domingo, 28 de novembro de 2010

O Estranho Caso do Fechamento do Foramen Oval Patente em AVC Criptogênico

Segundo o dicionário Wiktionary, criptogênico significa “de causa desconhecida”. Pois bem, é uma prática comum o fechamento de forâmen oval patente (FOP) em pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) criptogênico. Isso é baseado na seguinte premissa: se não sabemos a causa do AVC e o paciente tem um FOP, este pode ser a causa (embolia paradoxal), então vamos fechar este buraco que o paciente não mais terá o AVC. No entanto, não há ensaios clínicos que demonstrem este procedimento ser eficaz na prevenção de AVC recorrente.

Na verdade, nem sabemos se FOP realmente causa AVC. Para começar, FOP está presente em 25% da população geral. Sendo uma condição tão comum, pode muito bem estar presente em quem teve um AVC, sem necessariamente ter causado o AVC. Em segundo lugar, estudos de coorte prospectiva demonstram que a associação de FOP e risco de AVC desaparece após ajuste para os demais fatores de risco. Em terceiro lugar, há duas semanas foi apresentado no congresso do AHA o estudo CLOSURE I, o primeiro ensaio clínico randomizado que testa a hipótese de que fechar FOP reduz o risco de um novo AVC. Neste trabalho, 909 pacientes foram randomizados para fechamento percutâneo do FOP associado a AAS e Clopidogrel versus tratamento conservador com AAS e anticoagulante oral. Não houve diferença na incidência de AVC recorrente entre os dois grupos. Ou seja, o primeiro ensaio clínico randomizado foi negativo, reforçando a idéia de que é inadequado indicar procedimentos na ausência de evidências científicas. Vale salientar que alguns pacientes do grupo intervencionista apresentaram AVC decorrente do próprio procedimento, além da ocorrência de complicações vasculares.

O critério de inclusão deste estudo foi descrito como AVC criptogênico e a média de idade da amostra (45 anos, relativamente jovem) reforça a idéia de que era uma população com características criptogênicas. Mas precisamos esperar a publicação do artigo na íntegra, para conhecer melhor a população que foi estudada. Outro detalhe importante é que este ainda é um estudo relativamente pequeno e pode carecer de poder estatístico para detectar diferenças que não sejam de grande magnitude. De acordo com meus cálculos, seriam necessários 5000 pacientes randomizados para gerar um poder de 80% para detectar uma diferença absoluta de 2%.

Outro aspecto é que este estudo não avalia exatamente se o procedimento reduz AVC, pois o tratamento medicamentoso foi diferente entre os grupos. Para testar essa hipótese, o tratamento medicamentoso deveria ser igual nos dois grupos. Não sabemos se não houve benefício porque o fechamento do FOP não vale nada ou porque vale alguma coisa semelhante à anticoagulação. De qualquer forma, sendo igual a anticoagulação, não justifica um procedimento mais complexo e de altíssimo custo (a prótese custa mais que R$ 50.000). Finalmente, fica a questão se em subgrupos específicos, “mais criptogênicos”, pode haver benefício.

Realmente não podemos considerar esta uma questão fechada, mas o conjunto de evidências (FOP como fator de risco e o primeiro ensaio clínico) existentes fala contra o benefício do procedimento. Para agravar a questão da realização de um procedimento sem evidências, temos presenciado a indicação de fechamento de FOP em pacientes que não se encaixam na definição de criptogênico, mas que tiveram um ecocardiograma transesofágico indicando a presença de FOP.

Ontem mesmo, uma amiga me contou o caso de sua tia idosa, que cursou com acidente isquêmico transitório, sendo diagnosticado um FOP no ecocardiograma transecofágico e prontamente tratada com o fechamento do FOP. “Graças a Deus, a causa do problema foi identificada e tratada, agora está resolvido”. Naquela conversa informal, acessando como quem não quer nada os fatores de risco da tia idosa, percebi que clinicamente o quadro era de um AIT de origem aterotrombótica. Isso ainda levanta a questão do uso apropriado de ecocardiograma transesofágico em pacientes com AVC. Indicações indiscriminadas podem levar a fechamento desnecessários de FOP. Assim como cateterismo desnecessário leva a angioplastia desnecessária, ecocardiograma transesofágico desnecessário pode levar a fechamento de FOP desnecessário.

Esse é mais um exemplo do paradigma mecanicista (fechar buraco) prevalecendo sobre o paradigma da medicina baseada em evidências. Esperemos as evidências futuras, há maiores ensaios clínicos em andamento.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O que pensam os pacientes sobre angioplastia coronária eletiva ?



Recentemente foi publicado nos Annals of Internal Medicine um estudo que avaliou o pensamento de pacientes submetidos a angioplastia coronária eletiva em um hospital acadêmico de Massachusetts.

Sabemos que, à luz das melhores evidências científicas, angioplastia coronária não previne morte, nem infarto do miocárdio em pacientes com doença coronariana estável, sejam sintomáticos ou assintomáticos. Essa afirmação é embasada em ensaios clínicos randomizados de boa qualidade metodológica, como o estudo COURAGE e BARI-2D. Estes resultados se reproduzem em qualquer extensão da doença aterosclerótica, sejam indivíduos com compromentimento uniarterial, biarterial ou triarterial. Seriamente, não se questiona mais este paradigma.

O estudo em questão avaliou o que os pacientes pensavam a respeito de suas angioplastias eletivas. Pois bem, a imensa maioria (em torno de 80%) acreditava que o procedimento iria prolongar suas vidas e prevenir infarto do miocárdico. Por que será que os pacientes têm uma noção equivocada do procedimento que estão realizando? Estes não deveriam saber exatamente o porquê de seus procedimentos?

Claro que sim. Mas talvez estes não estejam sendo informados devidamente pelos médicos. Muito provavelmente, especialmente os pacientes assintomáticos. Fico imaginando como um médico sincero justificaria o procedimento para um paciente assintomático: você tem uma obstrução coronária, precisamos desobstruir, apesar de que isso não vai prevenir morte, nem infarto. O que vai fazer é prevenir sintomas. Ah, mas você não tem sintoma, é mesmo. Mas é muito importante que você nunca se esqueça de usar Aspirina e Clopidogrel depois da angioplastia, porque se não o stent pode trombosar, causando infarto e em alguns casos morte.

Percebe-se que é impossível justificar, o que nos faz pensar que provavelmente os médicos deixam a entender nas entrelinhas que o benefício é maior do que o benefício real. Só assim um procedimento desse pode parecer justificável em um paciente assintomático.
Isso está de acordo com a entrevista que foi feita com os médicos destes pacientes. A maioria dos cardiologistas reconhece a ausência de evidências, mostrando uma discordância grande de conhecimento entre eles e seus pacientes. Ou seja, há um nítido problema de comunicação. Culpa do paciente? Não sei, excluindo os oligofrênicos, provavelmente um paciente tem capacidade de entender que um procedimento não reduz mortalidade ou infarto. O que nem Einstein entenderia é porque estaria fazendo um procedimento sem benefício. Daí o problema de comunicação, ou seja, é melhor não se comunicar direito, ser vago nas observações.

Vemos com frequência angioplastia sendo indicada em indivíduos assintomáticos, cujo teste isquêmico de rastreamento para doença coronária foi positivo. Percebo que não são necessariamente os médicos intervencionistas que propõem o procedimento. Na maioria das vezes, são os próprios clínicos que se sentem mais seguros se o procedimento foi realizado.

Este trabalho é uma evidência científica de que precisamos refletir como estamos transmitindo as informações aos nossos pacientes. É um exemplo da mentalidade do médico ativo prevalecendo sobre o paradigma da medicina baseada em evidências.

domingo, 21 de novembro de 2010

Há mesmo interação antagônica entre Clopidogrel e inibidores de bombas de prótons?


Nos últimos anos, estudos observacionais e dados de agregabilidade plaquetária provocaram a legítima preocupação de que inibidores de bombas de prótons poderiam inibir a ação do Clopidogrel. Uma recente publicação do New England Journal of Medicine resolve esta questão em grande parte: trata-se do estudo CONGENT, um ensaio clínico randomizado para Omeprazol ou placebo, em 3.873 pacientes que vinham usando AAS e Clopidogrel, após síndromes coronarianas agudas ou implante de stent. Não houve aumento na incidência de eventos cardiovasculares com uso do Omeprazol, sugerindo que este não inibe a ação benéfica do Clopidogrel. Foi o primeiro ensaio clínico a testar esta hipótese, gerada por estudos observacionais.

Mais um exemplo de que hipóteses geradas por estudos observacionais muitas vezes não são confirmadas por ensaios clínicos. Nos estudos observacionais, os pacientes cujos médicos prescrevem Omeprazol tendem a ser muito diferentes dos que não recebem a droga. Isso gera um forte viés de confusão. Só um ensaio clínico randomizado para controlar perfeitamente este viés.

Também mais um exemplo de que desfechos substitutos nem sempre predizem desfechos clínicos. Estudos que avaliam agregação plaquetária sugerem que Omeprazol inibe o efeito antiagregante do Clopidogrel. Mas agora sabemos que isso não se traduz em desfechos clínicos.

Como limitação, o CONGENT foi um estudo truncado, ou seja, interrompido antes do planejado. Isso pode ser um problema, como já citamos no passado a exemplo do estudo JUPITER. Mas esse problema ocorre mais quando os autores mostram uma diferença, que quando aparece promove a interrupção do estudo. Não foi o caso, ou seja, o estudo não foi interrompido porque se detectou diferença no desfecho segurança, reduzindo a probabilidade de que o achado tenha sido artificialmente criado pela interrupção.

Outro problema que o truncamento poderia ter gerado é um reduzido poder estatístico. Mas o tamanho amostral do trabalho foi bem razoável. Calculei o poder estatístico para detecção de uma diferença absoluta de 2% em desfechos combinados. O estudo tem poder de 80%, ou seja, o truncamento não impactou muito no poder estatístico. Digo isso porque o Omeprazol reduziu sangramento maior (desfecho relevante) em torno de 2% em termos absolutos. Sendo assim, só se tornaria relevante um aumento em desfecho cardiovascular na ordem de 2%, para que o risco superasse o benefício. Pelos dados, é muito pouco provável que o estudo tenha sofrido de erro tipo I (baixo poder estatístico), foi muito parecida a incidência de desfecho cardiovascular nos dois grupos (hazard ratio = 0.99).

Mesmo assim, o guideline do ACC/AHA sobre uso de inibidor de bomba de prótons, publicado também nesta semana, questiona bastante o estudo. Baseado na teoria da conspiração farmacológica, isso é lobby dos fabricantes de inibidores de bomba mais novos, que temem perder o mercado para o velho Omeprazol.

sábado, 6 de novembro de 2010

Bloqueadores dos Receptores da Angiotensina (BRA) Causam Câncer?



Em julho deste ano foi publicado no Lancet Oncology a meta-análise Angiotensin-receptor blockade and risk of cancer, que tem causado grande repercussão. Nesta meta-análise, cinco ensaios clínicos randomizados para BRA ou placebo foram combinados em relação ao desfecho câncer. Os pacientes randomizados para BRA tiveram uma incidência de 7.2% de câncer, comparados a 6% de câncer no grupo placebo (RR = 1.08; 95% IC = 1.01 - 1.15; P = 0.02). Desta forma, houve uma associação estatisticamente significante entre uso de BRA e câncer. Dito isso, precisamos avaliar criticamente se esta associação é verdadeira, ou seja, se podemos afirmar que há causalidade entre BRA e câncer. Qual o nível de evidência trazido por este estudo?

Primeiro, o desfecho aqui estudado (incidência de câncer) não foi o objetivo primário de nenhum destes estudos. Sabemos que a informação mais confiável de um estudo vem de seu objetivo primário, informações de objetivos secundários estão mais sujeitas ao erro tipo I, ou seja, aquele no qual se afirma a existência de uma associação, porém na realidade a associação não existe. Este erro decorre do fato de que muitos são os objetivos secundários testados simultaneamente, o que aumenta a probabilidade de alguma associação aparecer significante por obra do acaso. Este fenômeno é chamado Problema das Múltiplas Comparações. Por este motivo, às vezes os estudos mostram um resultado significativo em um objetivo secundário, que não se confirma em estudos posteriores.

O que ocorre com efeitos adversos (como câncer, por exemplo) é que a maioria dos ensaios clínicos testam um grande número de efeitos adversos (compreensível) e quase nunca um efeito adverso é um objetivo primário do estudo. Assim, múltiplos desfechos são testados e o que aparece significativo pode decorrer do acaso.


Para piorar a questão, em dois dos cinco estudos (34% dos pacientes) câncer não havia sido uma informação pré-especificada, tendo sido coletada de forma não padronizada e retrospectiva. Isso provoca um viés de observação importante.

Terceiro, existe um potencial viés de publicação referente aos dados de câncer. Este viés é bem possível, pois câncer nunca foi um desfecho considerado potencialmente importante em relação aos BRA. Como mostrou o trabalho, vários estudos que não citavam o desfecho câncer não puderam ser incluídos na análise. Estes podem ser estudos que não tenham mostrado associação entre BRA e câncer, não sendo assim um desfecho que se julgou importante relatar. Este viés pode fazer com que de forma artificial a maioria dos trabalhos publicados seja a favor da associação. O viés de publicação é um questão inerente de meta-análises, porém especialmente no caso de um desfecho adverso (secundário), este viés se torna um problema maior, pois desfechos secundários são menos publicados.


Desta forma, estes três aspectos (desfecho câncer ser secundário, potencialmente sofrer do viés de publicação e em alguns estudos ter sido uma informação retrospectiva) fazem com que classifiquemos esta meta-análise como uma fraco nível de evidência.


Isso não é uma defesa do uso de BRA como anti-hipertensivo. Na verdade, esta classe não deve ser considerada escolha de primeira linha, pois são poucas ou inexistentes as evidências indicando redução de desfechos clínicos com estas drogas no tratamento da hipertensão. Sendo assim, as drogas com mais evidências (diurético, antagonistas do câlcio e inibidor da ECA) devem ser as de primeira escolha e os BRA devem ficar para aqueles paciente que precisariam usar IECA, porém têm intolerância. Mas isso não tem nada  a ver com câncer.


Esta meta-análise levanta uma possibilidade para que se defina câncer como um dos desfechos principais de futuros ensaios clínicos com BRA. É apenas um estudo gerador de hipótese. Considerando a carência de plausibilidade biológica e os potenciais viéses deste estudo, é provável que esta associação não se confirme nos estudos futuros, focados nesta questão. Mas isso é só uma previsão, às vezes a gente se surpreende.

domingo, 24 de outubro de 2010

É realmente necessário reclassificar indivíduos de risco cardiovascular intermediário?

Foi publicado no último número do Journal of the American College of Cardiology o resultado do desempenho prognóstico do escore de cálcio coronário no estudo alemão The Heinz Nixdorf Recall, uma coorte de 4.129 indivíduos originalmente saudáveis. Sabe-se que calcificação coronária é um marcador de aterosclerose, o que pode estar associado a eventos cardiovasculares futuros. Este estudo demonstra que a informação sobre calcificação coronária obtida pelos modernos aparelhos de tomografia em indivíduos de risco intermediário (Escore de Framingham) incrementa de forma significativa a predição de eventos cardiovasculares em seguimento de 5 anos. Este incremento é demonstrado por um aumento da estatística-C do Escore de Framingham de 0.68 para 0.75, após obtida a informação do escore de cálcio (considera-se como significante um incremento de pelo menos 0.05). O escore de cálcio é o único biomarcador capaz de incrementar nesta magnitude a predição do Escore de Framingham. Outros como proteína C-reativa ou espessura médio intimal de carótidas não chegam nem perto disso. Além da análise de valor incremental, este trabalho traz a informação de reclassificação, indicando que 22% dos indivíduos são reclassificados corretamente em relação ao seu risco cardiovascular (baixo, intermediário ou alto) se o escore de cálcio for aplicado nos pacientes de risco intermediário. Desta forma, os autores concluem que “limiting CAC scoring to intermediate-risk subjects can contribute to reducing the number of coronary events in the general population.” Do ponto de vista prognóstico, as informações do artigo podem ser consideradas verdadeiras, pois não parece haver vieses ou erros aleatórios que justifiquem os achados. Por outro lado, devemos sempre ter em mente que predizer eventos nem sempre significa que prevenir eventos. Isso nos faz questionar se a conclusão de que utilizar escore de cálcio nestes indivíduos (que representam em torno de 30% da população geral, muita gente) realmente reduz risco cardiovascular. Vamos lá, o pensamento é principalmente clínico.

A fim de reduzir o risco de eventos cardiovasculares, o processo de reclassificação deve ser capaz de selecionar indivíduos para estratégias preventivas que reduzam risco cardiovascular. De acordo com a tabela de resultados apresentada no artigo, a grande maioria da reclassificação (77%) obtida em indivíduos de risco intermediário (10 – 20% de risco) foi direcionada para a categoria de baixo risco (< 10% de risco). Obviamente, este tipo de reclassificação não induz médicos a incrementar abordagens preventivas. Além disso, não há nenhuma evidência científica de que é seguro reduzir a intensidade de estratégias preventivas baseado em baixo escore de cálcio. Assim, 77% da reclassificação obtida pelo escore de cálcio não tem nenhum impacto no manejo clínico e, conseqüentemente, não irá modificar o risco cardiovascular individual. Sem falar que provavelmente há um pequeno aumento do risco de câncer, relacionado à radiação ionizante.

Em segundo lugar, vamos analisar o caso da reclassificação de indivíduos de risco intermediário para categoria de alto risco, o que ocorreu nos 23% restantes dos indivíduos reclassificados. Como esta informação mudaria a conduta preventiva? Começando pelo uso de estatina, no cenário de prevenção primária, o início da terapia com estatina é igualmente indicado em pacientes de risco intermediário ou alto. Embora o estudo JUPITER tenha algumas limitações comentadas previamente neste Blog, este ensaio clínico estudou predominantemente pacientes de risco intermediário e evidenciou benefício do uso de estatina mesmo com LDL-colesterol em torno de 100 mg/dl. Por isso, a grande maioria destes pacientes de risco intermediário já estaria em uso de estatina, em dose semelhante a pacientes de alto risco, independente da realização do escore de cálcio, sendo improvável que esta avaliação modifique a terapia com estatina em um vasto número de indivíduos.

Em relação ao tratamento da hipertensão arterial, a indicação para iniciar a terapia e a pressão arterial alvo não devem diferir entre indivíduos de risco intermediário ou alto. Finalmente, a aspirina deve ser utilizada em indivíduos reclassificados para alto risco? A magnitude de redução absoluta de risco de aspirina em indivíduos assintomáticos é pequena e a relação risco / benefício não justifica a sua prescrição na maioria dos indivíduos. Recentemente, o efeito benéfico em longo prazo da aspirina em pacientes diabéticos tem sido questionado pelos resultados de ensaios clínicos, sugerindo que a aspirina só se justifica nos indivíduos de risco muito elevado, o que ocorre mais comumente em prevenção secundária. Mais importante ainda, a aspirina não provou ser benéfica em um ensaio clínico de pacientes assintomáticos com aterosclerose subclínica avaliada pelo índice tornozelo-braquial. Portanto, é altamente questionável se aspirina deve ser iniciada nestes indivíduos reclassificados para alto risco pelo escore de cálcio. Finalmente, medidas de estilo de vida, tais como a cessação do tabagismo, controle de peso e exercício, são universalmente recomendadas, independentemente do perfil de risco individual.

Tudo isso indica que a necessidade de reclassificar indivíduos de risco intermediário provavelmente é um falso paradigma. Antes da implementação de uma estratégia como esta, sua eficácia deve ser testada por ensaios clínicos, comparando a incidência de eventos cardiovasculares entre pacientes randomizados para realizar escore de cálcio ou não realizar o exame. Este é o tipo de evidência definitiva para validação de novos e complexos biomarcadores.

A utilidade do escore de cálcio é muito mais provável em um subgrupo específico e menor de pacientes, subclassificados como de baixo risco, mas que na realidade são de risco elevado. Estes representam indivíduos não idosos, tabagistas ou com história familiar, cujo Escore de Framingham pode subestimar o risco cardiovascular, visto que estes fatores têm expressão fenotípica bem variável e os escores não os representam bem. Claro que esta proposta implica em um número muito menor de pacientes realizando o exame, e conseqüentemente é muito menos lucrativa. Mas do ponto de visto do paciente (mudança de desfecho clínico), esta é a proposta que deveria ser prioritariamente testada em futuros ensaios clínicos.

O que nunca devemos esquecer é que embora financeiramente lucrativo, predizer eventos nem sempre significa que prevenir eventos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Blog alcança a marca de 10.000 acessos

Dez meses depois de seu lançamento, nosso Blog alcançou a marca de 10.000 acessos em 04 de outubro.

Vale a pena aproveitar esta oportunidade para relembrar como surgiu o Blog. A idéia de criarmos um blog com este tema, não foi minha. Na verdade, anos antes Dr. Carlos Marcílio já falava que precisávamos criar o blog e chegamos a iniciar algum esboço em conjunto, mas isso não foi para frente, devido a dificuldades técnicas. Eu já acompanhava com interesse o Blog de Barral, o que também servia de motivação para criar algo neste sentido. Mas aquilo tudo parecia algo complicado, quando em dezembro de 2009, Márcio Duarte me mostrou como é fácil criar um blog no Blogspot e em poucos minutos este Blog foi criado. Assim, a partir do incentivo de amigos, aliado à facilidade técnica de criar um Blog, nasceu o Medicina Baseada em Evidências.

Interessante é perceber que além dos colegas, há acessos de outras cidades, recebemos comentários de pessoas totalmente desconhecidas. O Goggle direciona muitas pessoas para o Blog, a depender do tema de pesquisa utilizado. Não são só profissionais da área médica que acessam, há várias seguidores que simplesmente gostam dos assuntos relacionados a medicina e curtem a forma provocativa de nossas reflexões.


Os comentários são dos mais diversos, muitos concordando com nossos posicionamentos, outros discordando de forma enfática. Isso tudo serve de incentivo, visto nosso principal objetivo é o de provocar reflexões, muito mais do que propor verdades absolutas.

Este Blog é alimentado pela percepção de que as pessoas estão acessando. Os comentários escritos no Blog, os comentários que colegas fazem pessoalmente, as cobranças de novas postagens quando demoro de escrever, tudo isso é  um grande incentivo.

Há pessoas que se destacam pelo incentivo e entusiasmo pelo Blog. Só para citar alguns, Júlio Braga, colaborador com várias postagens em seu estilo contestador; Bruno Bezerril, que dos Estados Unidos nunca deixa de nos incentivar e fazer comentários interessantes; Dr. Barral, sempre conectado, de quem muitas vezes roubamos algumas idéias do que escrever; Há também os não médicos, Mariana Freitas, Emanoel Silva, sempre com comentários filosóficos. Minhã mãe, que constantemente me mande e-mails chamando atenção para erros de português. Meus alunos e ex-alunos.

Enfim, esse Blog é de todos nós. Obrigado a todos pelo incentivo ao longo deste primeiro ano.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Morte da Sibutramina (Reductil)




Em janeiro deste ano escrevemos sobre a Sibutramina, droga inibidora do apetite que está no mercado brasileiro há mais uma década. Naquela oportunidade haviam sido anunciados os primeiros resultados do estudo SCOUT, que embora desenhado para testar a hipótese de benefício clínico da droga em pacientes de alto risco cardiovascular, mostrou justamente o contrário, ou seja, aumento de eventos cardiovasculares. Naquela oportunidade, a European Medicines Agency recomendou a suspensão da droga na Europa, enquanto o FDA e a ANVISA optaram por uma atitude mais conservadora, ou seja, recomendar a restrição da droga em pacientes de risco cardiovascular.

O ensaio clínico SCOUT foi publicado na íntegra no mês passado, no New England Journal of Medicine, confirmando a notícia anterior e demonstrando aumento do risco de infarto (hazard ratio = 1.28; 95% IC, 1.04 to 1.57) e de AVC (hazard ratio = 1.36; 95% CI, 1.04 to 1.77) com uso da Sibutramina comparado ao grupo placebo. Isso motivou o FDA a se reunir novamente, recomendando em 08 de outubro a suspensão desta droga. Em pesquisa no site da ANVISA não encontrei resolução recente, mas desconfio que em breve a mesma seguirá os passos do FDA, como de praxe.

O FDA e ANVISA resistiram inicialmente à suspensão da droga, utilizando um argumento inadequado, porém relativamente comum nestes casos: como o estudo SCOUT avaliou apenas pacientes de alto risco cardiovascular, a droga só precisaria ser proibida neste subgrupo. Vale a pena discutir um pouco sobre este raciocínio, pois está no cerne de um dos importantes conceitos em medicina baseada em evidências: a validade externa de um estudo.

Validade externa é quando o resultado de um estudo pode ser extrapolado para além da população-alvo do trabalho. Por exemplo, tratamos pacientes com miocardiopatia chagásica com inibidores da ECA e beta-bloqueadores porque julgamos que podemos extrapolar os resultados dos estudos de miocardiopatia isquêmica/dilatada. Isso é uma aplicação de validade externa, que envolve dentre outras coisas um raciocínio clínico e de plausibilidade. É quando utilizamos o paradima do para-queda em nossas decisões de extrapolar o resultado de um estudo. Observação a parte: alguns confundem validade externa com a avaliação do quanto o estudo selecionou corretamente os pacientes que se propôs. Isso é um raciocínio de viés de seleção, o que faz parte da validade interna.

No caso do estudo SCOUT, realmente a população-alvo do trabalho é formada de pacientes com critérios para alto risco cardiovascular (idade acima de 55 anos + doença cardiovascular pre-existente ou diabetes). O quanto isso se aplicaria a uma população de risco mais baixo? Provavelmente a magnitude do malefício da droga não se reproduzirá em pacientes de baixo risco cardiovascular, pois é mais difícil conseguir provocar um infarto nestes pacientes. Tudo bem, isso é verdade. Mas agora nos perguntamos, isso é suficiente para prescrever a droga em pacientes de baixo risco cardiovascular, como sugeriu a ANVISA no início do ano.

A questão é que esta decisão vai além do raciocínio de validade externa do estudo. O estudo SCOUT foi desenhado para testar o benefício da droga e justamente por isso escolheu uma população de risco elevado. Observem que a metodologia normal é essa, ou seja, os estudos que tentam demonstrar pela primeira vez benefício de uma droga, começam pelas populações de alto risco, pois nestas é mais fácil demonstrar um benefício estatístico. Você não vai conseguir demonstrar redução de risco cardiovascular com Sibutramina em uma população que não vai ter infarto, ou seja, em uma população de baixo risco. Portanto se precisa estudar os de alto risco, onde a droga teria um potencial de proteger o paciente de algo que estaria para ocorrer. Por exemplo, todos os estudos que mostram benefício de antihipertentivos selecionaram população de alto risco. Podem observar.

Então o raciocínio deve ser o seguinte: se você não conseguiu demonstrar benefício clínico da droga na população mais predisposta a se beneficiar, muito provavelmente não vai haver benefício clínico nos demais pacientes. Ponto. Droga suspensa, pois não tem porque usarmos alguma coisa que não traz benefício. 

Pior ainda quando a droga causa malefício, pois se você quiser usar em outros pacientes, agora ainda tem ônus de demonstrar segurança nestes pacientes, mesmo sendo eles de menor risco cardiovascular.

É engraçado o que a indústria faz. Seleciona pacientes de alto risco devido à maior probabilidade de mostrar benefício (isso é correto), mas quando o resultado é fora do esperado, diz que este se limita apenas aos pacientes de alto risco.

Devemos sempre nos lembrar que uma droga deve ser prescrita baseado no benefício que vai proporcionar e não baseado na ausência de malefício.

Ausência demonstração de malefício em uma população de baixo risco não justifica o uso de droga, pois não também não há demonstração de segurança, muito menos de eficácia.

Em conclusão,  o FDA proibiu e a Abott já suspendeu a droga no mercado americano. Vamos ver o que acontecerá no Brasil. Convido vocês a aproveitarem esta oportunidade para ler novamente nossas postagems de janeiro sobre a Sibutramina, onde criticávamos o FDA pela não suspensão desta droga naquela época (postagem 1 e postagem 2). É sempre interessante analisarmos retrospectivamente o que discutimos tempos atrás.

Mais uma droga que nunca deveria ter entrado no mercado, nunca deveria ter sido prescrita por médicos, pois estudos de desfechos clínicos são essencias para sabermos de fato as consequências de nossas ações neste complexo sistema que é o organismo biológico.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Curso de Análise Crítica da Literatura Médica


Análise crítica da literatura, utilizando conceitos de medicina baseada em evidências.

Promoção: Serviço de Cardiologia do Hospital São Rafael.
Docente: Luís Cláudio Correia

Datas: 05/11 (14 - 20h) e 06/11 (8 - 14h)
Local: Hospital São Rafael.
Custo: R$ 120,00 para profissionais e R$ 100,00 para acadêmicos.
Contato para Inscrição: Sra. Fabiana Cíncura (71-3281-6509) ou didat@hsr.com.br

sábado, 9 de outubro de 2010

Um Músico Baseado em Evidências de Grandeza

Hoje é aniversário de John Lennon, 70 anos de nascido. No sentido geral, melhor músico contemporâneo, eternizado aos 40 anos por sua obra musical e luta pela paz. Seu filho mais velho, Julian, tem hoje 47 anos, sete a mais do que a idade de John ao morrer. O tempo passa rápido. Vejam o clip da música mais bonita de John Lennon, Jealous Guy.


domingo, 3 de outubro de 2010

O Que Significa Odds Ratio ?

Neste dia de eleição, me parece uma boa oportunidade para discutir o significado do Odds Ratio, uma medida de associação algumas vezes mal compreendida. Odds Ratio pode ser traduzido como razão de chances. Desta forma, para entender esta medida, temos que entender o significado da palavra chance (odds).

Primeiro, temos que lembrar que chance (odds) é diferente de probabilidade (risco), embora tenhamos o hábito de usar estas palavras como se significassem a mesma coisa. Por exemplo, qual a probabilidade (risco) de morte no caso de uma doença em que ocorrem 60 mortes a cada 100 pacientes, durante o seguimento de 1 ano? Claro, 60% (60 / 100), isso é intuitivo. Agora, qual a chance de morte? A chance é 1.5, que pode ser expresso também como 1.5 / 1 (1.5 para 1). Isso quer dizer que para cada 1 pessoa que sobrevive, ocorrem 1.5 mortes. Ou melhor, para cada 2 pacientes que sobrevivem, 3 pacientes morrem.

Chance = probabilidade / 1 – probabilidade; ou
Chance = probabilidade / complemento da probabilidade; ou
Probabilidade de morrer / probabilidade de não morrer = 60% / (1 – 60%) = 60% / 40% = 1.5

Vamos agora à eleição presidencial. Imaginem que um eleitor entra em sua sessão para votar. Qual a probabilidade de que ele vote em Dilma? Qual a chance de que ele vote em Dilma?

De acordo com as últimas pesquisas, Dilma tem 50% dos votos (0.5). Neste caso, sua probabilidade de receber o voto deste eleitor é 50%. Mas sua chance de receber o voto é 1. Ou seja, a cada eleitor que entra para votar, Dilma tem 0.5 de probabilidade de receber um voto e 1 – 0.5 de probabilidade de não receber um voto. Desta forma, a chance de Dilma é 1.
1 = 0.5 / (1 – 0.5) = 0.5 / 0.5 = 1 / 1 = 1.
Ou seja, para cada 1 voto contra, ela ganha 1 voto a favor.

Se Serra tem 27% dos votos, sua probabilidade (risco) de receber o voto é 27%. Mas sua chance de receber o voto é 0.37
0.37 = 0.27 / (1 – 0.27) = 0.27 / 0.73 = 0.37 / 1.
Ou seja, a cada 1 voto contra, ele ganha 0.37 voto. Ou sendo mais prático, aproximadamente a cada 3 votos contra, ele ganhará 1 voto a favor.

Agora, se dividirmos a chance de Dilma pela chance de Serra, obteremos o Odds Ratio (razão de chances) de Dilma em relação a Serra.
Odds de Dilma = 1 / Odds de Serra = 0.37 = 1 / 0.37 = 2.7.
Então o Odds Ratio de Dilma é 2.7 - Como interpretar? Dilma tem 2.7 vezes mais chance de receber um voto deste eleitor do que Serra.

Percebam que isso é diferente de probabilidade. Ou seja, a probabilidade (risco) de Dilma ganhar é 50%, comparado a 27% de Serra. Desta forma, o risco relativo de Dilma em relação a Serra é 50%/27% = 1.9. Ou seja, o risco relativo não é o mesmo que odds ratio.

Odds Ratio é uma medida mais intuitiva quando nós pensamos em apostas. Por exemplo, se fôssemos apostar dinheiro no BAVI. Precisaremos saber qual o odds do Bahia ganhar. Digamos que historicamente esse odds é 2, ou seja, 2/1. Isso que dizer que a cada 3 jogos, o Bahia ganha 2 e o Vitória ganha 1. Então se nós apostarmos no Bahia em 3 BAVIs consecutivos, vamos ganhar dinheiro em 2 BAVIs e perder em apenas 1 BAVI. Ou seja, sairemos ganhando. Desta forma, fica fácil entender o motivo da existência desta medida, nos dá uma boa noção de quantas vezes vamos ganhar em um total de vezes em que apostamos. Para isso existe o odds = chance.

No entanto, em estudos médicos sobre marcadores de risco ou terapias cujo intuito é reduzir o risco, a medida de risco tem mais importância do que a medida de chance. Por isso se prefere falar em risco. Mas então porque vemos a utilização de odds ratio em alguns trabalhos?
Isso ocorre quando é impossível calcular o risco. Risco é probabilidade de uma coisa vir a acontecer. Ou seja, para termos esta informação, precisamos de uma amostra onde o desfecho ainda não ocorreu e vamos ver qual a proporção da amostra em que o desfecho ocorrerá (futuro). Precisa-se então de um estudo prospectivo. Quando o estudo é caso-controle, onde casos (desfecho já ocorreu) são selecionados no início do estudo de forma arbitrária, não dá para calcular a proporção de pacientes que virão a ter o desfecho. Ou eles já tiveram o desfecho (casos) ou eles não tiveram o desfecho (controle). Neste caso, como não dá para calcular probabilidade do evento ocorrer, se usa odds (chance).

Por exemplo, o INTERHEART é um estudo caso-controle que selecionou 15000 pacientes com história de infarto e 15000 sem história de infarto. Não podemos calcular a incidência de infarto (risco), pois estes já ocorreram e o número de infartados foi artificialmente planejado para ser igual ao número de não infartados. Neste estudo, não podemos saber o risco relativo do dislipidêmico ter infarto (risco dislipidêmico / risco não dislipidêmico). O que podemos calcular é o odds ratio do dislipidêmico. Ou seja, calculamos o odds do dislipidêmico ser do grupo infarto e o odds do não dislipidêmico ser do grupo infarto. Dividindo as duas odds, o estudo relatou um odds ratio de 3.8. Significa que um dislipidêmico tem uma chance 3.8 vezes maior de ser infartado do que um não dislipidêmico.

O segundo motivo do uso de odds ratio é quando este é derivado de análise multivariada de regressão logística. Por motivos matemáticos que fogem ao escopo deste Blog, a análise de regressão logística utiliza o conceito de odds.

Um erro freqüente é a leitura do odds como se fosse risco. Odds ratio de 3.8 não quer dizer risco 3.8 vezes maior. Isso não é risco, pelos motivos já expostos. No entanto, quando o desfecho é raro, com uma freqüência menor que 10%, as medidas do odds ratio e do risco relativo se aproximam. Mas em um desfecho freqüente, embora as duas medidas indiquem um fenômeno na mesma direção, o odds ratio tende a superestimar a força de associação, quando comparado ao risco relativo.

Voltando à eleição de hoje, o odds ratio de Dilma em relação a Serra é 2.7. Se é maior que 1, podemos dizer que a chance dela ganhar é maior do que a chance dele ganhar. Numericamente, em cada quatro eleições Dilma ganharia 3 (2.7) e Serra ganharia uma.
Isso se a eleição se tratasse de um jogo de azar, ou seja, se dependesse do acaso. Mas essa não é a realidade, sabemos que em cada quatro eleições Dilma ganharia todas as quatro. Não por causa de sua pessoa, mas devido ao intenso apoio que esta recebeu do atual presidente da república. Nada disso é uma questão de chance ou probabilidade. Só usei esse exemplo por motivos didáticos.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Declaração de Conflitos de Interesse - Dá para Confiar? por Júlio Braga

A partir de 2013 todas as indústrias de equipamentos ou farmacêuticas americanas terão de declarar qualquer pagamento acima de US$ 10,00 a um médico. No momento, a única forma, ou a mais fácil, de sabermos se um médico recebe dinheiro de uma destas empresas é através da declaração de conflitos de interesse. Esta declaração pressupõe a benevolência da comunidade médica na honestidade do declarante. Será que esta confiança ainda é justificável?
Acaba de ser publicado ahead of print nos Archives of Internal Medicine o artigo From Disclosure to Transparency, The Use of Company Payment Data. Neste artigo são descritos os pagamentos feitos a ortopedistas, e informados voluntariamente, por empresas de equipamentos médicos. Dentre os 40 profissionais que receberam mais de US$ 1.000.000,00 em 2007, 32 publicaram artigos em revistas científicas no ano de 2008. Dos 151 artigos publicados, 91 foram avaliados por terem evidências de conflitos de interesses. Destes 91 avaliados, apenas 44 (46%) descreviam o recebimento de vantagens da indústria e apenas 7 (8%) declaravam o valor recebido. Podemos confiar nestas declarações voluntárias de conflito de interesse?
Na maioria das apresentações que assisti no Congresso Brasileiro de Cardiologia, encerrado em 29/09/2010, os palestrantes nem declarações emitiram. Será que fez falta?
Júlio Braga

sábado, 25 de setembro de 2010

Análise Crítica da Literatura por Braúlio Luna


O Prof. Bráulio Luna Filho está lançando esta semana, no Congresso Brasileiro de Cardiologia, o livro intitulado A Ciência e a Arte de Ler Artigos Médicos. Não tenho dúvida do sucesso deste livro, haja visto o número de colegas que nos pedem indicação deste tipo de literatura, até então escassa em nosso meio. Ainda não li o livro, pois vou adquirir no congresso, mas a julgar pelo formação científica e filosófica do autor, tenho certeza da qualidade da obra.

Braúlio é baiano (mais um baiano brilhante), possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (1977), Residência em Medicina Interna e Cardiologia no Hospital do Servidor Público Estadual - SP, Doutorado em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, Research Fellow na Harvard Medical School. É professor Livre-Docente em Cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo e um dos coordenadores do Curso de Pós-Graduação sobre Metodologia Científica do Departamento de Medicina da UNIFESP-EPM.
O lançamento do Livro será no Congresso, amanhã, 12 horas, no stand da Atheneu.

Parabéns Bráulio.

Congresso PanAmericano da Sociedade de Hospitalistas


Em novembro acontecerá em Florianópolis o I Congresso PanAmericano da Sociedade de Hospitalistas. Sabemos que condutas médicas de eficácia comprovada precisam ser também efetivas. Efetividade significa conseguir traduzir para a eficácia comprovada em científicamente, em ensaios clínicos. Por este motivo, é importante discutir a qualidade dos processos de aplicação das condutas médicas, sendo este um dos focos principais deste congresso. Por exemplo, temas como marcadores de qualidade e medidas para reduzir erros médicos serão discutidos. Este é o tipo de evento não só informativo, mas támbém formativo. Ou seja, nos faz refletir sobre como estamos praticando a medicina.
Vejam cartaz e percebam o detalhe de que não há patrocínio da indústria farmacêutica no congresso. Ou seja, este é um evento sem conflitos de interesse. Dentro desta perspectiva, o congresso discutirá influência da indústria farmacêutica sobre os médicos. Dr. Sami El Jundi, abordará a polêmica "Industry funding of medical education: is transparency clear enough?". A outra palestrante é da jornalista Cláudia Collucci, da Folha de São Paulo, cuja tarefa será a de responder à questão "Healthcare journalism: Also under the drug industry's influence?". Serão convidados como debatedores representantes da Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A moderação da atividade ficará a cargo da vice-presidente do SIMERS, dra Maria Rita de Assis Brasil.
Parabéns a Dr. Guilherme Barcellos, organizador do evento.

sábado, 7 de agosto de 2010

Ensaio sobre o Efeito Placebo

Virou moda uma tal de pulseira EFX. Muitas pessoas conhecidas estão usando. Semana passada vi Júnior, ex-jogador da seleção e comentarista da TV Globo, usando uma dessas pulseiras na transmissão do jogo do Vitória e Santos. Aquela imagem me causou um questionamento: será que essas pessoas acreditam nessa estória? Dentro da pulseira tem um chip (testado pela NASA) que dá equilíbrio físico e emocional ao usuário. Andei perguntando às pessoas que usam e todos dizem que experimentaram uma mudança significativa depois deste investimento de R$ 150,00. Tenho duas hipóteses para explicar o fenômeno: ou a pessoa não quer admitir que foi enganada, ou essa é uma evidência a favor do efeito placebo. Nego-me a aceitar uma terceira hipótese de um efeito real da pulseira, pois isso carece de plausibilidade. Só poderia aceitar, se fosse demonstrado cientificamente: um estudo randomizado e cego, para pulseira sem chip versus com chip.

Em medicina, temos várias demonstrações do efeito placebo. Vejamos alguns exemplos.

Ultimamente tenho me surpreendido com a quantidade de pacientes idosos que relatam ter melhorado da dor em joelho após uso de Glucosamina.. Alguns mandam até buscar no exterior. Como os pacientes me perguntam se há efeito cardiovascular adverso, resolvi ler sobre o assunto e me surpreendi com um grande ensaio clínico randomizado (GAIT Trial), metodologicamente bem desenhado, publicado no New England Journal of Medicine, demonstrando que Glucosamina tem o mesmo efeito do placebo no controle da dor em joelho. Ou seja, não há eficácia relacionada ao princípio ativo da substância.

Outro clássico exemplo: acupuntura para dor lombar. O último número do New England Journal of Medicine traz uma discussão sobre esse tratamento e cita ensaios clínicos randomizados que mostram ser o efeito analgésico da acupuntura na dor lombar semelhante ao efeito do sham (simulação) de acupuntura. O principal estudo foi publicado no Archives of Internal Medicine e randomizou 638 pacientes para três grupos: acupuntura, simulação de acupuntura e ausência de intervenção. Os pacientes que não fizeram nada não experimentaram melhora da dor. Já os pacientes de acupuntura obtiveram melhora de seu sintoma, porém a melhora foi experimentada de igual maneira pelos pacientes que foram submetidos apenas à simulação.

Ou seja, pelo menos em relação à dor lombar, acupuntura não tem eficácia além do placebo. Não sei quanto às outras indicações, pode ser até que para outra coisa este tratamento seja eficaz. Existe até alguma plausibilidade biológica, visto que teoricamente o tratamento pode estimular terminações nervosas. Mas eu nunca pesquisei a respeito de outras situações clínicas. Aos amigos acupunturistas, comentem sobre as evidências sobre as outras indicações.

Já a homeopatia, essa carece de qualquer plausibilidade biológica (vide postagem prévia) e está bem demonstrado que não há benefício. Não é falta de evidências, é evidência de que não é benéfico. Como já comentado anteriormente, o parlamento inglês realizou uma excelente revisão sistemática sobre o assunto, concluindo que o sistema de saúde público não mais deveria pagar nenhum tipo de tratamento homeopático.

Já mencionamos também que antidepressivo em paciente com depressão leve não traz benefício além do placebo, isso comprovado por uma revisão sistemática que também foi tema de postagem prévia.

Ao passo em que estas evidências falam contra eficácia de certas condutas médicas, estas são também evidências de que existe de fato um efeito placebo. Verifiquem que estes exemplos sempre correspondem à esfera de tratamento da dor ou humor. Estas são as situações mais susceptíveis ao efeito placebo. Em situações relacionadas a desfechos clínicos maiores, do tipo morte cardiovascular, é pouco provável o efeito placebo.

A questão que merece reflexão é a indicação de tratamentos com base apenas no efeito placebo. Muitos argumentam que o importante é o que o paciente melhore, independente se o efeito é placebo ou não. Essa é uma discussão sociológica. Imaginem uma sociedade que aceite uma série de condutas sem eficácia comprovada. Iria virar algo meio anárquico, não acham? Voltaríamos ao tempo do curandeirismo? Correríamos o risco de perder o norte científico para definição de condutas médicas. Seria uma regressão, uma involução que geraria desaparecimento do paradigma da medicina baseada em evidências científicas. Cada um faria o que deseja sob o argumento do efeito placebo. Por isso, acho este raciocínio um tanto perigoso. Mas isso é uma questão de debate.

Além disso, o efeito placebo requer que o paciente acredite que a terapia seja cientificamente eficaz. Portanto há uma questão ética em usar uma terapia sob a premissa de eficácia, sabendo-se que no fundo o efeito é apenas placebo. Além do mais, algumas destas terapias tem custo elevado. Seja custo financeiro, seja custo relacionado a efeitos adversos. Antidepressivos quando aplicados a pacientes com depressão leve têm apenas efeito benéfico proveniente do placebo, porém tem efeitos farmacológicos adversos conhecidos de todos nós.

Portanto, sob o paradigma da medicina baseada em evidências, o efeito placebo não deve justificar uma conduta terapêutica. A não ser quando falamos de medidas de estilo de vida. Recomendar uma boa sessão de cinema a um paciente com câncer vai lhe tornar mais seguro e gerar um bem estar, que pode ter benefícios clínicos. Ou recomendar atividade física, uma sessão de Yoga, relaxamento, tudo isso sem a máscara da premissa de eficácia clínica, porém com um benefício psicológico verdadeiro.

Quanto à pulseira EFX, a indicação depende do gosto. Se a pessoa considerar elegante, deve usar. O problema é que, como diz um amigo meu, essa pulseira é gin (cafona). Até nisso, o uso é duvidoso.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Pesquisa do CREMESP

No dia 31 de maio foi publicada no site do CREMESP uma importante pesquisa a respeito da distorcida relação dos médicos com a indústria farmacêutica. A pesquisa utilizou questionário estruturado, aplicado por telefone a uma amostra de 600 médicos de diversas especialidades. O trabalho de campo foi realizado pelo Datafolha Instituto de Pesquisas entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Esta pesquisa vem tendo repercussão nacional, a exemplo da entrevista dada por seu ator principal, Dr. Bráulio Luna, à Folha de São Paulo.

Abaixo alguns dados que considero mais relevantes:

93% dos médicos afirmam ter recebido produtos, benefícios ou pagamentos da indústria considerados de pequeno valor nos últimos 12 meses. 37% receberam presentes de maior valor, tal como viagens para congressos nacionais ou internacionais.

38% dos médicos costumam prescrever de acordo com a recomendação do representante da indústria.

Uma constatação mais grave, e portanto esta pergunta não foi feita de forma pessoal: 28% souberam de médicos que recebem comissão por procedimentos, medicamentos, órteses/próteses indicados.

Essa é a pior delas, ou seja, receber dinheiro diretamente pela prescrição de medicamentos ou indicação de procedimentos.

A pesquisa também perguntou o que os médicos achavam do tipo de relação que hoje existe com a indústria e infelizmente 62% dos médicos avaliam positivamente a relação do profissional com a indústria de medicamentos, órteses/ próteses e equipamentos médico-hospitalares.

Por outro lado, 35% fazem críticas à indústria, principalmente por causa da relação comercial, dos interesses financeiros e influências na prescrição.

Alguns depoimentos mostram divergência de opinião em relação à indústria:

“Eles oferecem atualizações, informações sobre novos medicamentos, pagam viagens para congressos sem pedir nada em troca, ou seja, sem querer obter vantagens, sem forçar que prescrevamos os seus medicamentos, não existe troca de favores”.

“É relação mercenária, eles tentam subordinar e manipular os médicos para que usemos determinados materiais, geralmente isso ocorre com representantes de órteses e próteses”.


Como contraponto da tudo isso, o CREMESP lembrou algumas regulamentações existentes, evidenciando que a relação com a indústria é não só antiética, mas é também ilegal.

Em vigor desde 13 de abril de 2010, o novo Código de Ética Médica dispõe sobre a necessidade da relação ética e da eliminação de conflitos de interesse entre profissionais e empresas de produtos de prescrição médica.

É vedado ao médico: Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.

Art. 69. Exercer simultaneamente a Medicina e a Farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional.

Parabéns ao CREMESP e a Dr. Bráulio por expor de forma objetiva a realidade da inadequada relação da comunidade médica com a indústria farmacêutica. As resoluções do CFM nos deixam otimistas em predizer uma tendência de que este tipo de conflito de interesse tenha sua prevalência reduzida. Afinal, isso não é mais uma questão de opinião, agora é lei de acordo com o Código do Ética Médica. Infringir o Código é uma atitude incontestavelmente inadequada. Chegará o dia em que os pacientes poderão acreditar que a prescrição que recebem é a melhor para sua saúde e não a melhor para as viagens ou conta bancária do médico.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Copa do Mundo e Coração


Geralmente em vésperas de Copa do Mundo surgem questionamentos por parte da mídia ou de pacientes a respeito do potencial efeito maléfico das fortes emoções provocadas pelos jogos do Brasil. Na Copa passada tudo não passava de especulação. Porém hoje há uma interessante evidência científica a respeito do impacto cardiovascular dos jogos da Copa. Recentemente, fui lembrado por meu aluno Rodrigo Viana a respeito do artigo intitulado Cardiovascular Events during World Cup Soccer, publicado no New England Journal of Medicine, em 2008.

Este foi um estudo realizado durante a Copa da Alemanha, nos arredores de Munique, o qual quantificou o número de atendimentos por síndromes coronarianas agudas nos dias de jogos da Alemanha, comparando com dias em que a Alemanha não jogou e com épocas fora da Copa do Mundo. Interessante a observação de que a incidência de eventos cardiovasculares em dias de jogo da Alemanha foi em média 2.6 vezes maior quando comparado aos dias sem jogos da Alemanha. Mais interessante ainda é observar um gradiente crescente entre a incidência de eventos de acordo com a dificuldade do jogo. Por exemplo, os jogos que se associaram a maior risco foram as quartas de final (Alemanha x Argentina) e a semifinal (Alemanha x Itália), comparados aos jogos da primeira fase. Já o jogo que disputou o terceiro lugar na Copa (Alemanha x Portugal) não apresentou aumento na ocorrência de eventos cardiovasculares, pois aí não tinha mais emoção. Isto é o que se chama de relação dose-resposta (dose de estresse e resposta de eventos), que é um dos critérios de causalidade. Interessante notar que os eventos decresciam em número na medida em que as horas passavam depois do jogo, ou seja, a maior concentração de eventos ocorreu próximo ao jogo. Por tudo isso, os achados parecem consistentes.

Este é um tipo de estudo denominado ecológico, ou seja, se descreve a frequência geral de eventos, sem levar em conta o paciente individualmente. Serve para comparar dados epidemiológicos entre populações ou tendência temporal em uma mesma população, com o foi o caso deste trabalho. Claro que se fosse um estudo de coorte prospectiva, que levasse em consideração características individuais dos pacientes, os dados seriam mais consistentes. Mas para o caso aqui presente, este desenho seria impraticável, pois a probabilidade de eventos em um dado dia da vida de um paciente é ínfima, o que tornaria quase inexistente o surgimento de eventos em uma coorte com número determinado de indivíduos.

Os autores tiveram o cuidado de computar apenas os eventos que ocorreram em moradores da região estudada, para evitar o viés de aumento de eventos decorrente do aumento de pessoas na cidade, maior que em época fora da Copa.

Desta forma, podemos considerar esta evidência como provavelmente verdadeira, sendo o melhor que podemos obter em termos de dado científico. Mas além de avaliar a veracidade da informação, devemos avaliar a relevância.

Neste sentido, os autores concluíram “In view of this excess risk, particularly in men with known coronary heart disease, preventive measures are urgently needed.” Baseado nisso, poderíamos considerar que nossos pacientes cardiopatas não deveriam assistir a nenhum jogo do Brasil, ou deveriam assistir com a ambulância do SAMU na porta. Porém isso seria um exagero, provocada pela exagerada conclusão apresentada no artigo.

Baseado neste estudo, podemos inferir em termos relativos que o risco de apresentar um infarto durante o jogo do Brasil é 2-3 vezes maior do que fora do jogo. No entanto, o estudo não fez quantificação de risco absoluto. Nem poderia fazer, pois como um estudo ecológico, os autores apenas contaram quantas pessoas se apresentaram nas emergência com síndrome coronariana aguda, sem considerar o denominador, ou seja, sem calcular risco (número de eventos/número de indivíduos expostos). Sendo assim, não temos a probabilidade de um indivíduo que está assistindo a um jogo apresentar um infarto neste momento.

Na verdade, mesmo sendo 2-3 vezes maior do que em outros momentos, o risco de um indivíduo apresentar um infarto durante o jogo é ínfimo, pois aqui estamos nos referindo a apenas um dia na vida do paciente. Imaginem, quando a gente estima risco baseado no Framingham, consideramos 10 anos. Mesmo uma pessoa de alto risco em 10 anos (risco = 20%), tem uma probabilidade pequena de ter um evento cardiovascular em um dia específico de sua vida = 0.005% (20%/3650 dias). Além disso, uma pessoa não apresenta um infarto porque teve um momento de estresse, mas sim porque tem uma doença coronariana vulnerável. O estresse é apenas o gatilho. Se o gatilho não decorrer do jogo da Copa, vai decorrer de outro momento na vida da pessoa.

Afinal, a vida é feita de emoções. Este é o raciocínio que devemos aplicar quando nos questionam se um idoso cardiopata deve ir à formatura do neto, pois a emoção poderia causar um evento cardiovascular. Salvo situações de extrema instabilidade, estas pessoas devem participar da vida, devem ir à formatura, assim como assistir ao jogo do Brasil na Copa.

O artigo discutido é interessante, tem valor científico, mas seria um erro aplicar este conhecimento para limitar os pacientes de ver os jogos. Sejamos razoáveis.

Por falar nisso, este Blog entrará em recesso para assuntos científicos durante a Copa. Se conseguirmos conexão de internet na África do Sul, faremos uma cobertura da Copa on line, sempre sob o paradigma baseado em evidências.

domingo, 9 de maio de 2010

Chocolate Traz Benefício Cardiovascular?

No filme Mandela, sobre o longo período de Nelson Mandela no presídio de Robben Island, há uma marcante passagem: Mandela consegue que um guarda do presídio passe para Winnie Mandela uma pequena barra de chocolate, como presente de Natal. Aquele fato teve um grande impacto político, pois representou a insistente luta de Mandela pelo que ele acreditava, a despeito da adversidade. Recentemente Adelina relatou em seu Blog sua surpresa ao ser presenteada no sinal de trânsito com um Sonho de Valsa. Chocolate é de fato um alimento especial, é nome de filme, nome de música, tendo uma evidente conotação romântica.

Estes sentimentos aparentemente são despertados também em cientistas. Pela lógica, chocolate seria deletério ao sistema cardiovascular, por ser rico em gordura saturada. No entanto, está publicado ahead of print no European Heart Journal o artigo intitulado Chocolate consumption in relation to blood pressure and risk of cardiovascular disease in German adults. Este é um subestudo da coorte do European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition. Os investigadores realizaram questionário alimentar em 19000 indivíduos saudáveis, realizando seguimento prospectivo de 8 anos, o que demonstrou associação entre consumo de chocolate e menor risco de infarto e AVC. Os autores então concluem: Chocolate consumption appears to lower CVD risk, in part through reducing BP. The inverse association may be stronger for stroke than for MI. Further research is needed, in particular randomized trials. Percebam o cuidado nas palavras, cuidado muitas vezes sugerido pelos revisores dos trabalhos. Este cuidado se deve à obvia limitação do estudo, o desenho observacional.
Tal como mencionamos na postagem do benefício do álcool, este tipo de estudo gera uma hipótese, que precisa ser testada em ensaios clínicos randomizados. Sempre que falamos de estudos sobre hábitos de vida há grande probabilidade de efeito de confusão denominado usuário saudável. Pode ser que as pessoas com mais predisposição de doença evitem chocolate. Por isso a importância da análise multivariada, que ajusta para estas covariáveis. Mesmo assim, nenhuma análise multivariada garante ausência de fatores de confusão residuais.

Por outro lado, este trabalho tem duas características metodológicas que o fazem uma evidência um pouco mais consistente do que a maioria dos estudos observacionais que testam o valor de hábitos de vida. Primeiro, o estudo avalia a associação com uma possível variável intermediária na relação entre chocolate e proteção cardiovascular. Ficou demonstrado que os paciente que ingerem mais chocolate têm pressão arterial mais baixa. Portanto, o estudo vai um pouco além e calcula no modelo multivariado o quanto da proteção do chocolate se deve ao seu efeito hipotensivo. Segunda característica que diferencia este estudo é a demonstração da associação linear entre quantidade de chocolate consumido e risco cardiovascular. A avaliação utilizando variáveis contínuas tem mais consistência estatística.

O trabalho é sem dúvida interessante, porém por enquanto o interesse é do ponto de vista científico. Esta não é uma informação para ser aplicada clinicamente, nem divulgada na imprensa leiga como uma descoberta de impacto clínico. Porém como de praxe, a imprensa leiga veiculou a informação de forma determinística. Vejam alguns exemplos da notícia na imprensa leiga:

BBC News: “Chocolate can cut blood pressure and help heart”
The Guardian: “It's official: Chocolate is good for you”
Daily Express:
One piece of chocolate a day could save your heart

Precisamos testar com metodologia adequada o impacto clínico não só de drogas, mas também de hábitos de vida. Estes estudos podem mudar paradigmas de prevenção em alguns casos e em outros casos reforçar a necessidade de alguns hábitos de vida.

Enquanto isso, podemos comer chocolate de forma romântica e moderada, para talvez no futuro comermos de forma cientifica.
Declaração de Conflito de Interesse: sou chocólatra.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Benefício Cardiovascular do Álcool: Mito ou Realidade?

É comum médicos afirmarem na televisão ou imprensa escrita que o consumo moderado de vinho oferece benefício na prevenção de doenças cardiovasculares. Pouco comum é ouvir um comentário ponderado de que no fundo não sabemos a resposta para esta questão.

As evidências a respeito do teórico efeito benéfico do álcool são provenientes da análise de desfechos em estudos observacionais ou análise de efeitos fisiológicos. A mais citada referência é aquela que descreveu o paradoxo francês, termo que se refere à baixa prevalência de doença cardiovascular entre os franceses, apesar da alta ingestão de gordura saturada. De forma apenas hipotética, se atribui este paradoxo ao hábito quase diário dos franceses em consumir vinho de forma moderada. Este é um estudo do tipo ecológico, onde se compara a prevalência de doença entre populações, sem levar em conta os participantes de forma individual. Por este motivo, o nível de evidência de um estudo ecológico é bem menor do que um estudo de coorte prospectiva.

Há também estudos de coorte sugerindo associação entre uso moderado de álcool e menor risco cardiovascular. O grande problema é que estes estudos são vulneráveis ao efeito do usuário saudável, onde o uso de vinho seria apenas um marcador de bons hábitos de vida ou de melhor status social. Mesmo após ajuste por análise multivariada, sabe-se que pode haver efeito residual de variáveis de confusão, provocando associações não verdadeiras. O maior exemplo do efeito do usuário saudável é o da terapia de reposição hormonal. Esta terapia possui plausibilidade biológica de ser benéfica (tal como o álcool) e estudos observacionais sugerindo efeito protetor contra doença cardiovascular (tal como o álcool). Mesmo assim, quando os ensaios clínicos randomizados foram realizados, verificou-se que esta terapia não só carece de benefício, como também traz malefício cardiovascular.

Um estudo de coorte que ilumina nossas mentes a respeito deste assunto é a publicação do Prof. Flávio Fuchs no American Journal of Epidemiology 2004, com dados provenientes da coorte do ARIC (Atherosclerosis Risk in Communities Study). Flávio observou que em brancos americanos o consumo moderado de álcool é associado menor risco cardiovascular, porém em negros esta observação não está presente. Isto sugere que o álcool pode ser apenas um marcador da condição de saúde, hábitos de vida e melhor status social. A minoria negra americana tem pior status social e carece de bons hábitos de vida. Por isso o álcool não consegue ser marcador de boa condição de saúde em negros.

Este mesmo estudo demonstrou que não há associação entre o tipo de bebida e risco cardiovascular, sugerindo que a particularidade do vinho é o perfil das pessoas que fazem uso, não um efeito protetor específico.

No número corrente do Circulation, foi publicada uma revisão sobre o efeito do álcool em pacientes portadores de doença cardiovascular. Neste caso de prevenção secundária, há também evidências epidemiológicas de associação com melhor desfecho cardiovascular. No entanto, o artigo chama atenção de que esta é uma população mais vulnerável aos efeitos maléficos do álcool: piora controle pressórico, causa hipertrigliceridemia, predispõe a obesidade, fibrilação atrial, reduz limiar para fibrilação ventricular, pode ter efeito aditivo com aspirina para provocar sangramento digestivo, aumenta a atividade do citocromo P450. Por isso tudo, também há plausibilidade biológica para efeito cardiovascular maléfico do álcool.

O ideal seria a realização de um ensaio clínico randomizado. Só que seria muito difícil de realizar, pois pessoas que fazem uso corrente de álcool não vão aceitar se forem randomizadas para não tomar mais nenhum drink por vários anos. Da mesma forma, pessoas abstêmias, não vão querer ser randomizadas para tomar drinks com certa freqüência. A única possibilidade seria randomizar para diferentes doses de álcool e ver a relação dose-resposta. Mas convenhamos que seria difícil controlar isso na prática.

Sempre que se levanta esta discussão surge o legítimo argumento de que não podemos esperar ensaios clínicos para tomar conduta em todos os casos. Isso é verdade, o que precisamos fazer é avaliar quais os casos em que se justifica considerar uma verdade científica baseada em estudos observacionais e os casos em que não se justifica. Por exemplo, tabagismo. Aqui a pessoa já fuma e o ensaio clínico randomizaria pacientes para parar ou não parar de fumar. Porém a força de associação é muito grande entre tabagismo e doença cardiovascular/câncer nos estudos observacionais e há nítido gradiente dose-resposta, tornando bem provável que a associação seja verdadeira. Além disso, existe mais plausibilidade do efeito maléfico do tabagismo do que do efeito benéfico do álcool. E não há plausibilidade de efeito benéfico para tabagismo, enquanto há plausibilidade de efeito maléfico do álcool. Desta forma, julga-se que não é necessário um ensaio clínico para acreditar que tabagismo é um fator de risco. Percebam que a medicina baseada em evidências propõe uma análise discriminatória entre os casos em que se deve almejar um ensaio clínico e casos em que nos contentamos com o estudo observacional.

Desculpem-me os amantes do vinho. Reconheço que é mais divertido curtir um bom vinho pensando no benefício cardiovascular. Talvez depois de duas taças de vinho eu venha concordar com evidência a favor do álcool. Porém como dia de quarta-feira geralmente não bebo, hoje considero um mito o benefício cardiovascular do álcool.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Escores de Risco por Júlio Braga

Não há dúvidas que a utilização de escores de risco é melhor para prever eventos que a estimativa clínica. Dados similares a este já haviam sido publicados (p.ex. Risk scores for risk stratification in acute coronary syndromes: useful but simpler is not necessarily better. European Heart Journal 2007; 28:1072–1078). Entretanto, e para esclarecer os comentários que fiz com Luis Claudio: eu disse nós não temos escores FACILMENTE disponíveis. Afinal por que os médicos usam rapidamente escores como Killip no IAM a classificação de Angina Instável de Braunwald, as Classes Funcionais de IC, etc. Eu creio que porque são FACILMENTE aplicáveis.
Em uma UCO que trabalhei com Luis Cláudio tínhamos o TIMI Risk Score automaticamente preenchido pelo programa de computador após o médico preencher a história clínica. Porém o programa e este recurso foram substituídos por um “Prontuário Informatizado”, que não tinha o mesmo recurso. Para aplicarmos o TIMI que é o mais simples, não necessariamente o melhor, em uma UTI realmente é preciso “convencer” os plantonistas. E para aplicarmos o GRACE ou o PURSUIT? Creio que os sistemas de informática médica poderiam facilitar esta aplicação se não fossem ferramentas voltadas basicamente para as áreas financeiras. E para facilitar a aplicabilidade, estes escores poderiam ser disponibilizados pelos autores dos trabalhos como programas de computador para baixarmos para computadors, smartphones, etc.
Agora outra questão: a melhor estimativa de prognóstico vai ajudar a cuidar melhor de meus pacientes? A informação geral de que os pacientes mais graves são os que mais se beneficiam de estratégias invasivas nem sempre se aplica. Por exemplo, Influence of Renal Function on the Effects of Early Revascularization in Non–ST-Elevation Myocardial Infarction (Circulation 2009; 120:851-858). Creio que ainda falta a evidência de que a aplicação dos melhores escores levem a melhores desfechos. Creio que, embora a estimativa de risco seja melhor com “Escores” isto não necessariamente descarta a importância do julgamento clinico que em um excelente trabalho do brasileiro Whady Hueb et col. (Clinical Judgment and Treatment Options in Stable Multivessel Coronary Artery Disease J Am Coll Cardiol 2006;48: 948–53) foi eficaz em cuidar melhor dos pacientes.
Resumindo, escores de risco são melhores para prever desfechos, mas ainda são difíceis de achar, de aplicar e há dúvidas se são melhores do que o julgamento clinico para definir condutas e beneficiar nossos pacientes. Mas tentarei “convencer” os plantonistas a usar o TIMI Risk...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Escore de Risco: Uma Ferramenta Negligenciada


Publicado esta semana no Archives of Internal Medicine um artigo que avalia a freqüência de utilização de escores de risco na prática clínica de médicos alemães. O artigo mostrou que na maioria das vezes os médicos preferem utilizar as informações clínicas da maneira intuitiva, ao invés de utilizar escores. Alguns motivos são relatados, como a ignorância da existência de um escore, ou a crença de que escore não avaliam bem o risco individual.
Os escores de risco são modelos multivariados desenvolvidos e validados em estudos de coorte, permitindo que marcadores sejam computados conjuntamente, considerando o valor prognóstico ponderado de cada um deles. Há evidências de que os escores de risco possuem acurácia prognóstica e reprodutibilidade superior à impressão clínica de médicos experientes. E é fácil entender a razão: é praticamente impossível computar mentalmente todas as variáveis prognósticas. Por este motivo, os escores representam a forma mais adequada para estimativa de risco.

Contudo, existem algumas dificuldades para a disseminação prática de escores. Primeiramente, o benefício da utilização de escores em geral é pouco reconhecido pelos médicos. É prevalente a crença de que a experiência pessoal e a avaliação intuitiva do risco são insubstituíveis, ou seja, “bons médicos não necessitam de escores de risco”. No entanto, a impressão clínica é sujeita a erros, tais como experiência enviesada, memória prioritária para casos de evolução muito boa ou muito ruim, tempo limitado para consideração mental de todas as covariáveis e suas interações. Por estes motivos, os escores possuem melhor capacidade preditora do que a impressão clínica.
Além disso, o simples uso da impressão clínica muitas vezes predispõe ao paradoxo risco-tratamento, onde pacientes de alto risco são tratados menos agressivamente do que pacientes de baixo risco. Isso porque ao utilizar a somente a impressão clínica ficamos mais sujeitos a erros cognitivos relacionados a conceitos mentais predeterminados. Por isso que nos Estados Unidos minorias (negros, mulheres, hispânicos) são tratadas de forma menos adequada do que os indivíduos que representam o cidadão típico de uma determinada região. Não é proposital, mas inconscientemente o médico tente a subestimar o risco de determinados grupos de pacientes.

Apesar de reconhecidos científicamente como a melhor forma de avaliar prognóstico, até mesmo os guidelines científicos falham na ênfase dada aos escores. Por exemplo, na recente Diretriz Brasileira sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST apenas o Escore TIMI é mencionado rapidamente, enquanto o melhor escore, o GRACE, ficou esquecido. No Guidelines dos American College of Cardiology e American Heart Association os dois escores são abordados, porém não há discussão em relação à acurácia destes.

Fico impressionado como há escores disponíveis para quase todas as situações clínicas. Hoje mesmo Dr. Júlio Braga comentava pertinentemente a inexistência de um escore que avaliasse o risco de sangramento com o uso crônico de anti-agregantes plaquetários. Coincidentemente me deparei esta noite com um artigo recentemente publicado no European Heart Journal, validando este escore. Ele estava certo, não tinha mesmo este escore, até ontem. De qualquer forma, precisamos sempre avaliar criticamente a qualidade do escore. Isso será motivo de outra postagem.
Ao utilizar escores, podemos realizar árvores de decisões clínicas para resolver certos dilemas. Por exemplo, quando estamos na dúvida se vamos anticoagular um paciente com fibrilação atrial, podemos utilizamos o Escore CHADS2 para estimar o risco de AVC embólico e comparamos com o risco de sangramento grave decorrente da anticoagulação através do escore de Shireman et al.
Recentemente foi publicado o CRUSADE, escore de sangramento em síndromes coronarianas agudas, que deve ser confrontado como escore GRACE, para decisão de tratamento antiisquêmicos que predispõem a graves fenômenos hemorrágicos.
Isso não significa deixar a experiência clínica de lado, até mesmo porque para acessar as informações dos escores, para saber se o paciente se adequa ao uso de um escore específico, precisamos de experiência clínica também. Mas o erro é considerar a experiência clínica hierarquicamente mais importante do que a informação obtida pelo escore.

Desta forma, precisamos estreitar a lacuna comumente encontrada entre a existência e a aplicação das evidências. Os escores são ferramentas valiosas que devem ser utilizadas a fim de melhorar nossa capacidade de avaliar prognóstico. Medicina Baseada em Evidências não é apenas ler criticamente trabalhos científicos, é também transferir o conhecimento científico para a prática clínica. Do ponto de visto prognóstico, os escores representam a melhor forma de fazer isso.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Amamentação traz Benefício Clínico?


Um dos mais fortes paradigmas na área de saúde é aquele que propaga o benefício da amamentação. Mas qual o nível de evidência a respeito desta conduta? Esta resposta está em uma meta-análise publicada no site do Ministério da Saúde Americano, que apresenta a seguinte conclusão:
A history of breastfeeding is associated with a reduced risk of many diseases in infants and mothers from developed countries. Because almost all the data in this review were gathered from observational studies, one should not infer causality based on these findings. Also, there is a wide range of quality of the body of evidence across different health outcomes.
Portanto, percebe-se que praticamente não há ensaios clínicos randomizados para responder a questão. Em segundo lugar, o documento chama a atenção para a pobre qualidade metodológica de boa parte dos trabalhos.

Mas o que mostram os resultados? Há de fato uma associação entre amamentação e menor incidência de problemas comuns, tais como asma, gastroenterite, obesidade, sem redução de mortalidade. Falamos em associação, pois não se pode garantir causalidade, visto que os estudos são observacionais. Infelizmente, a meta-análise não nos traz dados de risco absoluto, portanto fica faltando informação a respeito da magnitude do benefício.

Na prática vemos dois tipos de situação: de um lado, mães que têm tempo e prazer em amamentar. Estas devem amamentar, pois o processo vai ser gratificante e possivelmente é benéfico. Além disso, garante o alimento sem custo para pessoas de baixo nível sócio-econômico.

Do outro lado, há mães sem tempo e/ou com dificuldade de se adaptar à prática da amamentação. Estas se tornam ansiosas, sentem-se culpadas, principalmente quando começam a trabalhar e deixam seus filhos sem a amamentação "necessária". Muitas vezes tentam tirar leite para deixar em casa ou voltam correndo para casa várias vezes ao dia. Sem falar naquelas que sofrem com processos inflamatórios nos mamilos, mas não desistem do ato. Ou desistem e se sentem culpadas pelo resto da vida.

Para estes casos, seria necessário um bom nível de evidência que servisse de base para a tomada de decisão: amamentar ou não amamentar sem drama de consciência. Ou seja, em primeiro lugar precisamos saber se há de fato benefício. Estes estudos observacionais são carregados de vieses de confusão que podem ser responsáveis pelo aparente benefício. Pode haver diferença clínica ou social entre filhos de mães que amamentam e filhos de mães que não amamentam. Desta forma, precisamos de ensaios clínicos randomizados. Fico a me perguntar por que em área de tamanho interesse social não há investimento no nível de evidência ideal. Segundo, precisamos saber a magnitude deste benefício. Qual o NNT da amamentação? A partir disso, uma mãe pode decidir se vale a pena ficar mais alguns meses sem trabalhar ou se é melhor voltar mais cedo ao trabalho.

Precisamos deixar os mitos e procurar as evidências. À luz das evidências atuais, acredito que amamentação deve ser incentivada. Por outro lado, não há razão para insistir em uma conduta sem evidência, se for instituida à custa de sofrimento, preocupação ou drama de consciência.