelly Slater (eneacampeão mundial de surf, atualmente com 40 anos!).
    Bem...
    Vamos testar numas velhinhas e ver se elas continuam caindo no banheiro!
    Rsrsrsrs

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  6. Manellis,

    valeu por nos ensinar um pouco sobre acupuntura. Valeu a pena a provocação, pois assim temos a oportunidade de disfrutar de seus inteligentes comentários em nosso Blog.

    Um abraço,

    Luis.

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  7. Luis,
    Adorei! Também já tinha visitado várias vezes o blog procurando novos comentários, mas confesso que não esperava rir tanto neste momento. Também tenho experiências muito positivas com a acupuntura no tratamento das minhas queixas respiratórias.
    Abraços
    Cristiane

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  8. Luis,

    A pulseira q ganhei para melhorar minha dor crônica, não funcionou e é
    brega. Os pacientes e amigos me dão tudo q acham para melhorar a dor, tenho tb travesseiros da NASA.
    Quanto a homeopatia vi uma série excepcional da BBC que coloca um pá da cal no assunto.
    A acuputura precisa ser melhor estudada, o mano Manelis tratou uma paciente minha om calculo renal q não respondia a nada, após 30 min eleiminou o calculo e almoçou. é claro q relato apenas esse caso e o único que não consegui resolver com meu Kit cólica renal
    Antonio Raimundo

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  9. Abri o Google para pesquisar sobre esta pulseirinha e eis que me deparo com este blog... Escrito por Dr. Luis Cláudio, meu ex-tutor nas sessões de discussão de casos clínicos, na FTC (já estou a me formar, médico, no fim do ano).
    Este adereço provocou uma discussão em um jantar familiar, com um tio engenheiro (eles também não seguiriam o método científico, até mais do que nós, médicos?) na qual questionei sua eficácia. E meu argumento foi EXATAMENTE o mesmo aqui exposto... Ainda espero por um estudo cego, randomizado, para acreditar neste chip... Até lá, adoto o termo aqui aprendido... Muito "gin", isso sim...
    Um abraço, professor! Parabéns pelo blog!

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  10. Acho que vão começar a fazer as tais pulseiras com um diâmetro maior para serem colocadas em redor da cabeça, asim ao estilo desportista... Isso é que vai ser vender pulseirinhas...Creio que uma das indicações serão os políticos...

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  11. A PULSEIRA QUE COMPREI É DIFERENTE DA FOTO ACIMA. ADQUIRI A POWER BALANCE NO PRIMEIRO DIA COLOQUEI NO PULSO ESQUERDO E ME DEU UMA SENSAÇÃO ESTRANHA E COM DOR NO PULSO DEPOIS DE 2 HORAS COLOQUEI NO OUTRO PULSO E ACONTECEU A MESMA COISA. AI TIREI. O QUE SERÁ?
    UM ABRAÇO

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