Há algumas semanas o Conselho Federal de Medicina fechou um acordo com a Indústria Farmacêutica, aparentemente normatizando a relação com os médicos. Uma análise um pouco mais cuidadosa deste acordo, nos permite concluir que este se constitui em uma ratificação da questionável relação médicos-indústria.
Reproduzo aqui textos que o colega Guilherme Brauner publicou em seu Blog Medicina Hospitalar.
Médico Não é Garoto Propaganda
Por Cid Velloso | ||
O novo Código de Ética Médica, em vigor desde abril de 2010, foi unanimemente saudado como um documento atual, abordando temas polêmicos com coragem e lucidez.
Foi, portanto, com tristeza e decepção que a sociedade brasileira tomou conhecimento de uma emenda a um ponto importante do código, sobre a relação dos médicos com os laboratórios farmacêuticos. No artigo 69 do código de 2010, foi vedado ao médico ``obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses e próteses ou implantes, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional``. A intenção era coibir essa relação indigna que denigre a categoria médica. Na emenda divulgada na semana passada, o Conselho Federal de Medicina corrigiu a norma, sob a alegação lamentável de que não conseguiu conter a pressão dos laboratórios e de determinado segmento de médicos. Agora, permanece a velha relação indigna entre médicos e laboratórios, tornando alguns profissionais -felizmente a minoria- garotos-propaganda comerciais. Sou radicalmente contra essa prática, pelos seguintes motivos: 1) Os médicos são profissionais que têm, em geral, uma remuneração digna e suficiente para manter uma vida de boa qualidade. Não precisam desses subterfúgios de ética duvidosa e às vezes ilegais: viajar às custas de laboratórios, sonegar imposto de renda em conluio constrangedor com os pacientes (``com recibo ou sem recibo?``), cobrar ``por fora`` em convênios de planos de saúde, receber percentual para colocar próteses indicadas especificamente, entre outros. Tais práticas maculam a categoria. 2) Afirmar, como foi feito na argumentação para a referida emenda, que os médicos não direcionam suas prescrições em função da prática de receber viagens gratuitas é de uma ingenuidade e de uma desfaçatez inaceitáveis. Além de pesquisas já feitas em outros países que demonstram que ocorre efetivamente esse receituário dirigido, é uma dedução óbvia: os laboratórios visam, com essa prática, a fidelidade comercial. 3) O dado mais importante é que, no final das contas, quem vai pagar as viagens dos médicos são os pacientes, em situação de sofrimento físico e psíquico, muitas vezes incapacitados e frequentemente hipossuficientes. É uma crueldade inominável, pois o custo das viagens obviamente será repassado para o preço dos medicamentos. É aceitável que sejam financiadas viagens relacionadas a pesquisas dos laboratórios feitas por médicos, necessárias à própria pesquisa ou destinadas a relatar em eventos médicos os resultados obtidos. É importante, entretanto, fazer ainda as ressalvas nesses casos, destinadas a evitar a simples propaganda de um produto comercial específico. O Conselho Federal de Medicina deveria rever a emenda anunciada agora, retornando ao texto original do código de 2010. Se houver polêmica, sugiro realizar uma pesquisa de opinião entre os médicos brasileiros, que certamente irão apontar para a decisão de manter a categoria fora do conflito de interesses e reafirmar a dignidade profissional. ________________________________________ * CID VELLOSO, 75, é médico. Foi reitor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidente da Associação Médica de Minas Gerais. Fonte: Folha de S.Paulo
Mais
sobre o acordo do CFM com a Indústria Farmacêutica
Acordo opõe médicos (Folha de SP)
Um acordo que permite aos médicos viajar e receber brindes da indústria
farmacêutica provocou um racha entre o CFM (Conselho Federal de Medicina) e o
conselho médico paulista, o Cremesp.
Em 2010, o CFM havia anunciado que proibiria viagens de médicos a
convite dos laboratórios. No mês passado, porém, o conselho recuou da ideia e
acabou fechando um acordo com a Interfarma (Associação da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa) liberando as viagens.
Em sessão plenária do último dia 23, os conselheiros paulistas
aprovaram um documento em que discordam do acordo por julgá-lo "um
retrocesso". "Ele sedimenta práticas que são eticamente
inaceitáveis", diz o documento, obtido com exclusividade pela Folha.
Entre as distorções apontadas pelo Cremesp estão a autorização de
viagens e participações de médicos em congressos sem apontar os critérios para
escolha dos beneficiados, além do registro de efeitos adversos de medicamentos
- que passaria a ser fornecido pelo médico ao propagandista da indústria.
"O médico deve informar a Vigilância Sanitária sobre efeitos colaterais,
não o propagandista. Médico não vai trabalhar para a indústria", afirma
Azevedo Júnior, do CREMESP.
Ele também critica o fato de o acordo autorizar que médicos recebam
presentes e brindes oferecidos pelos laboratórios e estipular valores e
periodicidade. "Além de ser difícil fiscalizar isso, não tem o menor
efeito porque não é pelo valor que o médico ser influenciado".
No documento, o Cremesp recomenda ainda que o CFM reabra a discussão
sobre a necessidade de revisão e aprimoramento das normas éticas que envolvam a
relação entre médicos e indústria. O presidente do CFM, Roberto D'Ávila,
rebateu ontem as críticas dos colegas paulistas. "São Paulo pode fazer o
barulho que quiser. Federal é federal. O protocolo foi aprovado por unanimidade
pelo nosso pleno. Acho desnecessária essa polêmica", afirmou.
D'Ávila diz que, durante as discussões sobre o acordo com a Interfarma,
houve várias oportunidades para os conselhos regionais se manifestarem contra,
o que não teria ocorrido. Já Azevedo Júnior afirma que, em janeiro de 2011, o
Cremesp enviou várias críticas sobre o assunto, mas que não foram acolhidas
pelo CFM.
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