Foi publicado no último número do Journal of the American College of Cardiology o resultado do desempenho prognóstico do escore de cálcio coronário no estudo alemão The Heinz Nixdorf Recall, uma coorte de 4.129 indivíduos originalmente saudáveis. Sabe-se que calcificação coronária é um marcador de aterosclerose, o que pode estar associado a eventos cardiovasculares futuros. Este estudo demonstra que a informação sobre calcificação coronária obtida pelos modernos aparelhos de tomografia em indivíduos de risco intermediário (Escore de Framingham) incrementa de forma significativa a predição de eventos cardiovasculares em seguimento de 5 anos. Este incremento é demonstrado por um aumento da estatística-C do Escore de Framingham de 0.68 para 0.75, após obtida a informação do escore de cálcio (considera-se como significante um incremento de pelo menos 0.05). O escore de cálcio é o único biomarcador capaz de incrementar nesta magnitude a predição do Escore de Framingham. Outros como proteína C-reativa ou espessura médio intimal de carótidas não chegam nem perto disso. Além da análise de valor incremental, este trabalho traz a informação de reclassificação, indicando que 22% dos indivíduos são reclassificados corretamente em relação ao seu risco cardiovascular (baixo, intermediário ou alto) se o escore de cálcio for aplicado nos pacientes de risco intermediário. Desta forma, os autores concluem que “limiting CAC scoring to intermediate-risk subjects can contribute to reducing the number of coronary events in the general population.” Do ponto de vista prognóstico, as informações do artigo podem ser consideradas verdadeiras, pois não parece haver vieses ou erros aleatórios que justifiquem os achados. Por outro lado, devemos sempre ter em mente que predizer eventos nem sempre significa que prevenir eventos. Isso nos faz questionar se a conclusão de que utilizar escore de cálcio nestes indivíduos (que representam em torno de 30% da população geral, muita gente) realmente reduz risco cardiovascular. Vamos lá, o pensamento é principalmente clínico.
A fim de reduzir o risco de eventos cardiovasculares, o processo de reclassificação deve ser capaz de selecionar indivíduos para estratégias preventivas que reduzam risco cardiovascular. De acordo com a tabela de resultados apresentada no artigo, a grande maioria da reclassificação (77%) obtida em indivíduos de risco intermediário (10 – 20% de risco) foi direcionada para a categoria de baixo risco (< 10% de risco). Obviamente, este tipo de reclassificação não induz médicos a incrementar abordagens preventivas. Além disso, não há nenhuma evidência científica de que é seguro reduzir a intensidade de estratégias preventivas baseado em baixo escore de cálcio. Assim, 77% da reclassificação obtida pelo escore de cálcio não tem nenhum impacto no manejo clínico e, conseqüentemente, não irá modificar o risco cardiovascular individual. Sem falar que provavelmente há um pequeno aumento do risco de câncer, relacionado à radiação ionizante.
Em segundo lugar, vamos analisar o caso da reclassificação de indivíduos de risco intermediário para categoria de alto risco, o que ocorreu nos 23% restantes dos indivíduos reclassificados. Como esta informação mudaria a conduta preventiva? Começando pelo uso de estatina, no cenário de prevenção primária, o início da terapia com estatina é igualmente indicado em pacientes de risco intermediário ou alto. Embora o estudo JUPITER tenha algumas limitações comentadas previamente neste Blog, este ensaio clínico estudou predominantemente pacientes de risco intermediário e evidenciou benefício do uso de estatina mesmo com LDL-colesterol em torno de 100 mg/dl. Por isso, a grande maioria destes pacientes de risco intermediário já estaria em uso de estatina, em dose semelhante a pacientes de alto risco, independente da realização do escore de cálcio, sendo improvável que esta avaliação modifique a terapia com estatina em um vasto número de indivíduos.
Em relação ao tratamento da hipertensão arterial, a indicação para iniciar a terapia e a pressão arterial alvo não devem diferir entre indivíduos de risco intermediário ou alto. Finalmente, a aspirina deve ser utilizada em indivíduos reclassificados para alto risco? A magnitude de redução absoluta de risco de aspirina em indivíduos assintomáticos é pequena e a relação risco / benefício não justifica a sua prescrição na maioria dos indivíduos. Recentemente, o efeito benéfico em longo prazo da aspirina em pacientes diabéticos tem sido questionado pelos resultados de ensaios clínicos, sugerindo que a aspirina só se justifica nos indivíduos de risco muito elevado, o que ocorre mais comumente em prevenção secundária. Mais importante ainda, a aspirina não provou ser benéfica em um ensaio clínico de pacientes assintomáticos com aterosclerose subclínica avaliada pelo índice tornozelo-braquial. Portanto, é altamente questionável se aspirina deve ser iniciada nestes indivíduos reclassificados para alto risco pelo escore de cálcio. Finalmente, medidas de estilo de vida, tais como a cessação do tabagismo, controle de peso e exercício, são universalmente recomendadas, independentemente do perfil de risco individual.
Em relação ao tratamento da hipertensão arterial, a indicação para iniciar a terapia e a pressão arterial alvo não devem diferir entre indivíduos de risco intermediário ou alto. Finalmente, a aspirina deve ser utilizada em indivíduos reclassificados para alto risco? A magnitude de redução absoluta de risco de aspirina em indivíduos assintomáticos é pequena e a relação risco / benefício não justifica a sua prescrição na maioria dos indivíduos. Recentemente, o efeito benéfico em longo prazo da aspirina em pacientes diabéticos tem sido questionado pelos resultados de ensaios clínicos, sugerindo que a aspirina só se justifica nos indivíduos de risco muito elevado, o que ocorre mais comumente em prevenção secundária. Mais importante ainda, a aspirina não provou ser benéfica em um ensaio clínico de pacientes assintomáticos com aterosclerose subclínica avaliada pelo índice tornozelo-braquial. Portanto, é altamente questionável se aspirina deve ser iniciada nestes indivíduos reclassificados para alto risco pelo escore de cálcio. Finalmente, medidas de estilo de vida, tais como a cessação do tabagismo, controle de peso e exercício, são universalmente recomendadas, independentemente do perfil de risco individual.
Tudo isso indica que a necessidade de reclassificar indivíduos de risco intermediário provavelmente é um falso paradigma. Antes da implementação de uma estratégia como esta, sua eficácia deve ser testada por ensaios clínicos, comparando a incidência de eventos cardiovasculares entre pacientes randomizados para realizar escore de cálcio ou não realizar o exame. Este é o tipo de evidência definitiva para validação de novos e complexos biomarcadores.
A utilidade do escore de cálcio é muito mais provável em um subgrupo específico e menor de pacientes, subclassificados como de baixo risco, mas que na realidade são de risco elevado. Estes representam indivíduos não idosos, tabagistas ou com história familiar, cujo Escore de Framingham pode subestimar o risco cardiovascular, visto que estes fatores têm expressão fenotípica bem variável e os escores não os representam bem. Claro que esta proposta implica em um número muito menor de pacientes realizando o exame, e conseqüentemente é muito menos lucrativa. Mas do ponto de visto do paciente (mudança de desfecho clínico), esta é a proposta que deveria ser prioritariamente testada em futuros ensaios clínicos.
O que nunca devemos esquecer é que embora financeiramente lucrativo, predizer eventos nem sempre significa que prevenir eventos.