sábado, 8 de julho de 2023
Aprovação de Terapia Gênica para Hipercolesterolemia: Inclisiran
quinta-feira, 6 de julho de 2023
O que é Odds Ratio?
O post de 2010 “O que significa Odds Ratio” é o segundo texto mais acessado deste Blog (154K acessos). Naquele material, eu explico como se calcula e interpreta odds ratio. Mas faltava um conteúdo complementar para a plena compreensão da razão de existir desta medida de associação.
No intuito de preencher essa lacuna, escolhi este assunto para o Tópico da Semana no Fórum do Curso Online de MBE. E fiz as seguintes perguntas ao participantes:
1) Em um estudo caso-controle, por que se utiliza Odds Ratio da exposição (casos versus controles), ao invés probabilidade da exposição em casos / probabilidade da exposição em controles, o qual seria mais intuitivamente denominado probabilidade relativa de exposição?
2) Por que o Odds Ratio se aproxima do risco relativo se a probabilidade do desfecho for pequena?
3) Em regressão logística, fora do contexto caso-controle, por que se utiliza Odds Ratio do desfecho (expostos versus não expostos), ao invés de risco relativo que seria mais intuitivo?
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Vamos às minhas respostas ao final da semana:
Em um estudo caso-controle, por que se utiliza Odds Ratio de exposição (casos versus controles), ao invés probabilidade da exposição em casos / probabilidade da exposição em controles, o qual seria mais intuitivamente denominado probabilidade relativa de exposição?
Normalmente a justificativa para esta questão é a de que um estudo caso-controle não pode utilizar risco relativo do desfecho (exposto versus não exposto), pois não há registro da incidência do desfecho. Portanto, se utiliza odds (chance) da exposição (caso versus controle).
No entanto, isso não justifica utilizar uma medida de frequência menos intuitiva como odds, visto que poderia se calcular a simples razão da probabilidade de um caso ser exposto / probabilidade de um controle ser exposto. Por que trocar probabilidade por odds?
A verdadeira razão foi uma das descobertas mais importantes da epidemiologia, feita por Cornfield: a invariância do Odds Ratio. Cornfield foi chair do Departamento de Estatística da Escola de Saúde Pública de Johns Hopkins na década de 50. Ele ficou interessado em estudos caso-controle depois de ver o trabalho publicado por Doll e Hill sobre tabagismo e câncer de pulmão.
Cornfield demonstrou que o Odds Ratio da exposição (caso/controle) é igual o Odds Ratio da doença (exposição/não exposição). A isto se denomina invariância do odds ratio.
Um estudo caso-controle calcula diretamente o odds do doente ser exposto / odds do não doente ser exposto. Mas esse número é o mesmo do odds do exposto ser doente / odds do não exposto ser doente. Portanto, um estudo caso-controle é capaz de fornecer o OR da doença, comparando a exposição versus não exposição. Este OR está no sentido da causalidade, visto que reflete o odds do desfecho causado pela exposição.
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A nossa segunda pergunta é a segunda parte da descoberta de Cornfield.
Por que o Odds Ratio se aproxima do risco relativo se a probabilidade do desfecho for pequena? Como ocorre na linha preta do gráfico abaixo (baseline risk = 0.01)
ODDS = Probabilidade / 1 – Probabilidade
OU
ODDS = Risco / 1 - Risco
Se o desfecho é raro, a probabilidade é o número muito pequeno. Isso faz com que o denominador do ODDS (1 – P) seja quase igual a 1. Portanto, o odds vai ser quase igual ao risco, pois o odds vai ser o risco/aproximadamente 1
Portanto, o trabalho de Cornfield sugeriu o uso de OR em estudo de caso-controle. Pois assim, podemos ter o OR da doença, na dependência da exposição, e se o desfecho for raro como o caso do câncer de pulmão, esse OR vai aproximar o RR.
ODDS no desfecho raro = Risco / 1 - quase 0 = Risco / quase 1 ≃ Risco
Importante salientar que se usássemos probabilidade relativa de exposição, não existiria a invariância, e isso não resultaria em risco relativo ...
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Agora vamos à pergunta mais complexa, fora do contexto do estudo caso-controle:
Em regressão logística, por que se utiliza Odds Ratio do desfecho (expostos versus não expostos), ao invés de risco relativo que seria mais intuitivo?
Regressão logística é uma adaptação da regressão linear.
Regressão Linear: Y = 𝜶 + 𝝱.X
Na regressão linear, o desfecho Y é uma variável numérica, por exemplo, taxa de filtração glomerular. Mas como predizer um Y que seja um desfecho binário (doente ou não doente, evento ou não evento)? Neste caso, o Y seria a probabilidade de o desfecho binário ocorrer.
O problema é que probabilidade é um número entre [0 e 1], e a amplitude de uma função linear retorna valores entre (- ∞ e + ∞). Portanto, a regressão linear iria invadir erradamente os limites da probabilidade 0-1, acabando por predizer erradamente probabilidades < 0 e > 1. Ficaria assim:
Portanto, a solução é transformar probabilidade em algo que vai de - ∞ a + ∞.
Isso é feito em duas etapas:
1) Transforma probabilidade em ODDS = P / 1 – P.
Isso já resolve o limite superior, pois o odds vai de 0 a + ∞.
2) Depois faz o logaritmo do odds, pois o log tem que ser de um número de 0 a + ∞ (exatamente como odds), e logaritmo retorna valores de amplitude - ∞ a + ∞.
Portanto, na regressão logística o Y é o logaritmo do odds. E o coeficiente de regressão 𝝱 de cada variável X é o logaritmo do odds ratio.
Exponencial do Y = odds
Exponencial do 𝝱 = Odds Ratio.
Em resumo, regressão logística fornece OR (ao invés de RR), pois usar odds é a primeira etapa para linearizar uma probabilidade.
domingo, 25 de junho de 2023
Não-inferioridade é Deslocamento da Hipótese Nula
terça-feira, 20 de junho de 2023
A Omissão da Inferência Científica
Este post resume o recente debate no Fórum do Curso Online de MBE.
NEJM, 24 de maio, 2023: Link
Conclusão: "The incidence of the composite of stroke, systemic embolism, hemorrhage, or death at 30 days was estimated to range from 2.8 percentage points lower to 0.5 percentage points higher (based on the 95% confidence interval) with early use of DOACs than with later use."
REFLEXÕES
1. A conclusão do autor contém um inferência científica?
Não, é uma mera repetição do resultado. O autor cai na armadilha do realismo ingênuo ao achar que um intervalo de confiança informa sobre a incerteza presente na realidade (incerteza clínica), o que justificaria esta ser a mensagem do estudo.
No entanto, o intervalo de confiança informa a incerteza DESTE estudo em relação à estimativa da realidade (eficácia), mas não informa sobre a incerteza contida na decisão clínica de anticoagular. Não há utilidade em usar o intervalo de confiança de um estudo como ferramenta clínica, este portanto não é a conclusão, mas sim um método estatístico que serve de subsídio para uma conclusão.
2. Qual a validade de construto do desfecho primário para eficácia? E para segurança?
Segundo o autor, o objetivo é inferir eficácia e segurança. Mas o seu desfecho primário não tem validade de construto para estes desfechos. Ao combinar desfechos de eficácia e segurança como parte do desfecho primário, este confunde prova de conceito com raciocínio clínico.
Precisamos obter a prova de dois conceitos separadamente: eficácia (previne AVC embólico) e segurança (causa AVC hemorrágico). Depois disso, no raciocínio clínico, usamos ambos os conceitos combinados, para saber, caso a caso, quando anticoagular.
Ademais, quando combinamos desfechos que vão em sentido diferente, o resultado tende a sofrer de um viés da direção da hipótese nula, pois se a droga reduzir AVC isquêmico e aumentar sangramento, um anula o outro, não me permitindo saber separadamente a essência do efeito da droga.
4. Qual o risco de viés de mensuração do desfecho neste estudo?
O estudo é aberto. Embora a adjudicação seja cega, o trigger inicial para a observação do desfecho é realizado pelo investigador proximal ao paciente. Neste momento, um erro que poderia ser aleatório, torna-se sistemático, pois passa a ser diferencial em relação ao tipo de tratamento alocado. Erros aleatórios de medida sempre existem, quando não diferenciais (estudos cegos) estes diluem o resultado, mas quando diferenciais, estes tendem para algum lado, criando viés.
5. Na análise primária, 38 pacientes não tinham informação do desfecho primário, por perda de seguimento ou morte por outra causa. Ao invés de desconsiderar essas pacientes na análise, eles permaneceram na análise e seu desfecho (desconhecido) foi imputado por técnicas estatísticas. Você julga isso adequado?
Sim, isto é adequado. Na ausência de imputação, surge o viés de seleção emigratório, pois pacientes sem a informação podem ser diferentes de paciente com informações. Ao fazer imputação múltipla, eliminamos esse viés, pois o dado inserido contém apenas a incerteza aleatória típica da amostra, sem viés. Muitos acham que imputação é algo enviesado. Mas é o contrário, não imputar e analisar apenas os pacientes de dados disponíveis causa viés de seleção. É o mesmo que ocorre com análise por protocolo.
6. O que acham do autor ter apresentado o resultado principal em diferença de risco (redução absoluta), ao invés de redução relativa do risco.
O autor deseja estimar eficácia, mas ao usar redução absoluta de risco sua estimativa perde validade externa. Ou seja, a redução absoluta de risco depende do risco basal, e serve apenas para a população do estudo. Para populações externas ao estudo haverá outro risco absoluto. Diferentemente, o risco relativo não depende do basal, sendo uma propriedade mais generalizável. RAR e NNT de um trabalho não são generalizáveis.
7. Se um ensaio clínico randomizado torna as características basais entre os grupos homogênea, porque o autor ajustou para age, NIHSS score at admission, and infarct size usando regressão logística?
O ajuste para variáveis prognósticas simula análise estratificada, em que há menor variabilidade em cada estrato, portanto aumenta a precisão da estimativa da medida de associação.
Serve para melhorar precisão, estreitar o intervalo de confiança.
Em caso de dúvida residual, escrevam comentários ....
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Inversão do Ônus da Prova: "certeza de ineficácia"
Este post resume o recente debate no Fórum do Curso Online de MBE.
domingo, 16 de abril de 2023
A Temporalidade da Decisão Econômica
Que retorno esperamos de um investimento? Um jogador que treina, espera uma vitória esportiva. Um jovem que estuda, espera uma nota alta na prova. Um investidor espera retorno financeiro. Um paciente que "investe" em uma conduta médica pode ter diferentes tipos de retorno, os quais podemos categorizar em tempo de vida e qualidade de vida.
O aspecto temporal é essencial para a mensuração do custo e do retorno do investimento clínico. Em economia, o presente tem mais valor do que o futuro. Primeiro porque o presente está acontecendo, enquanto o futuro é uma probabilidade (remota). Segundo, o valor do que ainda ocorrerá depende do contexto futuro, o que é incerto.
No contexto de hoje, um carro que compro é de grande valor para mim. Ao pagar um consórcio para obter um carro no futuro, o valor é incerto, pois meu contexto pode ter mudado: posso estar morando em uma cidade de excelente transporte público ou não terei saúde suficiente para dirigir o carro. Sem considerar depreciação, o valor futuro de um produto é menor do que o valor presente. Por isso, economistas aplicam um desconto no valor presente para obter o valor futuro.
O pensamento médico é essencialmente um processo microeconômico. Em medicina, a temporalidade mais favorável é a do retorno (benefício) presente e custo futuro. No outro extremo, as condições que mais precisam de reflexão quanto ao valor econômico são as de custo presente e benefício futuro. Em uma posição intermediária, estão as condições em que ambos o benefício e o custo estão no presente ou no futuro.
O slide abaixo é usado no módulo de decisão clínica de nosso Curso Online:
Além do contexto presente ser conhecido, eventos no presente tendem a ser de probabilidade maior do que eventos no futuro. Portanto, a vantagem do presente pode ser representada pela seguinte equação metafórica: Probabilidade x Contexto.
A quimioterapia adjuvante à ressecção cirúrgica de cânceres localizados é exemplo de custo-presente/retorno-futuro. Esta conduta é indicada na premissa de efeito adicional na probabilidade de cura ou aumento de sobrevida. Independente de eficácia demonstrada, o custo clínico é quase uma garantia durante o tratamento (presente): estigma, queda de cabelo, efeitos colaterais indesejados ou eventos adversos relacionados à quimioterapia. Por outro lado, o retorno ocorrerá em um contexto futuro e será limitado aos pacientes “programados” a recorrer o câncer após ressecção E àqueles em que a quimioterapia será capaz de impedir essa recorrência.
Esta probabilidade de benefício futuro é calculada pela regra multiplicativa, resultando em uma probabilidade final menor do que os componentes da equação:
P (A e B) = P (A) * P (B|A) = P (recorrer câncer) x P (impedir recorrência em quem recorreria)
Por outro lado, consequências no presente não possuem o primeiro componente a ser multiplicado pelo efeito da exposição. E quando há mais de uma possibilidade de evento indesejado, estas obedecerão uma regra aditiva.
P (A ou B ou C) = P (A) + P (B) + P (C) = P (estigma) + P (cabelo) + P (desconforto) + P (evento)
Comparando essas duas equações, fica evidente porque eficácia futura tem probabilidade (0 - 1) mais próxima do espectro 0 e número necessário a tratar >>> 1, enquanto algum custo presente tem probabilidade próxima a 1 (quase determinístico).
Do ponto de vista econômico, a terapia adjuvante ao tratamento está na categoria de risco potencialmente antieconômico e deve ser indicado após uma cuidadosa reflexão que sugira que benefício >>> custo. Não proponho que se evite, mas que se reflita, profundamente.
O paradigma do rastreamento de câncer visa diagnosticar doença em indivíduos assintomáticos, outro exemplo típico de benefício-futuro/custo-presente. O paciente ganha um diagnóstico e toda cascata de procedimentos subsequentes (custo). Este custo precoce se justificaria por duas premissas a serem multiplicadas: o "câncer" evoluirá para comprometimento da vida do paciente e o tratamento na fase subclínica (precoce) terá mais benefício prognóstico do que o tratamento da fase clínica da doença. Para muitos cânceres indolentes a primeira probabilidade é baixa. Já a segunda probabilidade é de benefício marginal (tratamento mais precoce versus tratamento menos precoce), diferente do benefício central observado em tratamento versus não tratamento. Por esta razão, muitos rastreamentos de câncer não possuem racional econômico. Precisam ser pensados, profundamente.
A cirurgia de revascularização miocárdica em um paciente assintomático que devido a um rastreamento foi diagnosticado com doença coronariana extensa. O benefício não será de controle dos sintomas (presente) e o tratamento é feito na premissa de que a cirurgia vai prevenir um evento que ocorrerá no futuro. Novamente, regra multiplicativa de probabilidade. Já o preço pago pelo paciente é no dia da cirurgia, no aqui e agora, com seus desconfortos e potenciais complicações. A decisão não pode fazer parte do reflexo triarterial-cirúrgico, precisa ser pensada, profundamente.
Situações que correm risco anti-econômico implicam na necessidade do médico entender a dialética entre o fazer e pensar. Nesta dialética, a conduta será sempre do tipo “ponderada” ou força de indicação II, devendo ser indicada baseada na percepção individual de que a magnitude quantitativa e qualitativa do benefício supera bastante o custo, de forma que as desvantagens de contexto temporal e de probabilidades multiplicativas sejam compensadas pelo tipo de benefício.
Não julgo nenhuma destas condutas inapropriadas, mas precisamos perceber que a indicação não pode ser baseada em regra, mas em processo de decisão complexo.
No outro extremo do espectro econômico estão as situações de benefício presente e custo futuro. Vamos a exemplos meramente didáticos.
Resolução recente do Conselho Federal de Medicina proibiu que médicos prescrevam "terapia hormonal para fins estéticos”. Esta resolução foi sustada pelo Congresso Nacional, sob argumento de que o Conselho "exorbitou seu poder regulamentar”. A conduta do CFM parece ter sido motivada por prescrições inapropriadas de hormônios, o que é uma preocupação válida. Por outro lado, a defesa ou ataque de condutas específicas às vezes constitui abordagem simplória de decisões complexas. A “defesa" deve ser a da construção de uma racionalidade econômica e probabilística. Julgo esse ser um caminho menos polarizado e mais construtivo.
Podemos considerar que o benefício estético não diz respeito à prática médica, é coisa fútil. Outra opção é julgar que a validade de construto do "desfecho estético" envolve dimensões como autoestima, funcionalidade, vitalidade, sexualidade, bem-estar. Essa segunda é a premissa que nos permite discutir esse exemplo como processo de decisão médica. Devo lembrar que a discussão aqui se restringe ao paradigma clínico (microeconomia), não ao paradigma da saúde pública (macroeconomia). Este último é diferente, pois o custo a se considerar tem uma dimensão monetária, recursos são por definição escassos e os melhores retornos são de investimentos coletivos e sistêmicos.
Voltando ao paradigma clínico: considerando uma prescrição hormonal feita de forma apropriada, o efeito terapêutico ocorre no presente, não depende de regra multiplicativa e seu efeito proximal é quase determinístico em essência.
Quanto ao custo da terapia hormonal, este diz respeito a potenciais efeitos adversos. Eventos adversos são eventos distais à intervenção (indiretos), sendo de probabilidade menor do que o propósito inicial da conduta. No entanto, devemos sempre reconhecer que evento adversos obedecem regra probabilística aditiva.
Desta forma, este tipo de tratamento hormonal se encontra na categoria de melhor perfil econômico (benefício-presente/custo-futuro). Embora nesta categoria, esta indicação hormonal não deve ser uma regra, pois o benefício depende fortemente da preferência do paciente. Não é uma daquelas coisas que quase todo mundo prefere (como viver mais ou viver sem dor), há maior variabilidade natural, o que justifica a necessidade da ponderação individual. É algo a ser pensado, profundamente, e sem a banalização de regras proibitivas que desconsideram a complexidade dessa nossa profissão.
Na categoria econômica de benefício-presente/custo-futuro, a mais forte indicação está em controle de sintomas, pois é quase uma certeza de que a preferência de quem está sofrendo é o alívio do sofrimento.
O que é mais impactante: omeprazol para tratamento de úlcera ou betabloqueador para tratamento de insuficiência cardíaca? Embora úlcera não mate tanto quanto insuficiência cardíaca, o primeiro é benefício determinístico (NNT = 1) e presente, o segundo é probabilístico (NNT = 20) e futuro.
Ritalina para pessoas que sofrem de déficit de atenção é outro tratamento de alto desempenho econômico, porém não reconhecido como tal. Quando bem indicado, pode mudar a vida de uma pessoa para muito melhor. Pode haver efeitos adversos, mas a chave da decisão está no retorno do investimento.
Há casos de pais que relutam que seus filhos usem a substância, preferindo que as crianças se esforcem para superar o problema de forma natural. Esse tipo de pensamento não considera que, se bem indicado, o benefício é imediato e altamente provável. E se não houver beneficio ou efeitos colaterais superarem o benefício, a droga pode ser suspensa. Imediatamente, sem sequelas irreversíveis.
A carência deste modelo mental econômico causa um comum viés cognitivo: embora tenham maior impacto probabilístico e temporal, tratamentos de sintomas são vistos como menos relevantes do que tratamentos prognósticos. No entanto, podem ser mais impactantes.
Sintomas são vistos como um benefício de segunda classe devido à carência de microeconomia no pensamento médico. Cardiologistas costumar falar: "furosemida apenas controla sintomas na insuficiência cardíaca, mas não reduz mortalidade". Mas estes não percebem que na insuficiência cardíaca grave não há equipoise que permita um ensaio clínico placebo-controlado para testar eficácia da furosemida. Esta é a melhor droga do mundo, a baseado em plausibilidade extrema, é uma droga indispensável para controle de sintoma e redução de mortalidade por edema agudo de pulmão.
O Feedback do Efeito Presente
Condições de benefício presente têm outra grande vantagem sobre benefício futuro: a evidência do feedback. Em tratamento de efeito presente, evidenciamos o resultado durante o tratamento, nos fazendo concluir que a decisão está sendo adequada ou perceber que o efeito não foi é o esperado. Usando desta evidência clínica, proveniente do próprio paciente, saberemos se estamos corretos ou se devemos desistir da decisão.
A Equivocada Percepção de Segurança
Muitos consideram que a demonstração de segurança é critério obrigatório para a adoção de uma conduta. Na verdade, muitas de nossas condutas têm insegurança demonstrada. Por exemplo, está demonstrado que anticoagulação causa sangramento.
"Primum non nocere" é uma heurística útil para lembramos que tudo bem um preço, mas não é uma regra de processo de decisão. Em processo de decisão, a justificativa de uma conduta parte inicialmente do benefício. Ninguém opta por fazer algo apenas por ser seguro. Não existe nada isento de risco, tudo tem um preço; por fim, prova de segurança seria prova de ausência, o que é epistemologicamente impossível.
A incerteza quanto ao risco de uma conduta já testada e aprovada por agências regulatórias (hormônios, por exemplo) é um indicativo que os eventos adversos são pouco frequentes, necessitando de estudos grandes para estimar probabilidade com precisão. Na verdade, o que ensaios clínicos descrevem é ausência de toxicidade proibitiva, condição obrigatória para que uma tecnologia eficaz seja regulada. Outros efeitos negativos, raros, serão demonstrados nos estudos grandes de surveillace após regulação da droga.
Muitas vezes se trata de ingenuidade platônica criticar condutas por não terem "segurança comprovada". Pensar que condutas apropriadas são iguais a condutas seguras é um erro cognitivo do processo de decisão.
Decisão Compartilhada
A economia de processos de decisão não tem o formato de uma balança, onde de um lado está o custo e do outro o benefício. Custo clínico e benefício clínico são grandezas incomparáveis diretamente, pois representam desfechos diversos. Em lugar da balança, devemos usar a análise sequencial, em que depois de acessar o benefício, avaliamos "disposição a pagar".
Primeiro foque no benefício, nas dimensões de qualidade, probabilidade e temporalidade. Depois do paciente entender bem as dimensões desse benefício, acesse sua disposição a pagar por este benefício. Após construída com a paciente uma percepção de benefício e disposição a pagar, apresente o preço do investimento.
Há diferentes tipos de pacientes, aqueles com aversão ao risco do tratamento, com menos disposição a pagar. Ou aqueles com aversão ao risco da doença, que desenvolvem tolerância ao risco do tratamento. Em um extremo, um paciente que sinaliza antes de uma cirurgia “retire tudo o que for necessário” tem alta disposição a pagar pela resolução do tumor; outro que diz “prefiro morrer a me operar” tem pouca disposição a pagar.
Há benefício de quimioterapia adjuvante. A questão está em saber se o paciente é do tipo disposto a pagar hoje por este benefício que talvez venha no futuro. Há benefício da terapia hormonal para fins estéticos. A questão é saber do valor deste benefício na qualidade de vida do paciente e a disposição a pagar na forma de probabilidade futura de evento adverso.
Obviamente, esta discussão não contempla prescrições e condutas inapropriadas, seja na quimioterapia, seja na hormonioterapia.
Conclusão
Quando defendemos ou atacamos condutas de efeito terapêutico comprovado, nos afastamos da perspectiva do paciente. A defesa deve ser do profissionalismo de entender nuances e complexidades do processo de decisão econômica. Afinal, medicina é a arte de correr risco. Essa nossa profissão não é fácil, precisa pensamento profundo.
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Para aprofundamento, conheça o módulo de economia clínica em nosso Curso Online de MBE.